Recortes | Música – Um Rei mais chapa quente

2012 foi um ano diferente para Roberto Carlos. Começando pelo estrondoso sucesso da música “Esse Cara Sou Eu”, encomendada para ser trilha de novela, acabou se tornando um dos principais hits do ano, algo que, segundo os próprios empresários do cantor, não acontecia com tal magnitude há 20 anos. Até aí, nada de novo, visto que a música é uma balada romântica típica do cantor. Na carona de “Esse Cara…”, veio a composição “Fundúncio”, com o eterno parceiro Erasmo Carlos.  

Aí é que começam as surpresas.

Também composta para a novela das 21h, a música é em ritmo de… funk carioca! Com letra apaixonada e interpretação comedida, Roberto surpreendeu (e agradou) muita gente com o uso desse ritmo, que normalmente é associado a baixaria. Então, eis que aparece o “Rei Roberto Carlos”, praticamente um símbolo do bom mocismo, sempre muito associado à religião católica, e faz a batida suburbana entrar nos lares das classes média e alta de uma forma mais suave, soft, de forma a desconstruir, intencionalmente ou não, um pouco da imagem do funk como algo rasteiro e imprestável. 

Roberto Carlos apresentou mudanças de direção em sua carreira em 2012

E, claro, no final do ano, sem dar a menor pelota para a profecia maia, lá estava ele fazendo seu tradicionalíssimo e já um tanto desgastado show de Natal; todavia, no ano que passou ele resolveu tirar mais alguns coelhos da cartola. Dessa vez tendo como cenário o Rio de Janeiro  –nos mesmos moldes do especial feito em Jerusalém–, com os Arcos da Lapa e o Cristo Redentor ao fundo e a calçada de Copacabana sob os pés, ele começou jogando para a torcida e desfilou um medley de clássicos, iniciando com “Emoções” –há um momento em que o cantor, de braços abertos, emula o Cristo Redentor–, passando por “Falando Sério” e várias outras, permeando-as com pequenos textos que, se não atingem em cheio o brega e a canastrice, passam bem perto. Os arranjos clássicos, orquestrais, também não contribuem para evitar bocejos, mas até aí compreende-se facilmente, afinal, Roberto tem uma enorme base de fãs e deu a eles o que queriam logo nos dois primeiros blocos.

O que exige uma reflexão mais aprofundada é o que viria a seguir. Recebendo convidados, o que também é praxe nos seus especiais de fim de ano, o primeiro a subir ao palco foi Michel Teló. Depois de agradecer o momento especial, dizer que é uma honra e toda aquela cerimônia que todos já sabem de cor e salteado, o intérprete do sucesso mundial “Ai Se Eu Te Pego” cantou para seu pai, sentado na primeira fila, “Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo”, junto com Roberto. Na sequência, foi a vez de ambos dizerem que sábado, na balada, passou a menina mais linda –com direito a duas moças dançando junto no palco. Também teve espaço para uma esquete ‘humorística’ (?) com as Empreguetes surtando em um encontro com o Rei no camarim que precedeu a entrada delas no palco. Roberto ainda cantou as novas “Esse Cara Sou Eu” e “Fundúncio” antes de receber um bizarro e aleatório DJ Memê* em uma simulação de balada e, depois, participações dos ótimos Seu Jorge e Arlindo Cruz, para finalizar com o show com “Jesus Cristo”.

Ousadia e alegria

O que se denota disso tudo é uma aparente nova aproximação do artista com a parte menos abastada da população, ou, melhor dizendo, da propagada “nova classe C”. Roberto sempre foi um fenômeno de massa, mas parece que nos últimos tempos isso andava um tanto de lado, afinal, as músicas são as mesmas de décadas atrás e, logicamente, o público também: é inevitável dizer que ambos envelheceram. O fato de fazer mais cruzeiros do que shows também contribui para uma certa elitização de seu público; no entanto, a tentativa de fazer uma música em ritmo de funk e colocar em seu especial um sambista autêntico que fala de Ogum, Iansã, cerveja e pagode em sua música (Arlindo Cruz), um artista sertanejo jovem que foi sucesso mundial (Michel Teló), um fenômeno de novela (Empreguetes), um DJ (DJ Memê) e um artista de samba rock que dialoga com todas as classes (Seu Jorge) mostra uma tentativa de atingir esse novo público, de forma a rejuvenescer a carreira, mas, claro, de forma lenta, gradual e segura, sempre sendo o Roberto Carlos que todos conhecem, sem provocar choques ou traumas nos admiradores de longa data. Resta acompanhar para ver se essa direção vai ser continuada ou foi apenas um lapso. É, nesse sentido, um Roberto Carlos mais chapa quente, mais ousadia e alegria. Se essa direção artística continuar, não se espante no caso de um dueto com Mr. Catra no Natal de 2013.

*No seu site oficial, consta que ele é o “top dos tops DJs de house do país, além de ser o mais bem sucedido DJ/Produtor e remixer do país até hoje”. Então tá.

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