Crimes Ocultos: um policial que por vezes se esquece dos crimes

Policial que se passa na URSS stalinista é eficaz apesar da dispersão de sua trama. (Crédito: divulgação)

Crimes Ocultos (Child 44, Reino Unido / República Tcheca / Romênia / EUA, 2015)

Direção: Daniel Espinosa

Roteiro: Richard Price, baseado em livro de Tom Rob Smith

Com: Tom Hardy, Noomi Rapace, Gary Oldman, Joel Kinnaman, Paddy Considine, Vincent Cassel, Fares Fares, Agnieszka Grochowska, Josef Altin, Charles Dance e Jason Clarke.

Um problema por vezes notado em filmes de serial killers é a excessiva atenção dedicada ao mistério, que compromete o filme em duas frentes: 1) por vezes acaba expondo os furos mais grosseiros da trama e 2) converte os heróis em figuras pouco interessantes. Crimes Ocultos sofre do exato oposto: mesmo que conte com uma boa história e um mistério com todos os elementos para intrigar, falha em conseguir esse efeito justamente por focar-se tanto no núcleo de protagonistas e em uma quantidade enorme de subtramas.

(Crédito: divulgação)
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Contando com uma introdução excessivamente longa, Crimes Ocultos foca-se em Leo Demidov (Hardy), apresentado como o soldado que hasteou a bandeira soviética sobre o Reichstag durante a invasão de Berlim, na Segunda Guerra Mundial (algo que não desempenha função alguma na história). Oito anos depois, já no final do período stalinista, Leo é perturbado pela informação – vinda do suposto traidor Anatoly Brodsky (Clarke) – de que sua esposa Raisa talvez seja uma espiã infiltrada, o que coloca o casal em desgraça graças a Vasili (Kinnaman), rival do protagonista. Enviado a uma comunidade afastada, Leo percebe similaridades na morte de algumas crianças do local com outras que viu em Moscou, mas para levar adiante uma investigação, precisa vencer a má vontade de Nesterov (Oldman), seu novo supervisor.

Soando bem mais longo do que parece em seus 137 minutos, Crimes Ocultos se sai bastante bem ao recriar o clima denuncista da ditadura stalinista, deixando claro que laços de parentesco ou de afeto podem representar um problema grave numa sociedade que acredita que o inimigo pode morar ao lado – e a cena em que Leo é confrontado pelo pragmatismo de Raisa nesse sentido talvez seja o mais doloroso da projeção. O problema é que, embora importante, esse background histórico se estende mais do que deveria: antes de chegarmos ao seu principal núcleo narrativo – a busca pelo assassino -, passamos pela trajetória de Leo na infância e na guerra, seu trabalho como investigador do Estado soviético, a vilania de Vasili, o processo de Anatoly, a acusação de Raisa e o exílio do casal. Além disso, o longa ensaia a construção de um mistério sobre a identidade do assassino apenas para entregá-lo de forma súbita e anti-climática no meio do segundo ato, quando a investigação está apenas começando a se desenvolver (e ainda se dispersa em outra subtrama irrelevante para a trama envolvendo a perseguição do estado soviético a homossexuais).

(Crédito: divulgação)
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Afinal, era mesmo necessário gastar tanto tempo com a questão de Anatoly, que conduziu à Raisa? É algo que poderia facilmente ser resumido e colocado a trama em movimento mais rapidamente, mas é exatamente o que o diretor Daniel Espinosa não parece interessado em fazer. É admirável, sim, que ele se preocupe com a criação de uma atmosfera opressiva e sem esperança (e, de fato, o sucesso parece impossível para Leo e Raisa, algo importante para gerar envolvimento no terço final), mas exagerar nisso em detrimento do resto apenas emperra a narrativa, dando a impressão de que Crimes Ocultos é mais longo e frágil do que é na realidade. Arrisco dizer que essa dispersão do filme tem jeito de ser excesso de devoção ao livro que o originou (e que não li). Além disso, o diretor tem dificuldade na condução de sequências de ação mais básicas – notadamente o tiroteio em Berlim nos minutos iniciais e a luta de Leo e Raisa contra agentes enviados para matá-los no início do terceiro ato, casos em que a misé en scène falha em estabelecer com clareza a geografia das cenas ou quem está enfrentando quem.

Presente em quase todas as cenas, Tom Hardy segura Crimes Ocultos com facilidade, emprestando a Leo uma intensidade que nem sempre é visível graças à introspecção do sujeito, mas que revela um homem determinado a fazer o certo: repare como, perturbado após testemunhar uma execução sumária, ele se esforça para manter a sobriedade do comando, mas não consegue conter completamente o choro ao lidar com as filhas do casal morto. Por sua vez, Noomi Rapace já planta a pista do pragmatismo de Raisa desde suas primeiras cenas, e sua mudança de postura na segunda metade da projeção é conduzida com competência pela atriz, ao passo que Paddy Considine dá a seu personagem uma dimensão trágica, mas sem que isso deixe de despertar repulsa por suas ações. E se Gary Oldman e Jason Clarke pouco tem a fazer, surgindo como coadjuvantes de luxo, Joel Kinnaman se entrega ao exagero para conferir vilania aos menores atos de Vasili, soando como uma caricatura de psicopata que mais irrita do que propriamente assusta. Finalmente, é difícil não questionar a orientação de todas as atuações, que insistem em expressar-se num inglês com desnecessário sotaque russo que, visando tornar o filme mais “autêntico”, só consegue distrair.

Eficiente em ressaltar o perigo de uma sociedade em que o menor deslize (ou mesmo a ausência deste) pode provocar represálias desproporcionais sem qualquer evidência, Crimes Ocultos não é um filme ruim, mas gasta tempo demais para definir o que quer ser. Ao menos tem acertos suficientes para não ser uma oportunidade completamente desperdiçada.

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