Peter Pan (Pan, EUA/Reino Unido/Austrália, 2015)
Direção: Joe Wright
Roteiro: Jason Fuchs, baseado nos personagens de J.M. Barrie.
Com: Levi Miller, Hugh Jackman, Garrett Hedlund, Rooney Mara, Adeel Akhtar, Nonzo Anozie, Kathy Burke, Lewis MacDougall, Cara Delevingne, Tae-joo Na, Jack Charles e Amanda Seyfried.
Antes de qualquer coisa, um serviço: apesar de lançado no Brasil como Peter Pan, o novo filme de Joe Wright não é uma adaptação da clássica história do inglês J. M. Barrie, mas uma prequel desta, buscando estabelecer a origem de Pan, Capitão Gancho & cia. Histórias de origem tem uma certa tendência a funcionar mal, e esta não é exceção à regra. Embora tenham seus breves momentos de inspiração, Wright e o roteirista Jason Fuchs (do fraquíssimo A Era do Gelo 4) fazem de Peter Pan uma obra confusa quando à própria natureza, indecisa entre a pura fantasia e a insistência em justificar as relações entre os personagens – o que não é pior do que o franco antagonismo ao espírito da obra de Barrie, o que cimenta de vez seu fracasso.
Iniciando com Peter sendo deixado ainda bebê pela mãe num orfanato, o filme logo salta para os bombardeios alemães a Londres durante a Segunda Guerra Mundial, quando o garoto (Miller) dedica-se a infernizar a vida das rabugentas freiras que coordenam a instituição. É então que Peter é raptado por um navio pirata que o leva para a Terra do Nunca, sendo colocado para trabalhar como escravo pelo terrível Barba Negra (Jackman), obcecado pela mineração do pó das fadas. Acreditando que sua mãe está com os nativos da ilha, que vivem em conflito com Barba Negra, Peter se alia a Gancho (Hedlund) para escapar do vilão, encontrando a Princesa Tigrinha (Mara) durante sua fuga.
Em momento algum do conto original tínhamos qualquer subtrama que visasse oferecer esse pano de fundo “complexo”, como as freiras que vendem os órfãos para os piratas ou uma motivação para os vilões agiram de forma maligna. Aqui, não apenas isso soa completamente descartável como Barba Negra se torna uma espécie de versão masculina das irmãs Sanderson de Abracadabra com sua obsessão pela juventude eterna. Além disso, a performance afetada de Hugh Jackman entra em conflito com a vilania do personagem, o que impede que Barba Negra soe minimamente ameaçador e o deixa parecendo no máximo uma réplica de Jack Sparrow. Por sua vez, Rooney Mara falha em tornar Tigrinha uma personagem mais interessante, por mais que esteja longe de ser uma simples mocinha. Já Garrett Hedlund se sai melhor ao conferir um moderado charme canalha a Gancho (uma decisão curiosa tendo em vista o futuro do sujeito), enquanto Adeel Akhtar, como Smee, surge mais em sintonia com um tom leve e fantasioso. Mas se há algo de realmente bom em Peter Pan, é o próprio: o expressivo Levi Miller é bastante eficiente em evocar não só o carisma, mas o espírito travesso do menino (e se isso é pouco visto ao longo da projeção, a culpa é do roteiro, não do ator).
Além da falta de coesão de um roteiro perdido em sua trôpega abordagem, há outra profunda decepção em Peter Pan: a direção pouco inspirada do talentoso Joe Wright. Não é que sua abordagem e encenação sejam ruins, mas parecem extremamente próximos do lugar-comum do gênero fantasia para um cineasta que manipulou as expectativas narrativas do espectador (em Desejo e Reparação) e levou a teatralidade às últimas consequências (em Anna Karenina). Perdendo de vez a mão do projeto no terço final, quando busca um tom épico que o filme definitivamente não precisava, Wright alcança um tom muito melhor nos minutos iniciais que, divertidos e descompromissados, retratam a vida de Peter no orfanato – os únicos que o trazem como o “moleque” descrito por Barrie. Além disso, sua tentativa de criar identidade própria soa mais como uma estranha e deslocada tentativa de brincar de Baz Luhrmann, em dois momentos nos quais Barba Negra lidera um coro trovejante de “Smells Like Teen Spirit” do Nirvana e “Blitzkrieg Bop” do Ramones (sim, Barba Negra explica que seus escravos são “homens de todas as épocas” – o que inclusive justifica o design de produção que congrega traços de vários períodos – mas jamais soa natural ou justificado).
Porém, nenhum desses problemas é tão triste quanto o tom “moderno” dado a Pan. No texto de Barrie e na boa cinebiografia Em Busca da Terra do Nunca, de 2004 (também, em parte, na adaptação da Disney, lançada em 1953) , fica claro que a ilha fantástica é um cenário praticamente idílico, no qual Peter Pan é um símbolo (ou o próprio espírito) da espontaneidade, irresponsabilidade e fantasia que só podem existir na infância – características estas que estão inexoravelmente destinadas a perecer com a idade adulta (daí a bela metáfora do crocodilo com um relógio em sua barriga) e que davam um efeito tão catártico em suas apresentações no teatro, quando o público era convidado a bater palmas para salvar Sininho. Aqui, Peter perde todas esses traços (presentes apenas antes de sua ida à Terra do Nunca) para se tornar um típico protagonista do gênero fantasia contemporâneo: um herói abnegado que, tratado pelo vilão e pelos nativos como “o escolhido” de uma profecia (um recurso que Harry Potter deveria ter aposentado por uns 20 anos, no mínimo), deve assumir a obrigação de salvar seus protegidos enquanto busca sua família – a antítese, portanto, do menino que não queria crescer e que enfrentava os piratas apenas por gosto.
Não cumprindo sequer sua proposta de explicar como Gancho e Peter se tornaram inimigos (expectativa dada pela narração de abertura), essa prequel, no fim das contas, comete o mesmíssimo erro do Alice no País das Maravilhas de Tim Burton: ao transformar o mundo fantástico em “realidade”, retira boa parte de seu apelo imaginário – e acaba por fazer desta apenas mais uma aventura genérica que, com arquétipos clássicos, já foi melhor contada em vários outros filmes.