Foto: Leonardo Contursi/CMPA
(Esta reportagem faz parte do Derivas, publicação online que reúne os textos dos alunos do Curso de Jornalismo Alternativo no Nonada. Leia as outras reportagens neste link)
por Ketlyn Ramos e Pedro Hameister
O trabalho dos catadores pode parecer invisível, mas é fundamental para a cidade. Porto Alegre produz cerca de 1.610 toneladas de lixo por dia, o Rio Grande do Sul, 8.725, e o Brasil inteiro, 250 mil toneladas. Nosso lixo é recolhido por caminhões, coletas seletivas e vão para galpões de reciclagem (2%), lixões controlados (10%), aterros sanitários (9%) e a maioria (76%) são despejados a céu aberto.
Outra forma é pelo trabalho dos catadores de lixo recicláveis, que você já deve ter visto circulando pelas ruas de Porto Alegre, ou até mesmo deve conhecer um que passa na sua casa há muitos anos. Um deles é Antônio Vieira Carbonero, um dos mais populares membros do movimento dos catadores.
Aos 70 anos, Antônio Papelero, como é conhecido, demonstra um profundo carinho e simpatia por seus colegas de trabalho, dos quais ele é um dos principais líderes. Na segunda-feira, 17 de agosto, ele e seus colegas conseguiram uma conquista importante: a lei que proibia o tráfego de carrinhos na cidade foi vetada na Câmara Municipal. Em entrevista para a reportagem após a votação na Câmara, ele não tentou esconder a alegria com a vitória.
– O carrinho é nossa ferramenta de trabalho. Se tirar a caneta da tua mão, o que tu vai fazer? O carpinteiro tem o martelo, se tirar o martelo dele, o que ele vai fazer? Se tirar o alicate do eletricista, é a mesma coisa que tirar o carrinho do carrinheiro.
Antônio conta que o trabalho dos catadores é essencial para a limpeza da cidade, impedindo o acúmulo excessivo de lixos pelas ruas e o entupimento de bueiros, além de também ser um serviço honesto executado, em grande maioria, por pessoas que são mal vistas pela sociedade.
– Qual é a empresa que vai dar emprego para um analfabeto? Porque eu tenho diversos analfabetos que puxam carrinho. Hoje, dentro da minha comunidade, é um cidadão de bem. Ele trabalha com dignidade, sustenta seus filhos e não está no crime, está no trabalho.
Principal instrumento de articulação dos trabalhadores da área, o Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável existe há 14 anos. O protagonismo popular e a autonomia são dois eixos que fundamentam o movimento, valores que poderiam ser alcançados por meio da valorização das cooperativas (geridas pelos próprios catadores) como alternativas às empresas de reciclagem. Naquela tarde, durante a votação, um dos líderes do MNCR, Alex Cardoso, resumiu as demandas da categoria na área das políticas públicas e entregou uma carta da reciclagem popular para os vereadores.
“Nós queremos construir a reciclagem popular junto com vocês [governo]. Porque para nós termos uma política de respeito que seja consciente com a nossa realidade, nós precisamos entender o que cada companheiro(a) gerador de resíduos pensa melhor para a cidade. Sem as iniciativas privadas, sem as empresas, sem esses processos tecnológicos excludentes, mas trabalhando para a inclusão dos(as) catadores(as). Substituindo, sim, as suas tecnologias, com tecnologias que sejam mais viáveis, que atendam as demandas dos(as) catadores(as). Porque o debate não é só sobre os carrinhos, o debate é que o carrinho é a ferramenta de trabalho principal dos catadores. Vamos, então, discutir que tecnologia vai ser melhor. Se vai ser um carro elétrico, um carrinho motorizado, um helicóptero, qualquer tipo de tecnologia é viável, desde que o dinheiro da gestão pública de resíduos pare de ir para as iniciativas privadas, pare de ser enterrado em Minas do Leão e comece a virar renda, inclusão produtiva e trabalho para as nossas famílias, para as nossas periferias e para a nossa querida e amada Porto Alegre. Viva a reciclagem popular!”
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Antônio mora na Vila Santa Terezinha, é pai de 14 filhos e é presidente da Associação de Reciclagem Ecológica da Vila dos Papeleiros (Arevipa). Antes de virar catador, já havia tido diversos trabalhos informais, como vendedor de fruta, de churros, de algodão-doce, etc. Ao ficar sem trabalho, entrou para esse serviço através de dois dos seus filhos que já eram catadores.
– Eu já era bem conhecido pelo centro, então quando puxei o carrinho pela primeira vez, fui com o rosto escondido debaixo do chapéu.
Contou inclusive que, pouco depois de começar a puxar carrinho, ofereceram a ele um trabalho como porteiro, mas recusou por pagar menos do que o que pode ser ganho juntando material reciclável pelas ruas. Se orgulha, com razão, de sempre averiguar se nada de valor foi perdido no meio do material que ele junta e de sempre devolver ao dono caso algo assim seja encontrado. A Associação já chegou a ganhar uma doação de R$2 mil de um estadunidense que fez um trabalho sobre a Vila dos Papeleiros e o trabalho da reciclagem e ganhou o prêmio de primeiro lugar.
– Nós somos considerados lá fora do Brasil e aqui não nos valorizam, querem tirar nosso trabalho – conta Antônio sobre a votação na Câmara – Segui os critérios da Prefeitura. Fiz curso de resíduos sólidos e a prefeitura me arrumou um serviço. Trabalhei por um ano, um mês e um dia, depois fui dispensado pois acabou o trabalho. Ou seja, eles não me deram garantia de trabalho. E o que aconteceu? Voltei pro meu carrinho.
Uma das justificativas da prefeitura para tirar os carrinhos das ruas é que os carrinheiros trabalham demais, fazem um grande esforço e deveriam ter um trabalho melhor. Seu Antônio tem outra perspectiva:
– Eles falam que é muito esforço e que a pessoa se maltrata puxando carrinho. Mas se tu ver um papeleiro pode notar, se ele tiver com o carrinho vazio, ele vem triste, bem triste, porque ali tem menos materiais. Mas se tu ver um papeleiro com o carrinho abarrotado até em cima, ele vem bem feliz e cantando, porque ali vai ter um baita retorno para ele e para a família.