Pai do trap no Brasil revisita a carreira

Leonardo Oberherr*
Fotos: Divulgação / DBS Gordão Chefe

Nascido em Carapicuíba (SP) em 1976, Darci Braga de Souza, mais conhecido como DBS Gordão Chefe, é visto como um dos mais influentes rappers do cenário musical brasileiro. Fundador do grupo Dinastia Black Social, DBS passou a integrar o grupo RZO em 1998, tendo como principal amigo e apoiador o rapper Sabotage.

Gordão Chefe é um dos intérpretes de Respeito é pra quem tem, considerada uma das principais músicas do hip-hop brasileiro, presente no álbum Rap é Compromisso, de Sabotage. Sua carreira solo começou com o lançamento do disco O Clã da Vila, em 2003, que vendeu mais de 30 mil cópias e colocou de vez DBS no cenário do rap brasileiro. No mesmo ano, foi indicado ao Prêmio Hutúz como Revelação do Ano.

Desde então, o pai de Nyanda Stella, dois anos, e do recém-chegado Christopher Wallace, nascido em novembro, lançou outros três discos, sendo apontado pela Revista Rolling Stone, em 2015, como criador de um estilo vocal único. Ao todo, DBS Gordão Chefe já vendeu mais de 100 mil cópias entre O Clã da Vila (2003), O Clã Prossegue (2007), Gordão Chefe (2013) e Quantas Vezes Não me Achei (2017). Além de Sabotage, DBS já gravou com Projota, Emicida, Péricles, Black Alien, Flora Matos, Edi Rock, Ice Blue, Realidade Cruel, Thaíde e BNegão. 

O Nonada Jornalismo conversou com o músico no início de novembro. Confira a seguir a entrevista em vídeo e texto: 

Nonada – Passadas três décadas de carreira, o DBS do passado sente orgulho do DBS do presente? Você acha que ele estaria feliz por ter chegado onde você chegou?

DBS Gordão Chefe – Pô, cara, é muito louco! Porque a gente começou ali em 1993, 1994, mas a coisa começa a acontecer quando o RZO dá aquela oportunidade, que daí começa a girar. Ali por 1998, 1999. Então, eu conto minha carreira a partir de O Clã Da Vila, por mais que eu já cantasse antes. 

E com certeza [se sente feliz], porque pensa comigo: A gente vem de um lugar de poucas oportunidades. Eu venho de uma cidade onde a cultura é uma parada que realmente não é uma coisa comentada. Você tinha um sonho, e eu tive a felicidade de participar de alguns pontos importantes, como as quermesses, os bailes locais, que davam palco e oportunidades para os artistas. 

Aquilo ali foi muito importante para mim, até para incentivar e poder continuar, de repente para poder escrever uma música… Você não tinha esse negócio de YouTube, não tinha onde colocar [vídeos]. Então, se você escrevesse alguma coisa, gravasse uma música, ensaiasse com amigos e ficasse em casa… não vira [não dá certo]. Então, eu sou muito grato por isso. O DJ Negro Rico, o antigo DJ do RZO, foi um cara que me ajudou muito. Aquele cara lá atrás, que saiu de um barraquinho, daquela situação toda, precária, hoje, de repente, está no Brasil e consegue viver da sua música, da sua arte, de uma forma tão intensa, por décadas… 

É uma coisa que realmente não imaginaria, cara, de verdade. Por mais que eu estivesse trabalhando, tivesse música com o Sabotage, estivesse ali num bololô. Eu fiz o Clã Da Vila, sinceramente, só para dizer que é o seguinte: “Óh, amanhã ou depois, quando tiver filho, como tô tendo agora, eu posso mostrar, né?”. E para dizer: “Olha só, o pai fez parte desse movimento aí, ali dos caras. Eu lancei meu álbum”. O álbum O Clã da Vila era como se fosse um registro, mas o pessoal gostou tanto do álbum que a gente está aí até hoje. Isso é importante.

Nonada – Essa é a primeira entrevista depois da chegada do seu filho Cristopher Wallace, que tem o mesmo nome do Notorious BIG. E você é conhecido como Notorious brasileiro…

DBS Gordão Chefe – Pô, Notorious BIG, né, meu? O Notorious foi um cara que mudou muito a minha vida. Na verdade, em 1993, 1994, quando eu ouvi Big Poppa, com aquele videoclipe pesado. Não é o primeiro dele, porque Juicy foi um dos que fizeram ele estourar, mas foi um clipe onde eu vi a parada de forma muito interessante. O rap já estava naquele momento com camisas babylook, mostrando o corpo. 

O Tupac metia muito dessas. Aí eu vejo um gordão monstrão colocando o bagulho para estralar, pô, aquilo ali, de certa forma, acende alguma coisa em você que era dentro do que eu era. Aquele cara mais sossegado, aquele cara mais bonachão. E aceitava as brincadeiras e tudo mais. Na hora que eu vi um monstrão daquele, até a minha situação na escola mudou. Antes daquele videoclipe, eu era o Dadá ou o Dadazinho, o gordinho. Quando cheguei depois daquele clipe, eu já era “o gordão”. 

E a minha autoconfiança foi muito fortalecida com o Notorious BIG. Essa característica minha de meter uma rima, de trazer algo novo, surgiu muito dali. Não se tinha uma referência que você falasse assim: “Nossa!”. Porque, querendo ou não, você acaba de certa forma se espelhando. Eu não tinha esse espelho. Eu fazia, mas não tinha esse espelho, não me identificava. E ele realmente foi um mapa. Foi quando eu falei: “Mano, esse cara tem tudo a ver com o que eu quero ser”. Quando meu primeiro filho veio, depois de alguns anos, não tem como não homenagear um monstro desses.

Nonada – Nesse tempo todo de carreira, existe alguma frustração, algo que gostaria de ter feito diferente?

DBS Gordão Chefe – Algumas frustrações temos sempre. Por exemplo, não ter gravado com o Chorão é uma frustração. Eu fui um dos primeiros caras a cantar com ele. Ele me viu num palco, cantando, quando ele estava com o pessoal do De Menos Crime, com o pessoal do Consciência Humana… E, quando me viu no palco com o RZO, ele veio ali no corredor a milhão e falou: “Mano, eu quero você no meu álbum!”. 

Ele tinha perdido o pai dele um tempo antes e estava por lançar esse álbum. No dia que gravaram com ele – todo RZO, o Sabotage gravou com ele, a Negra Li – eu acabei não gravando por conta de problemas pessoais de um dos produtores que, na época, cuidava da gente. Foi uma coisa muito particular do cara, de falar que não tinha me achado, sendo que sempre me achava para ir para os shows… Eu tive a oportunidade de trombar o Chorão e ele me falou que deixou um carro disponível para quando eu saísse do meu trabalho. Na época, eu era office boy, e não aconteceu de me acharem para levar pro estúdio. Essa foi uma das frustrações, porque o Chorão era um cara maravilhoso, apaixonado pelo rap. Um cara de respeito máximo pela periferia. Fora as outras… 

Eu sempre trilhei um caminho na música um pouco diferente. Às vezes, é até curioso, porque eu fico no camarim com alguns caras e vejo que muitos tiveram uma oportunidade, um apoio, um investimento, e a gente sempre trilhou um caminho independente. Quando gravamos Qui Nem Judeu, quando fizemos os álbuns que venderam mais de 100 mil cópias, quando quebramos alguns paradigmas, foi tudo de forma independente. E aí de repente chegamos, depois de um tempo, no mesmo lugar para trocar uma ideia. Então, por mais que algumas frustrações existam – porque a gente acha que a carreira vai ser mó boi [fácil], que vai chegar um momento que vai ter uma estrutura, mas não -, a gente vai entrar no estúdio pensando em horas, porque a gente tinha um capital menor [pois os estúdios são contratados por hora]. 

O único álbum real que eu tive a oportunidade de gravar de ponta a ponta foi o Gordão Chefe, que foi uma parceria com a Baguá Records, que me deram uma estrutura de estúdio. E ali foi o único álbum que eu só me preocupei em ser o artista. Mas, fora isso, o DBS foi artista, empresário, estava correndo, era gandula… Então sempre foi muito tensa minha carreira. Aquela coisa de muitas vezes só curtir quando está no palco, mesmo. 

Até ser PRO [profissional], a gente sempre estava resolvendo algum pepino. Uma das coisas que eu gostaria muito era de só cantar, sem a preocupação de todas as coisas, ser empresário, isso e aquilo. Mas, ao mesmo tempo, foi isso que moldou o DBS. Esse monte de coisas acontecendo ao mesmo tempo, eu tendo que me tornar esse cara com diversas facetas, foi o que transformou o DBS em Gordão Chefe. Como artista, como o cara que ama a música, que está no palco, logicamente você gostaria que fosse mais fácil.

Pai de dois filhos, DBS conta sua história através de suas músicas (Foto: Divulgação / DBS Gordão Chefe)

Nonada – Em 2014, tu vieste para Caxias do Sul (RS) realizar um show. Mais tarde, comentou, em entrevista, que se espantou com o fato de que muitos jovens cantavam músicas do primeiro álbum como Vai na Fé e O Clã da Vila, lançado quando muitos daqueles jovens sequer conheciam a música. Como você lida com o seu legado para o hip-hop e o fato de marcar a vida de tantas pessoas? 

DBS Gordão Chefe – É uma bênção! Num tempo em que as músicas duram um mês ou dois… Esses dias, eu estava conversando com meu antigo sócio e amigo eterno Jairo [Andrade, proprietário da Baguá Records], que tem o Xamã como um de seus artistas, um dos maiores fenômenos dessa nova geração, e ele falou sobre a velocidade que a música acaba. O Xamã tem vários hits, e ele fala que dura no máximo dois meses. Depois, tem que partir para outras paradas. 

Então, quando você tem uma música que dura décadas, é um privilégio. É incrível, estamos sendo privilegiados e, ao mesmo tempo, ficando responsáveis por saber que a gente faz parte não só da geração lá de trás, mas da vida de pessoas que estão começando a entender quem nós somos. Vai na Fé, O Clã da Vila, é impressionante quando a gente chega nos lugares e a molecada está cantando. É emocionante.

Nonada – O “novo” sempre foi uma marca da sua música. De onde vem a criatividade e a inspiração para tantas coisas novas?

DBS Gordão Chefe – A primeira coisa é que eu não sou saudosista. E eu sou atacante. Para mim, a melhor época é sempre o agora! Eu estou vivendo o agora, não vivo do passado. Eu sou um cara que segue uma regra bem simples. Até vi isso em um livro que acho que todos deveriam ler: O Poder do Agora. Ele fala exatamente isso. O passado você não consegue mexer em nada, o futuro nem existe, você só consegue viver o agora. 

Eu amo Notorious BIG, mas não fico só tocando as músicas dele. Eu não vivo lá atrás. Amo Martinho da Vila, minha primeira influência, mas também gosto de ouvir coisas novas. Curto ouvir o Ferrugem cantando. Por isso, muitas vezes, os caras não entendem. Eu amo o rap das antigas, dos anos 1990. Acho que foi um dos momentos mais intensos, mas os anos 1960 e 1970 foram da música. Bebemos de lá também. 

Quando vejo um cara que nem o Brown, do tamanho todo que tem o Racionais, parar para fazer alguma coisa que ele se identifica, um som mais de funk dos anos 1970, é algo incrível. Isso mostra quem realmente somos, nossas facetas. Eu busco sempre o novo. Se eu não lançar algo novo, eu realmente me perco, não consigo só respirar o que já tinha. E nessa busca pelo novo sempre surgem novos caminhos, novas parcerias com os moleques do reggae, do pop, do trap. Todos os dias nós estamos nos renovando, sempre somos pessoas novas.

Nonada – E o futuro do artista DBS? Mais velho, mais experiente… O que isso pode refletir nas tuas músicas?

DBS Gordão Chefe – Acho que o público terá que entender daqui para frente que eu entendi que eu estou rapper. Isso significa que eu posso também estar outras coisas. Eu sempre percebi que temos uma dificuldade gigante de lidar com a questão financeira. E vou ser bem sincero, o que eu consegui construir de estrutura, de vida, que hoje minha família se beneficia, vem mais de como saber lidar com o pouco que entrou, reinvestindo. Hoje eu invisto em criptomoeda, na bolsa e em outros business fora da música. Foi algo particular de como lidar com ele. Aprendi a lidar com o jogo, mesmo com pouco. 

Quero trazer isso para as pessoas também. Então, não estranhem se amanhã ou depois o DBS aparecer ensinando ou tendo parceria com quem ensina sobre essas paradas. Quando viramos pai, começamos a ter prazer em ensinar, isso os filhos trazem. Você começa a entender que não é mais nada só para você e que, na verdade, a vida eterna existe. 

Quando você consegue manter o seu conhecimento para os próximos, pois isso vai se manter vivo depois que você se for. Quando você entende que nada é seu – que você é, no máximo, um administrador – tudo fica mais fácil de entender. As coisas vão ficar e eu vou embora. Nada é meu, a não ser meu tempo. Como rapper, eu quero continuar lançando música, mas o Darci Braga de Souza quer continuar fazendo muita coisa, e educação financeira é uma delas.

Nonada – No trecho da música Quantas Vezes não me Achei “me recordo várias vezes, tá eu e o Maurinho falando de letras, beats, rap, dinheiro, destino que era só questão de tempo pra gente chegar que era só questão de tempo pra gente brilhar”, o Maurinho que você cita é o Sabotage, certo? Por conta da banda, o convívio com o Sabota era grande. Como ele era no dia a dia e o que você sente que aprendeu com ele?

DBS Gordão Chefe – Exatamente. O Sabotage era um cara muito puro. O tratamento dele não interessava se você era o presidente ou o cara que atendia no elevador. Ele era muito igualitário. O ser humano, para o Sabotage, não tinha níveis. Isso era muito natural dele. E era muito importante para a gente que era mais novo. Então, o ego que a gente tinha, de estar no palco, das menininhas correndo atrás, a gente tinha que cuidar. Se a gente olhasse para os lados e não tivesse um parceiro seguro como ele, a gente se deslumbrava. 

A primeira coisa é ter os pés no chão. Eu observava muito ele, como ele conseguia se adaptar ao local em que estava. Depois de um tempo, eu entendi como ele via a vida: como um grande relógio. Não importa se as peças são grandes ou pequenas. Qualquer peça que faltar, o relógio para. Ele era muito louco, uma alma muito pura. Ele faz muita falta. Fazia o bem não só por ele, mas por todo o movimento.

Nonada – O disco O Clã da Vila é lançado pouco depois da morte do Sabotage, em 2003. E a música Vai na Fé, do mesmo ano, parece uma homenagem sua ao Maestro do Canão. Ela foi escrita antes ou depois da morte de Sabotage? E como vocês lidaram com o choque da perda dele? Afinal, era uma montanha-russa de emoções: feliz pelo disco, triste pela morte do “irmão”.

DBS Gordão Chefe – O mais louco é que o disco estava sendo feito porque um dos caras que mais insistia em lançar meu projeto era o próprio Sabota. Ele e o Pregador Luo insistiam muito para eu trazer um conteúdo só meu. Os dois me davam muitos conselhos. O Sabotage estava muito ansioso pelo meu álbum. Até conto que quem me apresentou ao Brown foi o Sabotage e, quando ele partiu, a gente estava brigado. Foi lá no Hutúz, quando me apresentou o Brown. Eu brinquei com ele que só faltava o Sabotage e o RZO pra terminar meu disco. Antes de morrer, ele me ligou no dia 23 pra me desejar Feliz Natal e bom Ano Novo e falou que até a terceira semana de janeiro ele finalizava e colocava a voz. Ele era um grande irmão.

Sabotage (à direita) foi um dos grandes incentivadores da carreira do DBS (Foto: Arquivo Pessoal / DBS Gordão Chefe)

Nonada – Durante a pandemia, muitos shows foram cancelados. Mesmo já muito atuante nas redes sociais, você intensificou a produção para o Instagram e o canal no Youtube. Você sente que essa estratégia está trazendo resultados? Como lidou com o isolamento e o distanciamento social?

DBS Gordão Chefe – A principal fonte de captação de recursos são os eventos. Por mais que os streamings sejam legais, não chegam nem perto. É muita coisa, com imagem, como artista, no dia a dia, não só os shows. São várias as coisas afetadas pela pandemia. Aí tivemos que nos reinventar e, nesse ponto, foi muito importante pra mim. Passei mais tempo com minha filha, uma oportunidade incrível. Tudo só mostrou que o que construí nesses anos todos estava certo. Eu tinha um local seguro pra minha família, uma estrutura financeira que me garantia mais de dois anos de vida. Isso foi uma coisa que sempre trabalhei. 

Na hora que parou, eu não estava desamparado. Isso me deu oportunidade para investir em outras coisas, me deixar com a cabeça boa. Saímos de 1 milhão de plays no streaming anualmente para chegar aos 6 milhões. E temos meta este ano de passar os 10 milhões. Hoje, além da música, eu já olho para outras coisas também. Lógico que foi um momento triste, perdi dois primos, todo mundo se machucou nesse momento. Agora, o que a gente precisa saber é sair disso mais forte, a sair com mais humanidade. Entender que somos um todo. Uma coisa que aconteceu na China afetou o mundo todo.

Nonada – Para quem já escreveu tanto sobre tantas coisas, qual foi a rima mais difícil de escrever? Por quê?

DBS Gordão Chefe – Acho que a rima mais difícil de escrever foi Maria. Um samba para a minha mãe. A perda da minha mãe foi algo que realmente me deixou muito mal. Por mais que eu tenha essa ideologia de entender que a pessoa foi, e a gente precisa agradecer o tempo aqui com ela e seguir em frente, a falta de mãe é muito louco. Tudo lembra ela. A gente tem esse apego, ama muito. E o nascimento da minha filha em 2019 foi o que deu uma sanada nisso. Não substituição, mas mudança de papéis. Eu perdi alguém que cuidou de mim e que, de certa forma, eu cuidava também, e agora eu tenho uma missão nova. Maria foi muito louco de escrever.

Nonada – Se pudesse eleger três músicas suas que todos das futuras gerações precisam ouvir, sendo eternizadas, quais seriam?

DBS Gordão Chefe – Vai na Fé, sem dúvida. É a primeira música que me colocou no jogo. Sou muito grato por essa música. A outra, não tem jeito, todo mundo deveria ouvir pra sempre, que é um hino, é a música que tenho com Sabotage: Respeito é Pra Quem Tem. É uma música simplesmente incrível, para a vida. E, para fechar, Qui Nem Judeu. Eu paguei um preço por ela. Se pegar a postagem original do videoclipe e ver os comentários, de cada 10, 9 eram de pessoas falando que aquilo não era rap. Que eu estava queimando o rap, que eu estava fazendo um barato, que eu não era gringo… 

E graças a Deus eu sempre fui cercado por pessoas incríveis. Uma vez, o WX, um grande irmão, falou uma coisa que, na época, me pegou. Eu queria tirar o clipe do ar, porque não tinha dado certo, o pessoal não tinha gostado. E ele me disse: “Pode ter certeza, irmão, o pessoal do contra sempre vai chegar primeiro. Espera uma semana. Tenha paciência”. E isso foi incrível, porque realmente levei para a vida. Quem não gosta sempre é muito mais habilidoso e sempre vai chegar primeiro para dizer que aquilo não serve. Então, deixe a poeira baixar. Ela virou um clássico, até quem não gostava passou a gostar. 

Nonada – Um dos preços que você pagou foi, de fato, fazer o clipe. Por causa dessa música, hoje tu é considerado o pai do trap no país. Como foi a organização para fazer o clipe?

DBS Gordão Chefe – Exatamente! Foi a primeira vez que um iPhone apareceu num videoclipe no Brasil. Isso foi comigo! E ninguém fala disso… [risos]. O iPhone não tinha nem linha aqui no país. Aluguei, na época, por uns R$ 70. Se convertesse hoje, seria em torno de R$ 300, 400 pra eu ter o iPhone, alugado, por duas horas. É tão louco como as coisas acontecem, que nem sempre somos nós. A gente acha que planeja e Deus dá risada lá em cima. Tinha que acontecer daquele jeito. Eu não consigo explicar de forma racional a gravação desse videoclipe. 

Até mesmo ir pro Rio de Janeiro. É que 96% desse clipe foi gravado em São Paulo. Nós só passamos na frente do Copacabana Palace, fizemos uma imagem e falamos: “Opa! Rio de Janeiro”. Mas tem alguns detalhes. Quando terminamos de gravar em São Paulo, a gente olhou um para a cara do outro e falou: “Tá, e como a gente faz com o Rio de Janeiro?”. Porque São Paulo a gente mesmo conseguia fazer, de carro. Passou duas semanas, o Hutúz me ligou pedindo meu show. E eu vendi meu show em troca de alimentação, hospedagem e transporte para fazer as gravações. Estrutura para a gente gravar. E é a primeira vez que falo isso: aquelas imagens do Cristo Redentor, do Rio de Janeiro, são do DVD da Rita Lee. É que, por acaso, quem estava editando o videoclipe era exatamente o editor do DVD. Foi orquestrado pelo universo. Todas as possibilidades indicavam que seriam impossíveis.

Nonada – Para finalizar, qual seria a rima, a frase ou a música que marca a sua trajetória na vida pessoal e profissional?

DBS Gordão Chefe – “Eu quero a porra da parte dos pretos.” Essa frase é da música 1000 Fantasmas, e fala assim: “Os diamantes se escondem dos pretos. Os diamantes não brilham pros pretos. Por que será que não chegam nos pretos? Eu quero a porra da parte dos pretos!”. Eu quero nossa parte. Não queremos tomar nada de ninguém, só queremos aquilo que é nosso. 

* Estudante de Jornalismo da Unisinos. Essa entrevista é fruto de um projeto especial de parceria do Nonada com a Beta Redação, portal experimental do curso de Jornalismo da Unisinos.

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