Arte: Amanda Bier/Beta Redação

Os quadrinhos sociais e políticos de Helô D’Angelo

Amanda Bier*

Como acontece em outros campos artísticos, mulheres historicamente são minoria nos quadrinhos e nas charges. Nos últimos anos, a presença das mulheres acabou ganhando destaque nas redes sociais. Assim é com Helô D’Angelo, quadrinista e ilustradora, de 28 anos, moradora da cidade de São Paulo. 

Formada em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, Helô escolheu seguir a carreira artística, mas com os pés no jornalismo. Além de atuar nas redes sociais, também é chargista no Brasil de Fato, capista do podcast Mamilos e quadrinista na organização DAWN Feministe. Seu currículo conta ainda com a publicação de dois livros em quadrinhos autorais, “A Dora e a Gata” e “Isolamento”. Com muito bom humor e uma pitada de ironia, Helô produz HQs, tirinhas e charges que retratam desde cenas do cotidiano até temas sociais e políticos, sobretudo, ligados ao feminismo, direitos humanos e grupos minorizados.

A artista conversou com o Nonada Jornalismo sobre sua carreira, formação, obras, inspirações, ideias e projetos futuros. Confira.

Quando e como surgiu a vontade de fazer quadrinhos? Por que você decidiu seguir nessa área?

Helô D’Angelo – Eu sempre gostei de quadrinhos, cresci lendo a “Turma da Mônica”, as tirinhas da Folha de S. Paulo, da Laerte, e eu queria muito trabalhar com isso, só que não sabia como. Eu achava que era impossível aqui no Brasil porque, quando eu era pequena, eu não conhecia muitas mulheres ou pessoas parecidas comigo que trabalhassem com quadrinhos. Quase todos eram sempre homens e bem mais velhos do que eu, então, era algo distante da minha realidade. Achava que isso não era para mim. 

Aí, quando fui escolher a faculdade, eu comecei a pesquisar e vi que Jornalismo seria uma boa porque tinha esse lance de contar histórias. Pensei que talvez eu pudesse misturar ilustrações também, então decidi entrar no curso. Com o tempo, percebi que não era exatamente o que eu queria fazer, comecei a ficar um pouco frustrada na faculdade, mas não quis desistir e fui atrás de um nicho. Como tinha algumas atividades dentro da área que eu gostava, decidi seguir e procurar algo que não fosse no campo da televisão, rádio, internet, essas coisas, e foi assim que encontrei o Jornalismo em quadrinhos. 

Lá na [faculdade] Cásper Líbero, tem uma biblioteca bem legal, onde pude começar a pesquisar e descobrir autores de quadrinhos jornalísticos, como Joe Sacco, Ed Spielman, Alexandre De Maio, entre outros. A partir desse momento, comecei a fazer todos os trabalhos da faculdade em quadrinhos, virei a louca dos quadrinhos, até meu TCC [“Quatro Marias – uma reportagem em quadrinhos sobre as realidades do aborto no Brasil”] foi em quadrinhos. Depois, comecei a fazer pequenos trabalhos e, aos poucos, fui me encaminhando para essa área. 

Depois da faculdade, cheguei a trabalhar com jornalismo cultural, produzindo textos mesmo, para a Revista Cult. Fiquei um tempo lá porque eu tinha medo de trabalhar só com a arte e de não conseguir viver disso. Mas depois, quando saí da revista, comecei meu próprio Instagram. Isso, inclusive, foi algo bem despretensioso, porque eu estava passando por um bloqueio criativo na época e pensei em publicar alguns estudos. Só depois, quando comecei a fazer pequenas tirinhas, as pessoas começaram a seguir bastante, o que acabou me trazendo mais trabalhos. Então, foi um caminho bem maluco, mas que me trouxe até onde eu estou agora, que é, na verdade, onde eu sempre sonhei em estar: trabalhando só com quadrinhos e ilustrações.

Algo predominante no seu trabalho são os temas sociais e políticos, como os direitos humanos e a representação de grupos minorizados, em especial das mulheres. Por que essa escolha? 

Helô D’Angelo – Acredito que os quadrinhos são uma mídia maravilhosa de democratização da informação. Eu escolho fazer quadrinhos sobre direitos humanos e minorias políticas porque eu acho que é uma forma das pessoas – que geralmente são muito mal informadas sobre essas questões – se informarem. 

Às vezes, a pessoa não consegue parar para ler um texto ou um livro gigante, assistir um documentário ou ouvir um podcast, mas um quadrinho na rede social ela consegue consumir, sabe. Às vezes, o quadrinho é só o que a pessoa precisa para se questionar sobre algo que está firmemente enraizado na cabeça dela. Por exemplo, quem pensa “ah, mulher que está com roupa curta está pedindo”, pode ver um quadrinho sobre o assunto e repensar essa opinião. 

Então, eu faço os quadrinhos por isso. No início, quando eu comecei a fazer tirinhas, eu falava muito do meu cotidiano, sobre andar na rua sozinha sendo mulher, sobre assédio, sobre machismo na minha área, e aí eu fui expandindo aos poucos. Depois, comecei a ler livros sobre luta antirracista, luta de classes, e fazer quadrinhos sobre esse temas. Foi um movimento muito natural. Como eu já usava os quadrinhos como mídia, então eu falei “é isso mesmo, perfeito”.

Tirinha para o jornal Brasil de Fato sobre Bolsonaro e seus seguidores propagando fake news. (Créditos: Helô D’Angelo/Instagram)

Hoje, é possível perceber que os grandes nomes no universo das HQs estão, cada vez mais, apostando na diversidade e na representatividade de raça, gênero e orientação sexual em suas histórias e personagens. Como você enxerga essa questão?

Helô D’Angelo – Eu acho maravilhoso. Acho que a gente tem que, cada vez mais, entender que existem pessoas das mais diversas formas. Tem todas as pessoas da sigla LGBTQIAP+, tem pessoas de todas as etnias, de todas as origens do país, do mundo, enfim. Então, isso é só um reflexo da realidade e é normal que isso esteja cada vez mais presente no mercado editorial e dentro das HQs. 

Também acho que essas pessoas, que antes estavam à margem, estão cada vez mais em posições de destaque e poder dentro desse universo. Claro que ainda tem um domínio muito grande de homens brancos, cis, héteros e mais velhos, de São Paulo e do Rio, mas, a cada dia, vejo mais editores de arte, autores publicados por grandes editoras e jurados de prêmios que não fazem parte desses grupos privilegiados. Parece que isso está se espalhando e vejo com bons olhos. Tem que ser assim mesmo. Senão a gente volta para os anos 90 quando tinha uns homens brancos que publicavam sempre as mesmas piadas sobre pinto e pum.

E agora falando um pouco sobre o seu processo criativo: como você inicia um novo projeto? De onde vêm as ideias para a construção de personagens e das histórias vividas por eles?

Helô D’Angelo – As ideias vêm muito da minha vida, das histórias que meus amigos me contam, dos conteúdos que eu leio, dos videogames que eu jogo, dos filmes que eu assisto e das pessoas que eu observo. O meu livro “Isolamento”, por exemplo, foi totalmente inspirado nos meus vizinhos do prédio da frente e do meu próprio prédio. Tudo que eu vejo fica guardado num bauzinho de referências para ser usado. A minha vida me inspira muito e, assim, vou montando uma espécie de “Frankenstein”, que é o meu trabalho, eu acho [risos].

Além disso, também sou muito movida pelas coisas que eu consumo, como as notícias, por exemplo. Então, de vez em quando, tenho que me frear um pouco, mas geralmente no dia a dia eu sento, leio o noticiário, vejo o que me toca e decido se vou fazer alguma coisa com aquela informação ou não. Antigamente, eu fazia tudo no mesmo dia, mas hoje estou deixando assentar mais. Primeiro procuro digerir aquela notícia para não ficar uma carniceria ou apenas uma crítica pela crítica, que talvez não faça tanto sentido por ser muito precipitada. Depois disso, faço alguns esboços bem rapidinho. Comprei um iPad recentemente e isso tem me ajudado bastante a fazer um trabalho mais rápido. 

Enfim, o meu processo criativo é muito maluco. Às vezes, eu já comecei um projeto e aí penso em outro. Às vezes fico com os dois, e às vezes acabo precisando parar um deles. Isso, inclusive, está acontecendo agora. Estou escrevendo um livro e já estou com a ideia de outro. Então, por causa disso, também tenho que estar sempre vendo quais são minhas prioridades. 

Quais são os materiais e as técnicas que você costuma utilizar e como funciona sua rotina de produção? Você tem algum hábito em relação a horários e locais específicos para desenvolver seu trabalho? 

Helô D’Angelo – Bom, quando começou a pandemia, que a gente começou a ficar mais em casa, eu falei: “é agora que eu vou criar a minha obra-prima”. Então, comecei a desenhar das 9h da manhã até às 11h da noite, só parando para almoçar. Como desenhar é muito prazeroso para mim, eu não descansava, só que comecei a ter muitos problemas, como insônia e complicações relacionadas ao estresse. Além disso, também tive dores no corpo porque eu não tinha uma mesa adequada. Meu olho também começou a ficar ruim porque eu passei a desenhar no digital e antes eu usava muito aquarela.

Então, por causa de todos esses problemas, precisei determinar horários para começar e terminar, além de estabelecer um tempo de descanso, para não fazer nada, ou só ler e assistir TV. Também voltei a fazer academia, caminhada, yoga, porque tudo isso interfere. A gente costuma achar que o trabalho artístico é algo separado do nosso corpo, mas não é. Se sua mente e seu físico não estiverem bem, você não tem criatividade. Por isso, também, tenho o hábito de não trabalhar nos finais de semana porque eu sei que eu preciso descansar pelo menos dois dias para estar bem e conseguir criar. 

E sobre materiais, trabalho com arte digital. É muito raro eu trabalhar com técnicas mais tradicionais porque simplesmente está muito caro, o papel está caríssimo, a mídia que eu usava antes, que é aquarela, está caríssima também. Então, acabei migrando para a plataforma digital e lá estou. Atualmente eu trabalho com o iPad, faço uso do Procreate, que é um aplicativo de desenho muito bom, mas eu também trabalho com o Photoshop, no computador mesmo.

O quanto você acha que a sua formação em Jornalismo contribui para as suas ilustrações e criações?

Helô D’Angelo – Impacta em vários sentidos. Primeiro porque eu acho que o jornalista precisa desenvolver uma escuta muito boa e, modéstia à parte, eu acho que tenho essa escuta. Consigo ter essa percepção legal do que é uma pauta, e também de ouvir e absorver histórias para transformar isso em algum produto. Seja um quadrinho maior, uma tirinha, uma ilustração, enfim. Acho que o Jornalismo me treinou nesta parte da escuta, sabe. 

Para fazer as tirinhas, muitas vezes, também tenho que saber pesquisar dados, checar informações, ir atrás de livros e autores, e isso é outra coisa que o Jornalismo me ajudou. Sem isso, acho que eu não saberia fazer, ou não faria da maneira certa, porque a gente aprende a checar a fonte e isso é muito importante para passar a informação correta. Eu vejo que tem muitos quadrinistas que fazem um trabalho parecido com o meu, mas que não checam a informação. E aí fica foda né, passar a informação sem ter menor certeza daquilo, não dá, e quando se tem muitos seguidores é preciso ter essa responsabilidade, esse cuidado, enfim. 

Acredito que a minha formação também me ajudou com o design, de certa forma, e também com contatos, porque todos os meus amigos hoje são formados em Jornalismo, trabalham na área e me auxiliam quando eu preciso de alguma fonte para os meus quadrinhos, para vender pauta a veículos ou até mesmo para falar de eventos que são importantes para o meu trabalho. Acho que, no fim, o Jornalismo foi um caminho que, quando eu estava nele, parecia que estava totalmente errado, que eu tinha perdido tempo, mas hoje eu olho e penso: “nossa, como isso me ajudou”.

Aprofundando agora nas suas obras, temos a HQ “Isolamento”, que retrata histórias inspiradas nas observações que você fez dos seus vizinhos ao longo da pandemia, e também a “Dora e a Gata”, que narra a vida de uma jovem que adota uma gatinha e juntas elas vão descobrindo a vida adulta. Como nasceram essas ideias e como foi o processo de produção desses projetos?

As Meritogatinhas são personagens de uma série de tirinhas independentes que falam sobre meritocracia em um mundo de desigualdade. (Créditos: Helô D’Angelo/Instagram)

Helô D’Angelo – “Isolamento” surgiu, na verdade, sem querer. Eu não tinha pensado em publicar um livro, apenas comecei a fazer as tirinhas, de maneira totalmente despretensiosa, porque eu estava muito injuriada com o barulho do apartamento que eu tinha acabado de mudar. Era no primeiro andar, bem próximo do chão, a janela dava para um monte de casinhas, só que essa configuração criava uma acústica bizarra e todo o barulho da rua ia direto para o meu quarto. 

Nessa época, eu ainda tinha uma vizinha que dava festas, ficava até altas horas falando altíssimo, era insuportável, e eu sou muito sensível ao barulho. Contudo, ao mesmo tempo, nessa vizinhança também tinha coisas muito interessantes acontecendo, como pessoas aprendendo a tocar instrumentos, cachorros latindo, uma moça que cantava na janela de vez em quando no prédio da frente, crianças que, até então, não tinham muito contato com os pais e começaram a ter… Uma vida, sabe, no meio dessa pandemia, dessa morte. 

Eu comecei a fazer algumas tirinhas meio que representando alguns estereótipos que eu observava nessa vida toda. Nisso, as pessoas na internet viram, se identificaram muito, pediram pela próxima e eu fiz outra sobre o panelaço. Como as pessoas amaram também, resolvi continuar. Fiz mais umas 20 tirinhas e falei: “tá bom, é isso, espero que tenham gostado”. E as pessoas: “o quê? Não! Não pode ter terminado assim”, e eu disse: “tá, vou fazer uma segunda temporada, mas também vou fazer um livro”. E fiz. 

Durante o processo dessas tirinhas, que depois viraram um livro, procurei não me cobrar. Só queria fazer, terminar e ver que eu era capaz de criar algo mesmo em uma situação horrorosa. Aí montei um grid, que era a fachada do prédio e só ia mudando as pessoas, às vezes mudava um pouco a cor, a iluminação e tal. Então foi bem legal, eu gostei muito de fazer esse trabalho e foi super bem recebido.

Já a “Dora e a Gata” foi bem diferente. Foi meu primeiro livro em quadrinhos impresso e, na verdade, eu queria provar para mim mesma que eu era capaz de fazer um projeto como esse. Aí, já foi outra coisa: escrevi um roteiro, criei as personagens, fiz o modelo das personagens e foi tudo em aquarela, na mão mesmo. Comecei a pensar nessa história em um curso que fiz de quadrinhos, numa escola que se chama Quanta. O trabalho final era entregar um projeto de quadrinhos e aí eu entreguei esse. 

Primeiro comecei pensando no final, que era uma premissa tipo: “e se ao morrer a gente renasce como nossos bichinhos e somos obrigados a ver toda a nossa vida sem poder intervir?”. A partir disso, construí “Dora e a Gata”. É uma história bem mais simples, tem vários furos de roteiro, mas eu tenho muito orgulho dessa HQ, porque eu terminei, ela tem um público, as pessoas gostam muito e foi um sucesso no Catarse, plataforma de financiamento coletivo, que com certeza também alavancou “Isolamento”. 

Como você observa o mercado brasileiro de ilustração e HQs hoje?

Helô D’Angelo – É um mercado estranho. Ao mesmo tempo que eu acho que está em expansão – porque cada vez mais as empresas querem coisas diferentes para postar, e para cobrir o buraco que se abriu devido ao rápido crescimento das redes sociais -, também tem a questão da desvalorização do profissional, do ilustrador, do artista de quadrinhos. 

Tem empresas que querem muitas coisas por um valor muito baixo, outras pedem tudo para ontem e pagam só depois de 90 dias. Então, tem muito trabalho, mas eu acho que o maior desafio para o profissional é encontrar uma força e uma autoestima para falar que não dá para fazer um trabalho tão grande, em tão pouco tempo, por tão pouco dinheiro. É preciso saber se valorizar.

Claro que isso também tem a ver com privilégio, porque às vezes você não pode negar um trabalho. Você precisa do dinheiro, ainda mais no Brasil de Bolsonaro. Tem tudo isso, mas tem também áreas muito legais que estão aumentando cada vez mais, tem cursos também. Recentemente eu fiz uma tirinhas do Batman para HBO Max para divulgar o lançamento do filme na plataforma deles, fiz umas tirinhas para a Avon para falar de consentimento, enfim, tem várias coisas diferentes que você pode trabalhar, mas é um mercado bem maluco, que você tem que estar sempre em evidência para chamar pessoas que vão te contratar.

E para você, como é trabalhar em uma indústria que, infelizmente, ainda é muito dominada por homens? 

Helô D’Angelo – Essa questão do machismo é uma bosta mesmo, é bem ruim, mas isso é uma coisa que não é específica do mercado de quadrinhos, é do mundo, é do nosso sistema, que é patriarcal. Então, qualquer área, infelizmente, ainda é dominada por homens. Contudo, é importante dizer que sou muito privilegiada mesmo pertencendo ao grupo de mulheres, que é um grupo oprimido. Tipo, eu sou uma mulher branca, moro em São Paulo, em um bairro de classe média e tudo isso me ajuda bastante. Então eu vejo que, na verdade, não é só machismo, tem também a questão de raça, de classe e de localização geográfica, sabe. 

Hoje em dia, por exemplo, eu sou convidada para muitos eventos, mas eu tenho amigos incríveis, que moram fora desse ciclo São Paulo, Rio e Brasília, que não são chamados, assim como alguns quadrinistas negros e periféricos. Então, considero um pouco reducionista falar: “porque sou mulher, sofro preconceito”. Claro que isso existe, mas eu acho que tem outras coisas que influenciam mais, por exemplo: se você é uma mulher negra, que mora em Fortaleza, os caras aqui de São Paulo acham que você é um nada, é horrível, uma exclusão generalizada. Então, eu vejo que estar em São Paulo, sendo uma mulher branca, bissexual – que quando não estou em um relacionamento homoafetivo, posso facilmente ser vista como hétero – são privilégios. 

Agora, lógico que existe uma dominância muito forte desses homens brancos, cis, héteros e mais velhos, de São Paulo e do Rio, nesses meios, como em premiações e organização de eventos. Isso acaba transparecendo, principalmente quando vemos o número de mulheres indicadas a prêmios. Mas acho que isso está mudando. Eu vejo que tem rolado uma luta grande dessas minorias políticas para mudar isso. 

Claro que às vezes também tem retrocessos, por exemplo: há alguns anos teve uma grande exposição que falava que ia ser “um resumo dos quadrinhos no Brasil”, mas tinha pouquíssimas quadrinistas mulheres brasileiras. Poxa, a gente existe né, estamos aqui. Então, o mercado ainda é dominado, sim, por esses caras, mas eu acho que a tendência é melhorar. Boto fé nisso.

Machismo e empoderamento feminino são temas comuns trabalhados por Helô D’Angelo em seus quadrinhos. (Créditos: Helô D’Angelo/Instagram)

Quem são as quadrinistas que mais te inspiram? 

Helô D’Angelo – Tem muitas. Tem a Laerte, que é a minha primeira e grande inspiração, tenho até um quadro dela no meu quarto. Acho ela maravilhosa, genial, considero um privilégio poder viver no mesmo tempo que ela, e às vezes conversar com ela, é incrível. Mas tem muitas outras também: tem a Luiza de Souza, que fez o Arlindo, acho ela uma das maiores quadrinistas do Brasil, da minha geração, ela é sensacional. Do Brasil também tem a Lovelove6, que tem um traço incrível, uma forma de contar histórias, que é absurdamente foda. Também tem a Lila Cruz, que atualmente é diretora de arte da JBC, mas também é quadrinista, faz um trabalho incrível, ela fala muito sobre saúde mental e faz quadrinhos mais autobiográficos. Tem a Gabriela Güllich também, que é uma quadrinista e jornalista fantástica, muito talentosa. Tem a Carol Ito, que também é quadrinista e jornalista, e fez HQs incríveis sobre mulheres da Cracolândia. 

Aí de fora do Brasil tem várias, mas vou citar só duas: a Alison Bechdel, que eu queria ser ela, porque acho ela fantástica, e a Marjane Satrapi, autora de Persépolis e Bordados, quadrinhos muito bons. Pensei nessas, mas poderia citar muitas outras. É um mundo de referências.

Quais dicas você daria principalmente para as mulheres que desejam começar a ilustrar ou fazer quadrinhos? 

Helô D’Angelo – A maior dica é: começa, faz. Você não precisa de um iPad, de uma mesa digitalizadora, nada disso. Pô, pega um lápis, um papel e desenha a sua verdade, escreve, cria e compartilha nas redes sociais como você conseguir. Faz um post no Instagram ou, se preferir, faz uns vídeos no TikTok, stories, sei lá, mas faz e joga para o mundo. E não importa se você acha que está horrível, sabe. Faz e vai melhorando aos poucos. 

Também não se importe tanto com os haters, porque eles sempre vão existir. Mesmo se você tiver o melhor desenho do mundo vai vir gente idiota para te xingar. E lembra que essas pessoas, na verdade, não fazem nada, porque se elas perdem tanto tempo te xingando é porque elas não tem nada para fazer. Então, é isso. Dá a cara a tapa, vai fundo, começa e não tenha medo de fazer uma coisa feia ou algo ruim, porque ruim é não fazer, então faça, e vai dar tudo certo.

Uma consequência de se ter um trabalho com tanto alcance nas redes sociais como você tem são os comentários maldosos e ofensivos, e até mesmo ameaças, que podem começar a surgir. No seu caso, que trabalha com temas polêmicos, situações como essas costumam acontecer? Se sim, como você lida com isso?

Helô D’Angelo – Essas situações de xingamento e ameaças costumam acontecer sim, principalmente quando eu falo sobre temas mais cabeludos, tipo aborto e descriminalização das drogas. Quando tem assuntos polêmicos, as pessoas vêm com tudo. Eu já recebi ameaças de morte, já recebi xingamento, amigas minhas já receberam também, por minha causa, então é pesado, às vezes. 

Teve uma época que eu cheguei a fechar a minha DM no Instagram porque eu não estava conseguindo lidar. Durante a pandemia aumentou e eu não sei se as pessoas estavam sem ter o que fazer, não sei o que foi, mas estava acontecendo muito. Nessa época, eu cheguei a receber coisas muito pessoais das pessoas porque eu acho que elas estavam se sentindo sozinhas, isoladas. Teve uma vez que recebi uma carta de suicídio, que depois vi que, graças a Deus, não tinha acontecido nada, foi só um impulso, mas foi horrível, não sabia o que fazer. Sobre aborto, também costumo receber muitos pedidos de ajuda.

Então, além dos xingamentos, é um peso que vem para mim, sabe. Mas, atualmente, se eu vejo que a pessoa está me xingando muito, eu já bloqueio direto ou então falo para ela “continua xingando aí, fala mais pra me dar engajamento”, e a pessoa fica P da vida [risos].

Agora, para finalizar, conte um pouco sobre os seus planos futuros. Existem projetos novos a caminho?

Helô D’Angelo – Sim, existem vários projetos. Eu não posso falar ainda quais são, mas posso falar por cima. Eu vou participar de duas coletâneas de quadrinhos, uma sobre futuro e a outra com o tema autobiográfico. Estou muito ansiosa porque acho que elas vão ser lançadas na FIQ, que é uma feira de quadrinhos bem importante, que finalmente vai acontecer de novo. 

Além desse projeto de ir para a FIQ, vou participar também da PerifaCon, que é uma feira de quadrinhos bem bacana, voltada para as populações periféricas de São Paulo, então vai ser bem legal, e também estarei na Comic Con, se tudo der certo. 

Também estou trabalhando em um livro novo, mas esse não vou lançar com Catarse, vou lançar com uma editora. Então, estou muito feliz, porque vai ser outro rolê. E hoje também estou trabalhando em umas tirinhas sobre defesa pessoal, que eu vou transformar em um zine, um livrinho mais barato, que vou lançar com uma micro editora.

*Amanda Bier é estudante de Jornalismo da Unisinos. Essa entrevista é uma parceria do Nonada com a Beta Redação, portal experimental do curso de Jornalismo da Unisinos, e foi realizada sob supervisão dos professores Débora Lapa Gadret e Felipe Boff.

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