Joana Lira/MinC

Observatórios culturais resistem à queda de recursos e ajudam a suprir apagão de dados

Trabalhadores da cultura, parlamentares, gestores públicos e mesmo Jair Bolsonaro (PL), que costuma adotar uma política de ataque aos artistas, reconhecem que a Lei Aldir Blanc representou um marco para o setor. Mas como medir esse impacto na vida dos artistas? O Observatório de Economia Criativa da Bahia está em busca dessas respostas. 

Iniciativa de três universidades públicas da Bahia (UFRB, UFBA e UNEB), a organização atua realizando pesquisas no âmbito das políticas culturais com viés local e também nacional. As consequências da pandemia de covid-19 na economia da cultura e um mapeamento do audiovisual baiano são algumas das pesquisas já concluídas.

O OBEC-BA é um dos poucos observatórios que resistem à queda de recursos para a cultura nos últimos anos. A organização nasceu em 2014, fruto de um programa do extinto Ministério da Cultura. Na época, o governo propôs a criação do Observatório Brasileiro de Economia Criativa, formado por uma rede de núcleos específicos com foco em estudos sobre a área, todos ligados a universidades federais.

A ideia do governo era ambiciosa: “implantar observatórios em todos os estados brasileiros até 2014”, por meio de mecanismos de repasse de recursos. Na prática, como mostra esse levantamento da Ufrgs, até 2016 seis localidades conseguiram implantar seus observatórios: Bahia, Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. 

Desde então, apenas os observatórios da Bahia e do Rio Grande do Sul continuam ativos. Mas organizações ligadas a outras universidades e iniciativas públicas e privadas também têm perdurado, contribuindo com a produção de conhecimento na área. É o caso do Observatório da Diversidade Cultural (ODC), grupo de pesquisa criado em 2010 em Minas Gerais que reúne pesquisadores de diversos estados. 

Fundador do ODC, o doutor em Comunicação pela UFRJ José Marcio Barros conta que o observatório busca financiamento em editais de instituições que fomentem a pesquisa, como a Capes e a CNPq. O ODC também atua realizando oficinas e processos de capacitação e formação sobre o setor cultural. “Quando não conseguimos recursos, buscamos manter um mínimo de nossas atividades, por considerar que nossa missão é também a de empoderar gestores, arte educadores e agentes culturais para a defesa dos direitos culturais e da diversidade cultural”, diz.

Na última década, o ODC realizou estudos, publicações e programas sobre diversidade cultural e desenvolvimento sustentável, planos municipais de cultura, arte e decolonialidade, entre outros temas. Também recebeu reconhecimento da Unesco pela sua atuação. 

O pesquisador destaca o papel que os observatórios têm desempenhado ao suprir lacunas que o poder público não cumpre no que se refere ao mapeamento dos indicadores do setor cultural. “É preciso dizer que não temos um sistema de informações e indicadores culturais. O SNIIC, elemento estratégico do Sistema Nacional de Cultura, nunca se efetivou como política pública, por uma série de razões”, avalia.  Desde 2016, o site do SNIIC – Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais não registra novas publicações.

O doutorando em Antropologia Rodrigo Carlos da Rocha, do Observatório Cariri de Políticas e Práticas Culturais, acredita que é preciso uma sistematização e uma integração maior dos dados gerados pelos observatórios. Ou seja, existem pesquisadores trabalhando para gerar dados sobre os mais diversos setores da economia da cultura, mas não há integração entre essas descobertas, que poderiam ajudar, por exemplo, na construção de medidas para a cultura.

“Existe um montante razoável de dados produzidos por vários tipos de organizações e coletivos, dentro e fora da estrutura estatal, mas insuficientes e, muitas vezes, precários. Precisamos de mais e melhores dados, sem dúvida. Por outro lado, falta consolidação e sistematização dos dados disponíveis, o que me parece o problema principal”, observa.

Criado em 2017 no Cariri cearense, o núcleo tem atualmente quatro linhas de estudo capitaneadas por cinco pesquisadores e dez bolsistas de graduação, produzindo conhecimento sobre setor culturais a partir do viés local. Segundo Rodrigo, o apoio da Universidade Federal do Cariri e da Pró-Reitoria de Cultura tem sido essencial para o Observatório, além da dedicação dos integrantes. “Eu diria que nossa permanência se deve à grande vontade que docentes, técnicos e estudantes têm de fazer o observatório acontecer, a despeito das dificuldades, orçamentárias e de outras naturezas”.

Editais de financiamento à cultura e a ciência são algumas das ferramentas que esses observatórios encontram para continuar produzindo. Mas a avaliação é de que os recursos são insuficientes para fomentar uma política sólida de produção. O professor José Marcio lamenta o cenário. “Como vivemos tempos sombrios e de desmonte de políticas públicas para a educação, a cultura e a ciência, os efeitos começam a resultar no desmonte de estruturas e atividades. A não efetivação do SNIIC e a diminuição ou desativação de outros observatórios já  prejudica e muito o planejamento e execução das políticas culturais”, diz. 

Para Rodrigo, “os observatórios são faróis que clamam por atenção na penumbra pouco iluminada da cultura nacional. Sua contribuição é salutar, mas ainda há muito a avançar, pois a necessidade e o potencial são enormes”.

Como construir indicadores culturais?

Um dos mais antigos Observatórios do setor cultural ainda em atividade é o Observatório Itaú Cultural, que atua realizando cursos, formações e produzindo publicações com temas diversos, incluindo arte e saúde mental, identidades culturais e tecnologia, refletindo também de forma integrada a partir da América Latina. 

A revista mais recente publicada pela instituição traz como foco reflexões sobre a construção de indicadores culturais aplicados em respectivos contextos, públicos e territórios. “Qual é o valor da cultura? Além das convencionais, quais medidas podemos utilizar para expressar o valor das artes e da cultura que sejam capazes também de evidenciar o impacto dessas sobre o desenvolvimento social?”, questiona um dos artigos. A publicação está disponível online.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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