A sensibilidade e o talento da cantora Jordana Henriques

Denilson Flores*

Com a voz baixa e uma timidez que não se enxerga nos palcos, Jordana Henriques conversa sobre sua carreira, influências, composições e sonhos em relação à música. Nascida em Caçapava do Sul, no Rio Grande do Sul, iniciou sua trajetória participando de festivais tradicionalistas na região. A cantora floresceu quando uma professora percebeu seu talento. Aos 13 anos, fez aulas de violão e aos 14 já estava tocando em barzinhos na noite.

Jordana encanta o público com a interpretação de clássicos da MPB e com composições próprias. Com 17 anos, mudou-se para Santa Maria onde fez dois anos de licenciatura em Teatro, na UFSM. Lá, através do coletivo “Entre Autores”, conheceu e passou a integrar a banda Pegada Torta. 

Em 2018, a compositora lançou seu primeiro álbum, “Aquário”, com cinco faixas autorais. E em 2022, durante a pandemia, lançou “Transparência”, com oito músicas, entre elas “Minha Paz” e “Gota”, através de um gesto de carinho da gravadora, pois nada cobrou para a realização da obra. Aos 27 anos, a artista já lançou dois EP’s.

A cantora é educadora social na Associação Famílias em Solidariedade “AFASO”, no bairro Bom Jesus, Porto Alegre. E através da música busca mostrar uma visão diferente para as crianças da comunidade. Confira a entrevista:

Como a música entrou na sua vida? 

Jordana HenriquesA música entrou na minha vida através de uma professora de Artes do ensino fundamental, lá na minha cidade natal. Foi quem me descobriu. Ela me inscreveu naqueles shows de calouros. Então, não parei mais. Com oito anos de idade, comecei a cantar e tirei o terceiro lugar em um festival cantando uma música gaúcha. Com 13 anos de idade, já estava fazendo aulas de violão e, com 14 anos, comecei a fazer barzinho. A partir daí, não parei mais. 

Nesses quase 20 anos de carreira, o que você gosta de ouvir? Quais são as suas influências? 

Jordana Henriques – Gosto bastante de música brasileira. Comecei aprendendo música gaúcha, mas gosto bastante de MPB, dos artistas Gilberto Gil, Tim Maia, Ellen Oléria, Seu Jorge, Ed Motta. Gosto da Black Music brasileira. Tenho bastante influência do jazz e do blues. A música preta é a minha influência. 

Nonada – Em 2018, você lançou o EP Aquário. Fala o que representa esse álbum.

Jordana Henriques – Foi o pontapé para começar a escrever, colocar o meu sentimento no papel. Nada melhor do que a gente ter as nossas canções para nos traduzir para quem está nos ouvindo. “Aquário” foi o meu primeiro EP, com cinco faixas. Gravei na época que morei em Santa Maria. Fiquei seis anos por lá e depois vim para Porto Alegre e finalizei ele aqui. Foi o meu primeiro disco com banda completa e todas as músicas são de minha autoria. São elas: “Aquário” que dá título ao disco, “Querendo te Ver”, “Fora do Eixo”, “Vou por Aí” e “Fim de Tarde”. 

 A cantora participou da Noite dos Museus de 2022 em apresentação realizada na CCMQ (Denilson Flores/Beta Redação)

Dois anos depois de lançar o primeiro EP, em 2020, você lançou o álbum “Transparência”. Como foi realizar esse trabalho em meio a pandemia? 

Jordana Henriques – Achei que não daria certo, mas o pessoal da equipe do estúdio Pedra Redonda, aqui em Porto Alegre, me incentivou a gravar esse disco com as minhas novas canções, que havia feito apenas de voz e violão. É um disco bem intimista, mas que representa exatamente o que faço há 13 anos na vida, que é fazer voz e violão em barzinho. Som acústico que é tu e tu mesma ali, interpretando. O disco ficou a minha cara, mostrou mais um pouquinho para o público quem eu sou. É um disco que fiz com inspiração na obra do Gilberto Gil, “Luminoso”, que é um álbum que ele fez de voz e violão. Então, fiz o “Transparência” para louvar esse ser maravilhoso, que amo, chamado Gilberto Gil.

Como foi o seu processo na pandemia? Você deixou de tocar? Como viveu esse momento, além da produção do disco? 

Jordana Henriques – O disco foi gravado no estúdio da Pedra Redonda com todos os cuidados, com poucas pessoas compondo a equipe. Inclusive, esse álbum, o “Transparência”, foi um presente da Pedra para mim, não teve nenhum custo. E na pandemia, fiz alguns shows online, as famosas lives e dei algumas aulas particulares de canto e violão. Foi assim que consegui me manter durante esse período. Tive que usar a cabeça como se diz, para me virar.

No álbum “Transparência”, há as canções “Minha Paz” e “Gota”. Em que momentos elas surgiram? 

Jordana Henriques – A música “Minha Paz”, eu fiz sobre um antigo relacionamento, para um antigo amor, um ex-amor. Foi isso, ela é uma canção que gosto porque ficou bem moderna, bem do cotidiano, uma vibe meio rap acústico na real.  

Já “Gota”, eu não sei exatamente quando ela surgiu, mas lembro que eu não estava tão feliz quando compus. Ela é um blues, amo esse gênero, assim como jazz. Ela fala dessa coisa do sofrimento. 

Resolvi fazer esse blues porque, quando morei em Santa Maria, participei da banda Pegada Torta. Nós tínhamos uma composição em conjunto, que era o “Bluzão de Inverno”, um blues que fizemos no inverno. Essa música era sucesso na época. A banda era tipo Menudos, Restart, todo mundo ficou fã e onde tínhamos show, a galera da universidade comparecia. 

Então, disse: “Por que não fazer um blues agora?”. 

Gota” tem um clipe no YouTube, é importante ressaltar. É um vídeo produzido por mim e pelo produtor Luís Ferreira. É um clipe em que usei um pouco das minhas “artimanhas” do teatro que também fiz na época que morei em Santa Maria, lá fiz dois anos de licenciatura em Teatro.

Nesses anos de trabalho, já sofreu algum tipo de preconceito por cantar na noite, ser mulher preta e homossexual? 

Jordana Henriques – Não era para ser normal, mas isso já ocorreu muitas vezes. Até me acho bem “privilegiada” por ser uma mulher negra e homossexual. Como diz a sociedade, tenho um estilo mais “masculino”. Acho que por esse motivo consigo me inserir nesse meio do barzinho e da música que ainda é um ambiente muito masculinizado. Quase não se vê mulheres fazendo esses shows.

Quanto à racismo, o pessoal às vezes acredita que por ser uma mulher negra tem que pagar menos ou pode falar de qualquer jeito contigo. Então, tem muita gente por aí que é grosseira, impaciente, que com um homem não falaria dessa maneira ou trataria com desprezo.  

São situações que acontecem, mas sempre dei a volta por cima em relação a esse tipo de comportamento. Como digo: a minha arte é que dá a resposta para esse tipo de atitude das pessoas.

Você é educadora social na AFASO. Qual é a sua função na instituição? 

Jordana Henriques – Dou aulas todas as quintas-feiras para crianças de seis a 13 anos. Ensino uma forma diferente, um novo olhar sobre a música que eles já conhecem. Os alunos têm por referência o funk, o rap. Sem sair do que eles gostam de ouvir, também apresento outros estilos musicais.  

Trabalho o conceito de música. Mostro os instrumentos musicais, mas fazendo com que eles vejam que também podem fazer música não só com esses aparelhos, mas com o corpo. A música está em todos os lugares e a voz é um instrumento, inclusive. A gente vai trabalhando isso e fazendo com que os pequenos percebam que o mundo é muito maior do que o lugar onde eles moram. 

Em relação a música, quais são os seus sonhos? 

Jordana Henriques – O meu sonho sempre foi o reconhecimento e o respeito em relação à música. Não digo fama, nem dinheiro porque isso é consequência. Acho que as pessoas precisam estar no lugar certo. Tem que estar com a cabeça no lugar para um possível reconhecimento em massa que é a tal da fama e do sucesso. Mas para mim o mais importante é ser ouvida. Se as pessoas me ouvirem com atenção, isso me deixa muito feliz. Nos bares, às vezes, as pessoas não têm muito interesse. O que busco com a música, o meu sonho, é a valorização do meu trabalho. 

*Estudante de Jornalismo da Unisinos. Essa entrevista é uma parceria do Nonada com a Beta Redação, portal experimental do curso de Jornalismo da Unisinos, e foi realizada sob supervisão dos professores Débora Lapa Gadret e Felipe Boff.

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Editoria de cultura da Beta Redação - Agência de jornalismo experimental da Unisinos