Foto: Arquivo pessoal/ Mateus Dreyer

Savannah Sigma: personificação da cultura pop através da arte drag

Matheus Ramos*

Em 1990, era lançado “Paris is Burning”, documentário que aborda um símbolo emblemático para o universo LGBTQIA+. A produção, com direção de Jennie Livingston, trouxe um registro dos bailes que ocorriam em áreas menos favorecidas da Nova York da década de 1980, documentando competições em que homossexuais, especialmente pretos e latinos, concebiam desfiles com caracterizações diversas. Entre as categorias que figuravam as disputas, eram incorporados diversos arquétipos da civilização (“aluno”, “empresário”, “modelo”, “professor universitário”, “dona de casa”…).

A representação dessas figuras demonstrava não apenas o senso de humor apurado e o alto nível de inventividade de quem protagonizava, mas também a abrangência considerável da ótica discriminatória pela qual eram encarados. Em um período fortemente preconceituoso, a interpretação se mostrava o único jeito de alcançar essas funções. Os competidores desses ballrooms eram atribuídos às houses, que se tratavam de residências comandadas por mulheres trans e/ou drag queens. Elas concediam lar para jovens que eram mandados embora das próprias casas em decorrência da orientação sexual.

Savannah Sigma aparece em um cenário no qual as drag queens obtiveram notoriedade na sociedade, em razão da trilha ter sido pavimentada por outras artistas emblemáticas. Mateus Dreyer, 32 anos, de Porto Alegre, sempre foi apaixonado por cultura pop, o que reflete nos seus looks extraordinários. 

“Estamos, cada vez mais, elegendo políticos engajados com a causa [LGBTQIA+]. Mas ainda falta o essencial, que é uma política pública de afirmação que assegure direitos, que nos insira na sociedade e que nos tire do lugar de não pertencente”, diz o artista.

Confira a entrevista:

A arte drag é para o movimento LGBTQIA+ uma forma de resistência e de expressão política. Como foi a sua aproximação com essa expressão cultural e como surgiu a Savannah?

Savannah — A minha aproximação foi através do programa RuPaul’s Drag Race em 2013, tanto como conhecimento aprofundado da arte drag, como vontade de fazer parte desse movimento. No começo de 2016 tive coragem de apresentar Savannah ao mundo.

Quais referências você atribui à sua drag?

Savannah — Minhas maiores referências são as estéticas dos anos 90 e 2000. Tendo como partida moda, filmes, subcelebridades da época, passando pelas supermodelos e cantoras, revistas e a cultura pop em geral. Eu amo filmes de terror, são meus favoritos. Sempre que posso, faço performances nessa atmosfera. Me inspiro muito nos desfiles e modelos da marca Mugler dos anos 90. Gosto de fazer minhas próprias versões de personagens já conhecidos, como é o caso da Cruella Devil e da Poison Ivy. Savannah sempre vai estar esguia, com o queixo erguido e no foco da luz. 

O que você busca transmitir ao público?

Savannah — Meu maior objetivo é transmitir ao público entretenimento e arte. Um escapismo da vida real através da arte drag. Procuro criar uma atmosfera para as minhas performances. Quase que uma cena mesmo, como se o público fosse presenciar uma parte musical de um filme. As minhas fotos e vídeos nas redes sociais também possuem essa pretensão. Tudo é bem pensado para transmitir algo, nem que seja apenas beleza.

Qual a relevância de lugares de apresentações drag na capital do Rio Grande do Sul, como a Workroom?

Savannah — São espaços essenciais para a divulgação da arte drag. Sem eles, essa arte seria apenas on-line e não transmitiria seu potencial artístico. Particularmente, a Workroom me proporciona uma troca muito legal com o público. Por ser um bar, eu posso conversar com as pessoas e trocar energia durante um show. Eu amo criar performances que eu vou pra galera, tento fazer todos se desconectarem e prestarem atenção ali naquilo que estou tentando passar.

Qual é a sua análise a respeito da representação LGBTQIA+ no âmbito político? No que se precisa avançar mais?

Savannah — Nos últimos anos, houve muitos avanços e conquistas, apesar do atual governo, que necessitam ser reconhecidos. Estamos, cada vez mais, elegendo políticos engajados com a causa. Mas ainda falta o essencial, que é uma política pública de afirmação que assegure direitos, que nos insira na sociedade e que nos tire do lugar de não pertencente.

No documentário “Paris is Burning”, as drags aparecem como figuras acolhedoras de jovens que foram largados pelos pais nas ruas, por conta da questão da sexualidade. Gostaria que você falasse sobre a importância das drags na comunidade LGBTQIA+.

Savannah — A meu ver, atualmente a arte drag ocupa esse espaço de entretenimento, escape e de cumprimento do seu objetivo artístico. Porém, reconheço que para pessoas da sigla T (transexuais), por exemplo, tem esse espaço de descobrimento que é muito acolhedor. Algo que eu, por ser um homem gay cis, não vivencio. 

*Estudante de Jornalismo da Unisinos. Essa entrevista é uma parceria do Nonada com a Beta Redação, portal experimental do curso de Jornalismo da Unisinos, e foi realizada sob supervisão dos professores Débora Lapa Gadret e Felipe Boff.

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Editoria de cultura da Beta Redação - Agência de jornalismo experimental da Unisinos