Foto: Gabriel Jaeger

Como uma casa bicentenária em estilo enxaimel no interior do Rio Grande do Sul virou museu comunitário

Gabriel Jaeger*

Desde criança, Angelo Reinheimer já era completamente apaixonado por lugares determinados como patrimônio histórico, achava bonito e se sentia tocado com a beleza deles. Nascido em Novo Hamburgo, esteve sempre muito próximo do Museu Comunitário Casa Schmitt-Presser.  

Com esse amor à primeira vista pelos museus e o seu pequeno acervo e coleção de fotos antigas em casa, Angelo, aos 14 anos, conheceu o artista plástico Ernesto Frederico Scheffel, que, juntamente com a professora Angela Sperb, percebeu essa paixão dele pela arte, o que o encaminhou para trabalhar dentro da fundação.

Foi arquivista dos 18 aos 21 anos, e passou a coordenar a casa graças à confiança de Scheffel. Angelo, atual curador da Casa Schmitt-Presser e da Fundação Scheffel, é restaurador técnico, formado em Restauração de Papel em uma escola técnica de Porto Alegre, chamada Instituto Arte do Livro. Sempre atuou na área administrativa do local. Teve uma passagem na Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS) e coordenou o Sistema Estadual do Artesanato nos anos 90.  

Em entrevista, Angelo conta sobre a importância dos dois museus para a cultura da cidade e como foi o processo de reconhecimento da casa como patrimônio histórico. A Fundação Scheffel é uma pinacoteca com mais de 300 obras de um mesmo artista, enquanto, ao lado, a Casa Schmitt-Presser conta a história da colonização alemã no município, já que era um local de operações comerciais e encontros sociais da época. É uma edificação quase bicentenária, construída em 1828.

A casa foi tombada pelo Iphan em 1985, que descreve a edificação como “representativa da arquitetura rural da colonização alemã, da primeira metade do século XIX, localizada no bairro de Hamburgo Velho (município de Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre). Erguida no sistema construtivo enxaimel, em que os tramos de madeira são encaixados entre si e com preenchimentos realizados em alvenaria de pedra (paredes externas) e taipa de mão (paredes internas).”

“Se não fosse o tombamento da Casa Schmitt-Presser em 1985, com certeza nós teríamos perdido o centro histórico do município, já que seriam demolidos. Ou seja, uma casa está ligada à outra, é uma rede”, avalia Angelo.

Confira a entrevista: 

Angelo Reinheimer à frente da obra “Rixa Gaúcha”, realizada em 1952 por Scheffel (Foto: Gabriel Jaeger)

Qual a função de um curador na área do patrimônio histórico?  

Angelo Reinheimer – O curador tem a função de estar sempre tentando preservar, buscando fazer acordos para tentar manter ao máximo. Preservação não é uma coisa certa, tu precisas deslumbrar, de alguma maneira, qual a utilidade desse patrimônio. Não é só porque é bonito, não é só pôr uma livraria e uma cafeteria. Não é por aí! O patrimônio pode ter qualquer uso, desde que seja um uso respeitoso, tecnicamente correto. A função de quem trabalha na cultura é um eterno desconforto para descobrir o que não funciona na cidade, o que não dá certo efetivamente. É uma busca constante para saber onde se pode acertar o que não está ok. Não está escrito que deve ser feito assim ou de outra maneira. Patrimônio histórico é uma negociação com proprietário, com administração pública, é uma queda de braço para conseguir o que é direito de todos. 

Quais os projetos de preservação dos espaços? 

Angelo Reinheimer – Como é um acervo permanente, ele precisa movimentar, trazer e renovar público, tornar mais atrativo o museu, realizando eventos de música. Então, agora no 2º semestre, nós temos a nossa temporada cultural, que são, geralmente, eventos de música erudita, que também era um pedido do Scheffel, pelo seu gosto da música clássica.  

Como é realizada a proteção dos museus Schmitt-Presser e Fundação Scheffel?  

Angelo Reinheimer – É pelo quadro de funcionários. Temos dois historiadores aqui no museu, o Bernardo Hartmann e Paulo Spolier. Tem o pessoal da manutenção, do atendimento ao público, que geralmente são estagiários do curso de Artes e História. Enfim, é uma questão de ter cuidado com a manutenção, são coisas que a gente vai aprendendo ao trabalhar no museu com o tempo. Porém, os museus carecem de equipamentos melhores, de climatização, desumidificação, já que a umidade e temperatura precisam ser constantes. E todas essas questões estamos tentando resolver através de projetos para melhorar a acessibilidade, pois o prédio não tem elevador e isso precisa ser resolvido. 

Os museus recebem alguma ajuda da prefeitura ou de outros órgãos responsáveis na preservação? 

Angelo Reinheimer – Sim. Nós temos uma subvenção municipal, que é aquela manutenção básica, folha de pagamento, encargo social, água, luz, telefone, entre outros. Já os eventos culturais e projetos acontecem através de busca de patrocínio. Os museus não cobram ingresso, e todos os eventos que são feitos aqui são com entrada franca, inclusive por pedido do Scheffel.  

Qual a importância da Casa Schmitt-Presser para a cultura de Novo Hamburgo?  

Angelo Reinheimer – Eu digo que a Casa Schmitt-Presser não é só importante para Novo Hamburgo e Rio Grande do Sul, ela é para o Brasil. Foi o primeiro bem relativo à imigração alemã tombado no país pelo IPHAN (Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional). Acredito que isso já é uma bela credencial e, provavelmente, é a casa mais antiga que temos na cidade, porque ela aparece, pela primeira vez em documentação, lá em 1831, em um contrato de compra e venda. Ela foi vendida ao João Pedro Schimitt naquele ano. Com certeza, é uma casa muito importante que será cada vez mais relevante pela sua história. E com o tombamento em 1985, ela possibilitou a demarcação de um entorno dela. Foi a primeira vitória que se teve para preservar todo o centro histórico (bairro Hamburgo Velho), que resguardou o entorno da casa e também da Fundação Scheffel. Em 2015, foi expandido para uma área maior, foi tombado pelo IPHAN o centro histórico em cima do que já existia. Se não fosse o tombamento da Casa Schmitt-Presser em 1985, com certeza nós teríamos perdido o centro histórico do município, já que seriam demolidos. Ou seja, uma casa está ligada à outra, é uma rede.  

 Como é organizada a fundação e sobre o que tratavam as obras de Scheffel tratavam? 

Angelo Reinheimer – Aqui, na Fundação Scheffel, o artista dividiu as suas obras em três períodos, já que o prédio tem três andares. Infância e adolescência no térreo, o segundo andar é sobre a década de 50 e 70, principalmente 50, em que ele passa um tempo no Rio de Janeiro para participar dos salões de Belas Artes, porque tinha o prêmio de viagem, que ele venceu em 1958. E, no terceiro andar, é o que se tem de mais recente do Scheffel, que é a década de 70 até quase os dias atuais. E 90% das obras são situações que ele vivenciou na Itália. Há obras em óleo sobre tela e madeira, aquarela, giz pastel, mosaico, escultura em gesso e bronze, desenhos de carvão sobre papel pardo, utilizando giz, caneta, lápis e, até mesmo, aquosa de café. Ele conseguiu instalar o acervo desse prédio em ordem cronológica e depois também por período da vida dele. 

Quais são as características da arquitetura enxaimel que estão presentes na Casa Schmitt-Presser?  

Angelo Reinheimer – É uma técnica construtiva, herança dos imigrantes alemães, muito difundida. O anterior ao que existe hoje e, ainda, tem muitos exemplares lá, principalmente na Alemanha. As paredes são formadas por um tramado de madeira onde as peças horizontais, verticais e inclinadas são encaixadas entre si e os vãos, posteriormente, são preenchidos com taipa, pedra, adobe e tijolo. Realmente, a Casa Schmitt-Presser faz com que Hamburgo Velho seja uma verdadeira linha do tempo na arquitetura. Tem as coisas bem primitivas, como o próprio museu, e já tem coisas modernistas ali dos anos 50 e 60. Então, é possível fazer toda a leitura do desenvolvimento econômico da cidade e arquitetônico através desses prédios de Hamburgo Velho. E a Casa Schmitt-Presser é o ponto zero, sendo o início de tudo.  

Quais os planos futuros de preservação dos dois museus? 

Angelo Reinheimer – A gente está tentando angariar recursos, nós temos um projeto de restauro feito nesse prédio aqui, que prevê acessibilidade, manutenção geral, que é um prédio que está bem conservado, mas a última restauração foi feita há quase 40 anos. Já existem desgastes, situações que precisam ser revistas e, hoje, temos novos materiais que podem ser facilitados. E, principalmente, a questão da acessibilidade e climatização. Isso está no nosso radar no momento. 

* Gabriel Jaeger é estudante de Jornalismo da Unisinos. Essa entrevista é uma parceria do Nonada com a Beta Redação, portal experimental do curso de Jornalismo da Unisinos, e foi realizada sob supervisão dos professores Débora Lapa Gadret e Felipe Boff.

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Editoria de cultura da Beta Redação - Agência de jornalismo experimental da Unisinos