Elanny Vlaxio, especial para o Nonada Jornalismo*
Aripória, mulher na língua indígena Sateré-Mawé. Foi com esse segundo nome que a rapper Cida foi batizada por seus parentes de aldeia. Nascida e criada no bairro Mutirão, considerada uma periferia da Zona Norte de Manaus, Cida luta por causas culturais e sociais, mas principalmente, pelo Hip Hop.
Pegar o microfone na mão e cantar sempre fez parte de sua vida, mas Cida não esperava que os palcos do rap iriam fazer parte da sua trajetória. Com influência do pai, que é músico instrumentalista, na adolescência, Cida só gostava dos chorinhos, e se arriscava cantando samba. Hoje, há 20 anos no cenário Hip Hop, a indígena do povo Kokama não se vê longe das rimas.
Organizadora e produtora de batalhas de rima em Manaus, Cida também divide o tempo como professora que atua na hora de pedagogia, participante de 10 coletivos com atuações artísticas, políticas e sociais. Além de atuar na frente nacional de mulheres no Hip Hop e articular na comissão estadual do cinquentenário do Hip Hop no Brasil.
Com inspiração em Dina Di, Lunna Luanna Rabetti e Sharylaine Sil, a rapper traz em suas letras a vivência amazônica e a luta e história das comunidades e municípios por onde passa. Foi a primeira mulher indígena do Amazonas a lançar um EP, que intitulou como “Originária”, homenagem ao bairro em que mora.
“Vejo essa nova geração com potência. São extremamente talentosas, corajosas e produzem trabalhos de extrema qualidade. Acho a cena do norte gigante, importante, e necessária para o Brasil. A falta de apoio é enorme e preocupante, porque o custo Amazônico é alto, tanto pra sairmos dos nossos locais, quanto para trazer artistas para se apresentarem aqui no Norte”, diz a artista em entrevista ao Nonada.
Confira a entrevista na íntegra:
Nonada Jornalismo – Como você era na adolescência, e como se enxergava no futuro?
Cida Aripória – Na adolescência, antes de conhecer o Hip Hop e as lutas sociais, eu gostava muito de participar dos grupos folclóricos (quadrilhas juninas, danças internacionais, Boi-Bumbá, cirandas). Sempre estudei em escola pública, gostava de participar de todas as datas comemorativas, e no final de semana também me dedicava a estudar.
Já na escola, notei a diferença que eu tinha em relação a outras pessoas, sobre ter acesso a questões sociais, por exemplo. Depois que conheci o Hip-Hop e me engajei, acabei ampliando a minha percepção sobre o contexto que eu estava inserida. Vi que eu era uma pessoa periférica e que a luta pela sobrevivência ia aumentar a cada momento.
Nonada Jornalismo – Como foi o processo de se descobrir indígena, é algo que você sempre soube ou foi reconhecendo ao longo do tempo?
Cidade Aripória – A cidade de Manaus é predominante indígena. Sabemos que muitas das pessoas que moram aqui não se reconhecem indígenas por falta de informação, entendimento, e pelo processo de distanciamento de suas origens.
E por isso, é muito comum pessoas irem redescobrindo sua identidade étnica/seu povo com o passar do tempo, é um processo chamado retomada. O meu processo de retomada foi a partir do momento que eu me engajei na cultura Hip Hop, e logo depois, nos movimentos sociais com discussões raciais. Foi a partir disso que busquei com a minha mãe, meus tios, com os mais velhos da família materna, e foi onde cheguei no povo ao qual pertenço, que é o povo Kokama. Confesso que isso foi um divisor de águas positivo na minha vida, passei a entender tudo.
Nonada Jornalismo – Por qual motivo escolheu o gênero rap, como descobriu que tinha talento para cantar? Como foram as primeiras experiências como rapper?
Cida Aripória – Eu cantava nos ensaios do meu pai em casa, que é músico, e logo depois conheci o Hip Hop, e tive contato com rap, foi uma mistura. O talento vai despertando, aprimorando. Para mim, escrever rap é um estado de espírito, escrevo aquilo que sinto e vejo a partir das realidades.
Minha primeira experiência cantando rap foi como backing vocal em um dos primeiros grupos de rap de Manaus, estava aprendendo. Recebi críticas boas e ruins, é importante. Já ouvi as pessoas falarem que eu não tinha talento, mas isso só me desafiou a aprimorar meu canto, minha rima, métrica e flow.
Nonada Jornalismo – Quais foram suas inspirações para produzir o seu primeiro EP e como foi a produção?
Cida Aripória – Meu EP foi lançado em novembro de 2022, no mês de aniversário do Hip Hop, e foi também quando completei 20 anos de carreira. Esse EP tem o nome de originária devido a minha ancestralidade indígena do povo Kokama, minhas inspirações são as minhas antepassadas indígenas. Existe um mix de tudo, desde a vivência periférica tradicional indígena até o street.
Nonada Jornalismo – Quais experiências mais memoráveis que você tem como rapper e quais foram as dificuldades que enfrentou?
Cida Aripória – As experiências mais memoráveis foi ter realizado, junto com outras manas de Manaus, os primeiros eventos de mulheres e para mulheres da cidade. Cantar em grandes festivais em outros estados, e representar a região norte no cinquentenário do Hip Hop no Brasil, tenho mais experiências boas do que ruins, mas as ruins têm, como ser invisibilizada por ser mulher e feminista em alguns eventos. E por questão geracional.
Acho que entre as dificuldades, a disputa é algo recorrente, o ego das pessoas no meio artístico, e a invisibilidade, muita das vezes por ser mulher, e além de tudo, uma mulher indígena.
Nonada Jornalismo – Do que você mais se orgulha na sua carreira até agora?
Cida Aripória – Quando eu vejo as conquistas que tenho através de reconhecimentos, premiações, homenagens, e ver as mais novas na cena. No tempo que comecei no Hip Hop, não tinham mulheres na cena para ajudar e acolher, e hoje, já tem, que somos nós que fazemos esse papel com as gerações mais novas.
Vejo muita diferença no cenário Hip Hop da cidade desde quando comecei até agora. A começar pelas produções musicais e o tempo das músicas, que são em frações de minutos, a música está pronta e lançada. Além dos temas sociais que estão bem mais evidentes nas rimas.
Nonada Jornalismo – Qual a importância de um artista se posicionar politicamente? Qual seu maior objetivo como artista do norte?
Cida Aripória – A importância é imensa. A arte é um meio incrível para levar informação e fazer com que essa informação circule mais rápido, para mim, a arte tem que ter posicionamento político social e engajamento. Meu maior objetivo como artista é trazer visibilidade para o norte, dizer que o norte existe e que tem mulheres fazendo Hip Hop de ótima qualidade.
Nonada Jornalismo – Como você enxerga a geração de rappers mulheres do norte e você acha que falta apoio na cena artística?
Cida Aripória – Vejo essa nova geração com potência. São extremamente talentosas, corajosas e produzem trabalhos de extrema qualidade. Acho a cena do norte gigante, importante, e necessária para o Brasil. A falta de apoio é enorme e preocupante, porque o custo Amazônico é alto, tanto pra sairmos dos nossos locais, quanto para trazer artistas para se apresentarem aqui no Norte. Em muitas situações, vemos várias promessas do poder público em fomentar a cultura Hip Hop, mas falta muita coisa a ser feita principalmente em Manaus. Nós, artistas, que custeamos nossos eventos, shows e oficinas.
Nonada Jornalismo – O que o rap representa para você e o que podemos esperar dos próximos projetos?
Cida Aripória – O rap tem um significado muito grande para mim, pois me fez ter consciência de classe. Foi por meio da vivência do rap que aprendi muita coisa, uma vez que você entra e conhece o Hip Hop, nunca mais é a mesma. Já em relação aos próximos projetos, pode esperar muita novidade, inclusive, com relação aos 50 anos do Hip Hop.
Elanny Vlaxio
Bacharela em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), já atuou como repórter e em assessoria de imprensa. Também foi voluntária e bolsista pesquisadora pela Universidade Federal do Amazonas nas áreas de Ciências Sociais Aplicadas e Semiótica. Tem interesse em pautas sociais, culturais e ambientais.