Secretário Henilton Menezes (Foto: Victor Vec/MinC)

Linhas de crédito para a cultura e mudanças na Rouanet: as propostas do MinC para o fomento cultural

Brasília – Desde 2023, o Ministério da Cultura (MinC) está retomando projetos relacionados ao fomento da cultura brasileira, deixados no passado por gestões anteriores. É o caso do financiamento reembolsável para trabalhadores da cultura, proposta criada junto da Lei Rouanet, em 91, sob o nome de Ficarte, que pretendia ser uma das pernas do “tripé de fomento” – composto por fomento direto, fomento indireto e linhas de crédito para trabalhadores. O projeto nunca chegou a operar e, segundo Henilton Menezes, Secretário de Economia Criativa e Fomento Cultural, retomar o programa é uma das propostas para os próximos anos. 

“Do mesmo jeito que você dá crédito para agricultura com juros menores, você também dá para cultura com juro menor”, explica o secretário em entrevista ao Nonada Jornalismo, durante a 4ª Conferência Nacional de Cultura. A iniciativa estará contemplada no Programa Nacional da Economia Criativa, atualmente em estado de elaboração pelo MinC, e deve ser lançada em forma de documento para orientar políticas de fomento para o setor. 

Com exclusividade ao Nonada, o Secretário adiantou que o MinC encomendou duas pesquisas para mapear o setor cultural: uma relacionada ao valor dos bens tombados como patrimônio cultural, e outra ao impacto econômico não contabilizado ainda dos projetos aprovados na Lei Rouanet. Segundo ele, o objetivo é mostrar para sociedade, através de dados e pesquisas, como o dinheiro da cultura é investido na salvaguarda de bens nacionais e também como ele retorna, gerando empregos e renda. 

O Secretário também adiantou o projeto Cariri Criativo, que será realizado como um projeto piloto nos estados da Paraíba, Pernambuco e Ceará. A intenção do MinC é seguir “nacionalizando” as políticas de fomento, e não “descentralizando”, termo utilizado anteriormente para políticas públicas realizadas fora do eixo Sul-Sudeste. “A pedido da Ministra, a gente tem chamado de “nacionalizar”, ao invés de “descentralizar”, porque ela percebeu que quando dizemos “descentralizar” estamos tirando do centro para colocar em outro lugar. E não estamos fazendo isso, pois queremos nacionalizar as oportunidades”, explica Henilton. 

Há também o objetivo de transformar a lógica do fomento indireto. “A Lei Rouanet está muito focada no produto, e isso acontece por uma questão de desenho – não que esteja errado ou certo”, explica Henilton. “Só que hoje esse produto tem que ser entendido como uma coisa muito mais ampla, pois o próprio desenvolvimento territorial de uma área específica que tem uma vocação criativa, é um produto – e pode ser encarado assim”, defende. 

O secretário avalia que este olhar focado no território também pode ser vantajoso para as empresas. “Na hora que a gente conseguir que esses empresários enxerguem uma outra lógica, de que ele pode melhorar a qualidade de vida no território onde ele está situado, é provável que ele abdique um pouco da lógica de Marketing puro. Até mesmo pela exigência que a sociedade está fazendo para essas empresas, como os ODSs”, projeta.

Henilton ocupou a função de Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura em diversas gestões do MinC, sob os ministérios de Juca Ferreira (2010), Ana de Hollanda (2011-2012) e Marta Suplicy (2012-2013). Em 2017, realizou ampla pesquisa sobre o principal mecanismo de financiamento da cultura Brasileira, a Lei Rouanet, que resultou na publicação do livro intitulado “A Lei Rouanet Muito além dos (F)Atos”, pela Editora Loyola. 

Confira a entrevista completa: 

Nonada Jornalismo – No que consiste o Plano Nacional da Economia Criativa e por que ele é importante? 

Henilton Menezes – Há mais ou menos dez anos, o MinC havia lançado, ainda no Governo Dilma, o Programa Nacional de Economia Criativa. Esse programa foi amplamente discutido, com vários atores, e tem o objetivo de arrumar as estratégias de financiamento e desenvolvimento dos setores econômicos que estão dentro dessa caixa de Economia Criativa. 

[A ideia] era apresentar para o Brasil um modelo de desenvolvimento a partir de Economia Criativa. Esse plano foi escrito, lá atrás, e foi esquecido no tempo. Mudou o governo, mudaram as prioridades, e o plano ficou congelado. Claro que nós não estamos pegando esse mesmo e trazendo de volta.  Estamos relembrando que já houve plano que não foi executado, atualizando esse plano a partir de uma escuta muito ampla nesses setores criativos que são, inclusive, diferentes de dez anos atrás. 

A importância da apresentação desse plano é ter, de fato, um norte. Para onde nós queremos ir? É necessário que a gente tenha, até mesmo, conceitualmente, ‘o que é Economia Criativa?’. Onde nós vamos trabalhar? Dentro da Economia Criativa, que envolve às vezes um leque muito maior, como ciência, software livre, nós vamos atuar, na economia criativa, no Eixo cultural – que é o que nos interessa. Mas, esse nomenclatura, por vezes fica muito confusa. Nós vamos apresentar para sociedade o que é um Plano de Economia Criativa para o setor cultural, e a partir daí, estabelecer metas de curto, médio e longo prazo, onde você vai prever a metodologia que vamos seguir para desenvolver esses territórios criativos.

Arte: Katarina Scervino/Nonada Jornalismo

Além disso, vamos apresentar as formas de financiamento. Isso vai trazer uma remodelagem da própria Lei Rouanet, pois ela precisa enxergar a dinâmica da economia criativa dentro do próprio território, e não o inverso. A Lei Rouanet está muito focada no produto, e isso acontece por uma questão de desenho – não que esteja errado ou certo. Você apresenta um projeto e precisa ter um produto de resultado – um disco, um livro, um festival, um espetáculo. Você está sempre focado no produto. Só que hoje esse produto tem que ser entendido como uma coisa muito mais ampla, pois o próprio desenvolvimento territorial de uma área específica que tem uma vocação criativa, é um produto – e pode ser encarado assim. 

Não, necessariamente, eu preciso entregar, naquele território, os artesanatos, mas tenho que encarar que o produto entregue à sociedade brasileira, a partir do incentivo fiscal que é oferecido, é o desenvolvimento territorial e a melhoria da qualidade de vida das pessoas que estão lá. A gente não vai sair totalmente da lógica do produto. A pessoa vai continuar podendo apresentar projeto e fazer seu festival, a sua ação cultural no município, mas a gente vai incluir esse território. 

Nós estamos pensando em colocar dentro do Programa Nacional de Economia Criativa um capítulo específico para financiamento, em que haverá um subcapítulo que trata do Incentivo Fiscal, hoje o maior ativo e longevo – que conseguiu atravessar vários governos de colorações políticas diferentes, e está aí. No governo passado, tentaram descredibilizar, mas não conseguiram. 

Nesse Programa, vamos trabalhar com formação. Como a gente leva formação para esses agentes culturais? Como distribuímos esses produtos? Como essas pessoas podem chegar fora do país? Vamos trabalhar com diversos territórios criativos e fazer com que aquele território, de fato, se desenvolva. É uma mudança de lógica. O Programa Nacional de Economia Criativa vai trazer tudo isso e, especificamente, metas. 

Só que a gente está ouvindo muita gente para fazer, através de uma consultoria contratada, que está nos ajudando. Estamos aqui na Conferência fazendo essa escuta, no Eixo específico de Economia Criativa. Também estamos fazendo consultas públicas para apresentar uma proposta,  que também poderá ser discutida, para finalmente aprovarmos um Programa Nacional de Economia Criativa. 

Nonada – O MinC pretende incentivar que as empresas tenham uma lógica diferente acerca dos projetos que ela se interessarão na Lei Rouanet? 

Henilton  – Provavelmente. Imagine o seguinte: se fizermos a Lei Rouanet enxergar os territórios como foco do financiamento, você pode trazer empresas que atuam naquele território onde está instalada. Se ela puder pegar o Imposto de Renda dela e investir, via Lei Rouanet, no desenvolvimento local, é provável que ela olhe esse mecanismo como estratégico, e não simplesmente como Marketing, ou Marca. 

Há sempre essa crítica sobre a Lei Rouanet, que as empresas sempre olham para a visibilidade de marca, e é fato. Óbvio que quando você tem várias opções de investimento, o empresário vai escolher o que tem maior visibilidade. Mas, na hora que a gente conseguir que esses empresários enxerguem uma outra lógica, de que ele pode melhorar a qualidade de vida no território onde ele está situado, é provável que ele abdique um pouco da lógica de Marketing puro. Até mesmo pela exigência que a sociedade está fazendo para essas empresas, como os ODSs. É possível que essas empresas enxerguem o incentivo fiscal da cultura para desenvolver territórios criativos no seu entorno. É um processo longo, pois estamos buscando parcerias dessas empresas.

O primeiro projeto que vamos desenvolver é o Cariri Criativo, porque estamos fazendo uma parceria com a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. Estamos desenhando essa parceria, porque foi o primeiro estado que nos convidou. A região do Cariri contempla três estados nordestinos: Paraíba, Pernambuco e Ceará. É um grande celeiro artístico, cultural, conhecido no país. Vamos usar esse como um projeto piloto para o desenvolvimento territorial desses lugares que estão no Brasil com vocações culturais. 

Foto: Victor Vec/MInC

Nonada – Há projetos do MinC com objetivo de mapear o mercado cultural? Acompanhamos o mapeamento do Observatório do Itaú Cultural, cuja abrangência é significativa. Porém, setores como as culturas populares ficam de fora. 

Henilton – Essa, de fato, é uma fragilidade do sistema. A gente precisa de informação. O MinC tem o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) que precisa ser remodelado e atualizado – isso está no nosso foco. Na Secretaria de Economia Criativa tem também a meta de desenvolvimento desse Sistema para que possamos recolher todas essas pesquisas que são feitas em lugares e ter, de fato, uma quantidade de informação que nos oriente nas políticas públicas.

Nós acabamos de encomendar uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) para medir o impacto da Lei Rouanet, não o que foi medido anteriormente. Na última pesquisa, a FGV disse que para cada 1 real investido na Rouanet, o retorno é 1,59. Esse é um dado importante, mas queremos ir além disso. Neste ano, a Lei Rouanet tem R$ 3 bilhões de orçamento. Quanto movimenta esses R$ 3 bilhões? São informações que a gente não captura nos projetos. Por exemplo, um proponente apresenta um projeto de Festival de Música com orçamento de R$ 1 milhão. Ele capta R$ 500 mil e faz o festival, mas por quê? Porque consegue passagem aérea de graça, com parceria de companhia, consegue hotel e restaurante para alimentar a equipe, através de parceria. Ele consegue o cartaz na gráfica parceira. Isso tudo precisa ser valorado. 

Quanto a Lei Rouanet catapulta em termos de investimento? Essa informação não chega para gente, e ela é fundamental, porque aquele dado “de 1 para 1,59” vai aumentar muito mais. Eu saio de uma medição muito micro, e vou para uma dimensão muito maior. Essas são informações primárias, que demandam saídas de campo, pois são informações que não estão visíveis. Os pesquisadores precisam ir até os proponentes. 

Outra pesquisa que pedimos para a FGV desenhar é um pouco mais difícil de entender, em um primeiro momento. Quanto custa o patrimônio cultural do Brasil? Quanto custa um Theatro Municipal do Rio de Janeiro? Que valor tem aquele patrimônio? Que valor tem o patrimônio de todos os museus brasileiros? Isso é um patrimônio nosso e só conseguimos valorar através de um levantamento. Por exemplo, quanto custa o Museu do Amanhã? Quanto custa manter ele vivo? Às vezes, a impressão que a gente tem, é que o valor é muito pequeno. O que queremos é mostrar para o Brasil que existe um patrimônio instalado no país de todos esses ativos, e que nós brasileiros – governo e sociedade – temos a responsabilidade de manter isso. Então, quanto nós estamos gastando para manter esse patrimônio. 

A gente precisa ter esse número porque ainda não temos. É um dado difícil de formatar, mas é necessário. Outros países já fizeram isso. Quando você precifica um patrimônio que você tem, fica mais fácil de você entender que o governo precisa investir um determinado valor para que esse patrimônio continue existindo. Quando você olha para o valor sozinho, aquilo não tem referência. Quando vamos conversar com o Ministério da Fazenda, precisamos provar que a gente dá resultado. Quando você vai conversar com o Ministério do Planejamento, que vai nos dar estrutura de pessoal para os nossos equipamentos e instituições, eles precisam enxergar a importância disso. Por que temos o Iphan? Quanto custa o Iphan para a preservação do patrimônio artístico nacional? Esses dados, a gente precisa ter na mão, para ter argumentos para estabelecer as políticas públicas corretas. 

Nonada – Por todo o Brasil, temos equipamentos culturais com dificuldade de manutenção. Há alguma medida ou projeto para dar esse suporte e facilitar que o artista tenha o espaço? 

Henilton – Já fizemos alguns movimentos. Ano passado, estimulamos os equipamentos culturais, e grupos do Estado, como orquestras, apresentasse para gente planos anuais ou plurianuais de financiamento, característica da Lei Rouanet. Você pode fazer um projeto de até quatro anos de manutenção dos equipamentos. Nós saímos, em 2022, de 95 planos anuais, para 441. Por que fizemos esse movimento de estimular os equipamentos a apresentarem seus planos? Sabíamos que viria o Edital da Petrobrás que vai utilizar os planos aprovados. A própria Lei Rouanet oferece essa possibilidade, e também de restauro. 

À medida que vamos desenhando os editais, trataremos essa demanda para dentro. São 3 eixos que consideram importantes: equipamentos – não só culturais, mas também museus e escolas; grupos estáveis – muitas vezes associadas aos equipamentos, como as Orquestras; eventos calendarizados – festivais de música, teatro, festas populares e literárias, porque são eventos que organizam a cadeia. Quando você faz um festival de teatro, em São Paulo, no Ceará, ou no Amapá, você está levando para um lugar só e promovendo uma rede de relacionamento importante para aquele segmento. 

Nonada – Há uma preocupação com a longevidade das políticas públicas no Brasil? Como você enxerga essa necessidade?  

Henilton – A gente precisa ter políticas consolidadas e que a sociedade cobre do próximo governante, seja quem for. [É preciso] que a própria sociedade não deixe destruir o que foi construído. Precisamos deixar um legado que o próximo não consiga destruir e que a sociedade cobre, independente de coloração política, essa continuidade das políticas. A Conferência Nacional de Cultura tem tudo a ver com esse plano. 

Entrevista coletiva

Após a conversa com o Nonada, o secretário concedeu entrevista coletiva e respondeu perguntas de outros jornalistas. Confira:

Você poderia comentar os programas recentes descentralização da Lei Rouanet, com o Rouanet Norte e o Rouanet nas Favelas? (Thayná Souza, do Rio de Janeiro)

Henilton Menezes – No Edital da Petrobras, a gente conseguiu que fosse colocado 15% em cada região [Nordeste, Norte e Centro-Oeste]. E 25% será distribuído pelo mérito do projeto. A concorrência para o Edital da Petrobras no Norte será muito menor do que a do Sudeste. As pessoas disseram que é injusto, mas isso se chama política pública. É o que queremos fazer, induzir. Estamos focando nessas três regiões porque o Decreto do Fomento, que saiu 23 de março do ano passado, estabelece essa prioridade para essas três regiões, porque durante os 32 anos de fomento eram as que recebiam menos. A pedido da Ministra, a gente tem chamado de “nacionalizar”, ao invés de “descentralizar”, porque ela percebeu que quando dizemos “descentralizar” estamos tirando do centro para colocar em outro lugar. E não estamos fazendo isso, pois queremos nacionalizar as oportunidades. 

Então, o programa Rouanet nas Favelas é um programa de nacionalização dos recursos da Lei Rouanet, pois historicamente eles estão concentrados nos estados do Centro-Sul do país, principalmente, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Estamos com movimentos para que agentes culturais de outros territórios possam acessar esses recursos de uma forma mais justa, mais democrática. Nós começamos esse programa pelas três regiões que recebem menos recursos historicamente. Isso não quer dizer que não vamos expandir o programa para outros territórios – estamos apenas cumprindo o decreto que pede uma prioridade inicial nessas ações. 

O programa Rouanet nas Favelas é uma parceria com a iniciativa privada, especificamente com a empresa Vale, que está garantindo os recursos, e trata-se de um projeto-piloto. Nós escolhemos 5 cidades nessas três regiões e vamos avaliar esse programa. A gente precise que ele dê certo e que tenhamos possibilidade de desenvolver ações de boa qualidade nesses territórios para que isso dê credibilidade e o Ministério da Cultura possa buscar novos parceiros para fazer com que o programa chegue a mais territórios brasileiros, não somente nessas regiões, mas também no Sul e Sudeste, que sabemos que precisa de uma ação descentralizadora como essa.  

Bienal das Amazônias em Belém (PA) (Foto: Thaís Seganfredo/Nonada Jornalismo)

Você falou da Lei Rouanet, mecanismo de Renúncia Fiscal. Há outras formas [ de fomento ], como Prêmios. Como o MinC tem visto esses diferentes fomentos? Quando é possível utilizar uma ou outra? E no caso dessa parceiras com grandes empresas, como Vale, como se dá a relação do MinC e do governo federal, tendo em vista a atuação dessas empresas, envolvidas em acidentes – e crimes ambientais que antecedem os acidentes? (Abílio Dantas, do Pará)

Henilton Menezes – Você tem um tripé de formas de financiamento, que deveriam trabalhar de forma articulada. O tripé está na gênese da criação em 91, e era chamado por Paulo Sérgio Rouanet de “tríptico do financiamento da cultura brasileira”. É uma arquitetura calcada em três elementos distintos que, infelizmente, não funcionaram de forma adequada e articulada. Estamos tentando resgatar a mesma ideia, porém não através da Rouanet. Você tem um financiamento chamado de Fomento Indireto: o incentivo fiscal da Rouanet e o incentivo fiscal do Audiovisual. Você tem um terceiro ator, o patrocinador, que interfere no processo, porque esse fomento indireto está baseado em uma receita original do Imposto de Renda pago pelas empresas. Quando você monta um sistema de financiamento baseado no Imposto de Renda das empresas, você tem um viés concentrador, porque onde estão as grandes empresas nacionais? No centro-sul do país. Há uma tendência. 

No livro que eu escrevi sobre isso, há uma pesquisa que mostra claramente o volume de investimento feito pelo incentivo fiscal, fomento indireto, com a população do estado, PIB daquele estado, ou volume de imposto que é recolhido naquele estado, você vê que tem uma lógica. Onde tem o PIB maior, você tem um potencial de receita maior. Os agentes culturais que estão naquele estado vão ter, como se fosse, “uma caixa de dinheiro” maior. Isso mostra que, não é a Lei Rouanet concentrada, mas a economia brasileira, e a Rouanet vai no rastro disso. 

Sabendo que isso é concentrado, pelo próprio viés do mecanismo, você precisa ter outro mecanismo que compense. Na Lei Rouanet, foi criado o Fundo Nacional de Cultura (FNC), que claramente está lá com o objetivo de equalizar a distribuição do Fundo. É o que a gente chama de Fomento Direto, onde a atuação do governo é mais incisiva. O que não pode acontecer? Que o Fomento Direto vá para as mesma cidade e ações culturais do outro. Eles precisam dialogar. O papel do FNC é complementar. 

Mas por que a compensação não estava sendo feita? Porque o FNC é muito pequeno, em relação ao que você tem de incentivo fiscal. Em 2012/2013 você tem 300 milhões de Incentivo Fiscal e de Fundo. Eles eram equilibrados. Isso foi indo, passando por todos os governos, o Incentivo Fiscal foi sumindo e o FNC minguando. Ao ponto de, em 2022, último ano do governo anterior, nós termos 2 bilhões do Incentivo Fiscal, e 90 mil do Fundo. Não é milhões, é mil. É óbvio que isso não dá certo, porque não tem como equalizar. Era irrisório. Hoje você tem uma média de 100 milhões de FNC, para 3 bi do Incentivo Fiscal. Ainda está longe. 

Estamos ajeitando através do Plano Nacional Aldir Blanc, R$ 3 bilhões de fomento direto tramitados pelo Fundo Nacional, para que ele cumpra o seu papel, fazendo a divisão federativa do dinheiro, levando para estados e municípios, por menor que sejam. Isso provavelmente ainda não vai equalizar, e por isso estamos atuando no fomento indireto.

 Quando mudamos o Decreto, em março de 2023, permitimos que o Governo atue no fomento indireto, dessa forma que você acabou de perguntar. Antes, não tinha uma autorização para o MinC fazer parcerias com as empresas , desenvolver e distribuir de forma melhor. A partir de agora, todo edital público precisa ser homologado pelo MinC. O dinheiro é público, é nosso. Óbvio, que não queremos tirar a prerrogativa do empresário de escolher os seus projetos, mas ele precisa dialogar com as nossas políticas, não dissociado.

A terceira perna [do tripé] é o financiamento reembolsável. Estamos trabalhando com os bancos para que se criem linhas de crédito para a cultura brasileira. Do mesmo jeito que você dá crédito para agricultura com juros menores, você também dá para cultura com juro menor. Essa perna do incentivo fiscal chamava-se Ficarte, [na escrita] da Lei Rouanet, porém nunca operou. A ideia lá atrás era que houvesse aquela porta, dentro da estrutura de financiamento, para o produtor ir buscar o recurso, mas pagar de volta. Era para quem queria fazer algo bacana, grande, com artistas grandes, mas não tinha capital. Do mesmo jeito, que o [empresário] quer construir uma indústria, não tem dinheiro, e vai ao BNDES pegar dinheiro emprestado. Por que para nós não pode funcionar assim? Não existe um olhar para essas atividades [culturais] como produtivas. Nesse momento, estamos desenhando um fundo garantidor para que o financiamento reembolsável exista. Isso está no escopo do Programa Nacional de Economia Criativa.  

Sobre esse ponto de como as políticas podem permanecer, como, de fato, isso pode ser colocado em prática? Seria através do Plano Nacional de Cultura (PNC)? (Abílio Dantas, do Pará)

Henilton Menezes – A consolidação do Sistema Nacional de Cultura (SNC) é fundamental para isso. Na saúde, ninguém destrói o SUS. Até tentaram, mas ele está muito consolidado. Foi, mais ou menos, o que aconteceu com a própria Lei Rouanet. Tentaram destruir, mas não conseguiram, porque é uma Lei que foi aprovada 32 anos atrás. Conseguiram deixar ela sem credibilidade mas a gente consegue depois retornar. O SNC é, de fato, o principal mecanismo para garantir políticas públicas que não naufraguem. O Plano Nacional de Cultura (PNC) é consequência dessa conferência e também é um documento importante, porque ele vira uma lei. 

É importante também que a sociedade entenda esse compromisso. Por exemplo, no Edital Rouanet Norte. Esse foi o primeiro programa piloto descentralizado. Quando você faz esse movimento, é necessário que os agentes culturais respondam à altura, para que o MinC possa fazer novas parcerias e dizer “olha, como é pulsante o movimento cultural do norte, como precisa de recursos”. Imagina, se eu lançasse o edital e não tivesse projeto suficiente. Como a gente faz para ter? Fizemos Oficinas e campanhas em todos estados para que garanta que aquela oferta que estamos levando de 24 milhões deveria ser 100 milhões. Assim, eu consigo que o programa tenha continuidade. Já está acontecendo isso com a Rouanet das Favelas. 

Nós estabelecemos uma parceria de R$ 5 milhões – que em termos de número, não é tão relevante, considerando que o orçamento da Rouanet é R$ 3 bilhões. Esse edital é emblematicamente importante, porque estamos levando para o território de favela, que estava esquecido na Lei Rouanet. Segundo, sabemos que esses territórios estão espalhados pelo país todo. Não tínhamos condição de atingir o país todo, então começamos por algum lugar. Definimos através do Decreto do Fomento, que definiu as regiões, e também através do interesse do patrocinador que pactuamos – a Vale, de atuar nesses territórios. Nós pactuamos com a Vale que, se der certo, medindo o resultado disso, o patrocínio será de R$ 10 milhões. Já existem empresas interessadas em entrar no programa. A própria sociedade vai promovendo a necessidade de ampliação desses programas. 

No Edital da Petrobrás, maior edital da história Rouanet, há um piso mínimo de 15% para cada uma das cinco regiões. Isso nunca aconteceu. Isso vai impactar muito no Norte, e vai ter uma diferença. Se juntarmos os 37 milhões deste edital, mais os 24 milhões do Rouanet Norte, estou falando de mais de 60 milhões para região Norte. 

É muito fácil você abrir um edital nacional, como muitas vezes acontece, e dizer que “era para todo mundo”, ou que “ninguém está impedindo o amapaense de concorrer”. Porém, esse discurso é falacioso, fácil de fazer. A Petrobras está atuando no país todo, porque ela pega um grande produtor cultural do Rio para fazer uma peça de teatro rodando o Brasil. É muito bom levar uma peça da Fernanda Montenegro para o Amapá, mas eu quero trazer de lá para cá. [Os artistas do Norte] não querem só receber. 

Se você abrir um edital sem cotas, sem indução de distribuição, os produtores culturais mais experientes e preparados vão capturar o dinheiro e dizer que “vão ao Norte”. Por isso, invertemos o Edital da Petrobrás. O que vai valer não é onde a ação vai ser realizada, mas é onde o proponente está, o endereço dele, o CEP dele. Não é o cara do Rio que vai fazer uma peça no Norte. Isso até vai pontuar, porque se ele circular ele terá uma pontuação maior. Mas ele não invade os 37 milhões das outras regiões. 

Outra inovação que fizemos foi que, a partir de agora, alguns tipos de projetos podem ser patrocinados por três anos. Ele ganha e fica garantido para dois anos à frente. É uma novidade que é uma demanda grande das ações que são permanentes, como Festivais. Se todo ano fosse feito, não precisaria aprovar todo ano o projeto e dizer o que fez. A gente conseguiu que a Petrobrás desse um pouco mais de espaço. Se você tem um projeto calendarizado anual, você ganha e não precisa se inscrever no próximo ano. É até mesmo uma forma mais econômica de fazer. É bom para o MinC, porque você tem um planejamento de três anos; É bom para o patrocinador, porque faz um contrato só; É bom para o proponente, porque faz um projeto só e ganha.

*A repórter viajou a Brasília a convite do Ministério da Cultura.

Compartilhe
Ler mais sobre
políticas culturais
Repórter do Nonada, é também artista visual. Tem especial interesse na escuta e escrita de processos artísticos, da cultura popular e da defesa dos diretos humanos.
Políticas culturais Reportagem

Lei Rouanet chega pouco às regiões periféricas e ainda está longe de atingir descentralização

Políticas culturais Reportagem

Da diversidade cultural aos direitos trabalhistas, Conferência elege 30 propostas para nortear novo Plano Nacional de Cultura