Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Periferia Brasileira de Letras: pesquisa mostra que 64% dos coletivos de incentivo à leitura no Brasil não são formalizados

Mais de 60% dos coletivos de incentivo à leitura no Brasil, ainda que atuem há mais de cinco anos em seus territórios, não são formalizados e não possuem CNPJ, aponta a segunda edição da Periferia Brasileira de Letras (PBL). O levantamento ouviu saraus, bibliotecas comunitárias e outras iniciativas de democratização da leitura em todas as regiões do país.

A ausência de um CNPJ pode dificultar o acesso a recursos públicos: Ainda que 60% dos coletivos acesse os recursos por meio de edital, outros 30% nunca acessaram esse dinheiro, dado expressivo visto o tempo expressivo de existência dos coletivos. Esses números ilustram o caráter orgânico dessas ações e colocam como preocupação para o estado brasileiro não fazer da formalização um empecilho para o acesso às políticas de cultura.

De acordo com 80% dos respondentes da pesquisa, o Estado deveria oferecer recursos financeiros para a realização de atividades. O fortalecimento do trabalho dos coletivos pelo Estado também poderia acontecer através de recursos remunerados para a realização das atividades (44%) e disponibilização de espaço/sede (35%). 

Esses dados se cruzam com as demandas dos coletivos. Mais da metade dos respondentes (56%) apontam que gostariam que houvesse uma redução da burocracia exigida para a formalização, assim como 54% desejam uma distribuição mais justa dos recursos da cultura e 53% esperam mais incentivos para eventos e feiras literárias na periferia. Entre as demandas urgentes para o pleno funcionamento do trabalho dos coletivos, se destacam recursos humanos remunerados (45%) e um espaço próprio (25%). Demandas como modernização do acervo e legalização para o funcionamento também foram assinaladas. 

Recursos privados também aparecem como uma alternativa, acessados por 6 a cada 10 coletivos, principalmente por meio de eventos literários (35%), doações (30%) e oficinas pagas (29%). No que tange a atividades para geração de sustentabilidade financeira, 36% dos coletivos não assinalaram nenhuma opção. Já entre os que realizam atividades para geração de renda, foram assinaladas ações como a venda de publicações próprias (35%) e arrecadação coletiva (30%). Esse dado pode revelar que 3 a cada 10 coletivos não possuem geração de renda própria. 

Principais dados da pesquisa:

.56% apontam que gostariam de uma redução da burocracia exigida para a formalização;
.54% desejam uma distribuição mais justa dos recursos da cultura;
.53% esperam mais incentivos para eventos e feiras literárias na periferia;
.45% têm como demanda urgente a remuneração dos integrantes;
.43% realizam atividades em parceria com escolas pública.

Impacto nos territórios

Dos estados, a Bahia lidera com o maior número de coletivos literários. Dentre os coletivos, estão em maior número as bibliotecas comunitárias, que fazem frente à censura e promovem  acesso democrático à literatura. “Esses espaços, muitas vezes criados e mantidos por esforços coletivos em territórios vulnerabilizados, são mais do que depósitos de livros; são pontos de encontro, resistência e transformação. Eles representam a materialização de uma luta histórica por educação e cultura, unindo pessoas em torno da demanda por livros e do desejo de compartilhar conhecimento”, diz a Coordenação da Periferia Brasileira de Letras. O incentivo à leitura é tema trabalhado por 61% desses coletivos, em uma lista em que ainda constam temáticas como cultura afrocentrada (trabalhada por 21% dos coletivos), preservação de comunidades tradicionais (10%) e LGBTQIA+ (9%). 

Entre as parcerias com outras organizações, a pesquisa mostra que 4 a cada 10 coletivos estabelecem vínculos com escolas públicas e/ou movimentos sociais. São realizadas atividades literárias, como sarau, circulação de livros e mediação de leitura, assim como não literárias, tal qual combate a desinformação (ação realizada por mais da metade dos coletivos) e preservação e conscientização ambiental. 

Coletivo A Pombagem, integrante da Periferia Brasileira de Letras

Adultos são a faixa etária principal, atendida por 52% dos coletivos, que possuem uma grande variedade na quantidade mensal aproximada de pessoas que participam das suas atividades. As lutas de cada coletivo listado na pesquisa também reflete a maior violência por eles sofrida. A cada 10 coletivos, 6 integram a luta antirracista, ao mesmo tempo que a violação por eles sofrida mais citada é a do racismo (32%) seguida da violência urbana (26%) e do desemprego (24%).

O impacto positivo oriundo de atividades executadas pelos coletivos literários teve sua aparição medida em uma frequência nos seis meses anteriores à pesquisa. Em torno de 71% dos coletivos têm seu trabalho avaliado positivamente em uma frequência média ou alta. 

Para mobilizar o público, as estratégias empenhadas pelos coletivos literários giram principalmente em torno da utilização das redes sociais. O instagram é utilizado por 90% dos coletivos para esse fim, assim como 63% mobilizam o público por meio de grupos de whatsapp e 33% pelo facebook. Em menor número, também são utilizadas estratégias como ocupação de espaços da cena cultural (20%), materiais como panfletos e lambes (17%) e anúncios em escolas (14%).

Periferia Brasileira de Letras

Realizada pela PBL, a pesquisa colabora com a consolidação do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) na perspectiva de que ouvir os trabalhadores e coletivos literários reitera a cultura democrática na busca de garantir direcionamentos mais precisos e de acordo com as necessidades da população. Na pesquisa, 49% dos coletivos afirmaram conhecer a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), enquanto 43% a desconhecem. A PNLE “se configura como uma estratégia permanente de consolidação das metas do PNLL”, de acordo com a Coordenação da Periferia Brasileira de Letras.

A PBL é coordenada pela Cooperação Social da Presidência da Fiocruz e reúne quatorze coletivos literários, buscando a “promoção de políticas públicas saudáveis em periferias e favelas brasileiras”. A pesquisa foi feita em parceria com a Secretaria de Formação, Livro e Leitura do Ministério da Cultura (Sefli/MinC). Mais de 292 coletivos literários distribuídos em nove estados e no distrito federal participaram da pesquisa. 

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Estudante de Jornalismo que acredita em uma leitura da realidade a partir das expressões culturais. Tem especial interesse pela imagem, religiosidades, perspectiva queer e jogos eletrônicos. Flerta com o cinema, organizando e participando das curadorias do Cineclube Vestígio em Porto Alegre.
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