Os 25 anos de um clássico: Paralamas celebram Selvagem? em show emocionante

Fotos: Júlia Schwarz

Com um show limpo, favorecendo a música e não o espetáculo, os Paralamas do Sucesso mostraram porque são considerados uma das grandes bandas brasileiras de rock. Em comemoração aos 25 anos de lançamento do terceiro disco, Herbert Vianna (voz e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) tocaram as composições de Selvagem? (1986) na terça, véspera de feriado, no Opinião.

Os Paralamas do Sucesso reproduziram as músicas do disco Selvagem? no palco do Opinião, na noite de terça-feira

Apoiados por um tecladista, um jovem percussionista, um saxofonista e um trombonista, Bi, Barone e Herbert, acrescidos de Liminha, produtor do disco e guitarrista, mostraram o resultado final de um LP produzido em meio à descoberta de novas sonoridades. Os músicos subiram no palco sem grandes frescuras, às 22h30min, meia hora depois do horário anunciado. Chegaram, posicionaram-se e revelaram por que estavam ali: para tocar. Com apenas duas músicas deslocadas, o setlist da primeira parte do show repetiu a ordem das faixas da gravação de 1986.

Apesar de ser a sexta no álbum, “Selvagem” foi a escolhida para introduzir o grupo carioca filiado ao movimento “Rock de Brasília” ao público, que respondeu bem às expectativas. A já clássica referência aos amigos Titãs veio com “Polícia”, acrescentada à primeira canção. A parceria com Gilberto Gil foi a terceira faixa da noite. Em versão mais ska e dub do que o reggae geralmente executado pelo ex-ministro da Cultura, “A Novidade” animou os presentes depois da reflexiva “Teerã”, sobre a Guerra Irã-Iraque. Em seguida, todos entraram de gaiato no navio dos Paralamas e cantaram “Melô do Marinheiro”. “A Dama e o Vagabundo” tranquilizou os ânimos e embalou os casais da plateia. No entanto, a calmaria durou pouco: logo foi quebrada pela dançante “There’s a Party”, única faixa do disco composta somente pelo vocalista.

“O Homem” pôs todos a pensar sobre as dificuldades da vida e como encará-las. “Às vezes o covarde é o que não mata, às vezes é o infiel que não trai, às vezes benfeitor é quem maltrata, nenhuma doutrina mais me satisfaz”, cantava Herbert, ensinando aos fãs que os preconceitos e prejulgamentos apenas fazem mal para quem os comete. Novamente, um momento romântico com “Você”, de Tim Maia, que encerra o trabalho que faz aniversário. Os apaixonados aproveitaram a deixa para se declararem ao som de “você é algo assim, é tudo pra mim, é como eu sonhava, baby”. “Alagados”, que originalmente era a primeira, finalizou a primeira parte em grande estilo. Com a banda mais à vontade, o “quase samba” de Herbert, Bi e Barone colocou todos a pular, mesmo com a falta de espaço.

Em meio à festa, o cantor anunciou que “isso era o que tínhamos planejado do Selvagem?”, e perguntou se a galera estava cansada. Diante da resposta negativa, como era de se esperar, Herbert pediu licença para tocar alguns sucessos de outros tempos e emendou “O Calibre”. Nesse momento, estava no palco a formação clássica dos Paralamas, o trio Herbert-Barone-Bi. “Ela Disse Adeus” e “O Beco” deixaram claras as influências dos ritmos negros nas canções do grupo. Uma microfonia, já sentida de leve desde o início da apresentação, arranhou a belíssima execução de “Cuide Bem do seu amor”, que manteve o clima enamorado iniciado mais cedo.

Herbert Vianna comandou os músicos e mostrou como se mistura rock, ska e reggae

“Meu Erro” – já regravada por inúmeras artistas – e “Lanterna dos Afogados” – igualmente adorada por outros músicos, que insistem em fazer suas versões – mostraram a versatilidade e a integração dos instrumentistas. A primeira, em versão mais pesada que a original, arranhou as gargantas no refrão. A segunda, um pouco mais lenta, cadenciou os movimentos dos corpos, enquanto os olhos não desgrudavam da banda. Para tocar “Caleidoscópio”, Bi emprestou o baixo para o irmão mais novo Rafa, que não decepcionou, com Liminha de volta na guitarra.

“La Bella Luna”, “Lourinha Bombril” e “Uma Brasileira” foram as últimas do show, que deixou a plateia querendo mais, pouco antes da meia noite. Essa vontade foi saciada com o bis animado por “Sonífera Ilha” (durante a qual o vocalista fez questão de reforçar a admiração pelos Titãs), “Ska” e “Vital e sua Moto”.

“Óculos”, sucesso do início da carreira, ficaria de fora. No entanto, o cumprimento final aos espectadores não foi suficiente para convencer a multidão de que era só isso. Mesmo sem acreditar que adiantaria, os fãs gritaram, pela segunda vez, “mais um, mais um”. Para a surpresa dos próprios roadies, que já tinham dado por encerrado o concerto, Bi ergueu o baixo na entrada do palco e a cadeira de Herbert apareceu novamente. “Óculos”, afinal, não poderia faltar, nem o verso modificado de “por trás dessa lente também bate um coração” para “em cima dessa cadeira também bate um coração”. O repeteco de “Alagados”, com direito a trechos de “Sociedade Alternativa”, de Raul Seixas, encerrou finalmente a noite.

Com arranjos bem semelhantes aos originais, as canções – não só as de Selvagem?, mas os grandes sucessos do grupo também – agradaram ao público. Apesar das poucas novidades, o script cumpriu bem a proposta: revisitar o trabalho que marcou o amadurecimento da banda e relembrar os êxitos musicais. Assim como a foto de Pedro, outro irmão do baixista, vestido de índio, na frente de uma barraca, caracteriza a ousadia dos Paralamas ao ser utilizada como capa do disco, a mistura de sonoridades diferentes também dá cara à banda.

Se por um lado os ruídos atrapalharam a apresentação em certos momentos, a atenção com as pessoas com necessidades especiais merece ser elogiada. Talvez influenciada pela situação atual do vocalista, a produção reservou para eles um espaço à parte e com boa visibilidade para o palco, iniciativa em geral vista apenas nos eventos de maior porte.

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