Terça da Felicidade: dia de satirizar a morte com a Império da Zona Norte

Texto Camila Silva
Fotos
 Ismael Fonseca

Império da Zona Norte-515
A comissão de frente prestarará uma homenagem a Michael Jackson no Porto Seco

“Eu estava em casa! Não só pelo fato de estar acompanhada da minha família, mas também, por estar na escola de samba onde fui criada. Sou uma carnavalesca assumida, nasci numa família onde o carnaval é muito mais do que um feriado, as escolas são muito mais do que um lugar para se sambar, e a minha casa em época de carnaval é muito mais que uma casa, é um verdadeiro barracão.”

Carnaval para nós significa amor. Para minha família, o Império da Zona Norte é uma paixão – vocês não imaginam o que eu sentia naquele momento.  Meus pais me olhavam com uma alegria, com um orgulho inexplicável. Eu não estava ali para me divertir, e sim, para fazer um texto jornalístico.

A escola que teve início no Bairro Sarandi, possui dois leões alados como símbolo. Atualmente, ela faz parte do Grupo Especial do Carnaval de Porto Alegre, porém não foi sempre assim. A Império foi rebaixada para o Grupo de Acesso em 2003 e lá amargou por quatro anos. Contudo, se estruturou e, em 2007, voltou à elite. O empenho resultou no título do Carnaval em 2008.

Era por volta das 22h e a imponente quadra, com estrutura equivalente às escolas de samba do Rio de Janeiro, ainda estava vazia. Aos poucos as pessoas foram chegando. Pessoas que reconheci como antigos componentes da escola, pessoas de diversas idades, diversas cores, e novos simpatizantes do pavilhão amarelo, prata e branco.

1
Apesar da quadra não estar cheia, os componentes da escola não pouparam energias no ensaio

Este ano, a aposta para conquistar o título no Porto Seco será com o tema “Sua hora vai chegar: Melhor é morrer de sambar!” A escola vai trazer para a avenida diversas formas de morrer, como “morrer de rir” e “morrer de sambar”. Além disso, o samba-enredo é ponto forte, considerado pela crítica especializada um dos melhores desta edição.

A bateria de nome “Febre Amarela”, do Mestre Chiquinho, já estava ensaiando,  enquanto os outros componentes terminavam de se arrumar. Por volta das 22h30, o diretor de Carnaval, Julião, anunciou o início do ensaio e convocou os foliões para cantarem o samba. Segundo ele: “escola que não canta, não ganha Carnaval.” Logo a comissão de frente, seguida da primeira Porta-Estandarte, e os demais destaques da escola, tomaram conta do espaço reservado para o show da noite. O intérprete Everton Rataescki começou a cantar o samba da escola: Meu samba vai deixar saudade/eternamente vai viver/Eu sou Império, minha verdade Zona norte até morrer.

Quase todos os destaques estavam se apresentando, faltava o primeiro casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira. Com uma roupa luxuosa – característica dos destaques do Império – Caio e Ana Marilda bailaram lindamente. No intervalo do ensaio, conversei com Ana Marilda, ícone com mais de 30 anos de Império da Zona Norte. A atual Porta-Bandeira está na escola desde criança. No campeonato de 2008, saiu como passista. Ela me contou sua emoção de estar levando o pavilhão de sua escola do coração e das dificuldades que enfrentou no seu primeiro ano como Porta-Bandeira. “Eu e o meu Mestre-Sala, pro carnaval do ano passado, fomos para o Rio de Janeiro, treinar intensivamente para que nossa estreia no Porto Seco fosse a melhor possível.” Quando perguntada sobre os preparativos para o Carnaval deste ano, o brilho nos olhos dela me chamou a atenção, com um sorriso no rosto me respondeu: “A minha fantasia já está pronta desde dezembro! Foi confeccionada em um dos melhores ateliês de São Paulo, agora eu estou só tirando a poeira dela, a espera do grande dia.”

2
Ana Marilda e Caio, o casal de Porta-Bandeira e Mestre-Sala, treinaram sua apresentação para os jurados do dia 6

Durante a pausa do ensaio, Julião reforçou para os que estavam na quadra a importância de saber a letra do samba-enredo. E eu – que escuto todos os dias o CD do Carnaval – já sabia o samba de cor. Assim, o intérprete segurou seu canto, e todos que estavam na escola começaram a cantar. Alguns também já sabiam o samba de cor, outros liam nos papéis que os diretores de alas da distribuíram. O resultado foi incrível! Tive a confirmação de que este realmente é um dos melhores sambas-enredo da escola. O coro dos componentes ecoou pela quadra. Nessa hora, Everton deu início ao ponto alto do ensaio: um convite para que as pessoas que estavam nos camarotes e na pista se juntassem com o grupo show, a fim de fazer uma grande muamba. Todos no meio da quadra, dançando e cantando o samba com empolgação. Inclusive meus pais, que da pista gritavam meu nome para eu me juntar a eles.

Do camarote, uma menina me chamou a atenção. Era a primeira Porta-Estandarte, Gabriela Soares, de 15 anos. A leveza em seus movimentos, a postura com que ela erguia o seu estandarte, fez parecer que estávamos diante de uma veterana, que com um lindo sorriso girava o símbolo da Império da Zona Norte. Ao conversar com a Gabriela, constatei que estava diante de uma veterana sim, pois com apenas uma década e meia, ela já havia desfilado em diversos setores da escola. Perguntei para ela como era assumir o primeiro estandarte de uma das principais escolas de Porto Alegre, e com tranquilidade ela me disse: “Pra mim agora é normal, ao entrar na avenida e sentir o carinho do público eu desfilo naturalmente, quando me dou por conta já acabou. Eu vou ao mercado e as pessoas me reconhecem do clipe que está passando na televisão, eu me sinto muito feliz.”

Se um dos quesitos para vencer o Carnaval fosse o amor que a Ana Marilda, a Gabriela, meus pais, e todos os componentes da escola tem pelos Leões da Zona Norte, com certeza a escola já seria campeã. Que a morte dê sorte no dia 6, que o Império viva e brilhe na avenida.

Galeria de imagens

Compartilhe
Ler mais sobre
Culturas populares Reportagem

Areal do Futuro: bloco de carnaval forma crianças sambistas no coração de um quilombo de Porto Alegre

Processos artísticos Reportagem

Corpo tem sotaque: como mestra Iara Deodoro abriu caminhos para a dança afro-gaúcha

Comunidades tradicionais Processos artísticos Resenha

Do ventre da árvore do mundo vem “O som do rugido da onça”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *