Crimes na ficção: a literatura policial em debate

TEXTO Idiana Tomazelli

Charles Kiefer, patrono da Feira do Livro de 2008, mediou a mesa redonda sobre o romance policial (Crédito: Bruno Alencastro/Divulgação)

Nos Estados Unidos, Edgar Allan Poe e, em vertentes mais modernas, Sidney Sheldon e Chester Himes. Na Europa, o inglês Conan Doyle – “pai” de Sherlock Holmes – e o francês Georges Simenon. O romance policial na literatura possui grandes autores consagrados. No Brasil, o gênero é mais modesto, com autores que recém engatinham na área e ainda disputam o interesse do público. Este foi justamente o tema da discussão entre os escritores Carina Luft, Gustavo Machado e Paulo Wainberg, mediada por Charles Kiefer, na noite desta segunda-feira, 01/11, no Auditório Barbosa Lessa do Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo. O evento faz parte da programação da 56ª Feira do Livro de Porto Alegre.

“Caim matou Abel. Motivo: ciúme. Jeová, encarregado da investigação, interrogou Caim. ‘E acaso sou eu o guardião do meu irmão?’. Jeová não era bobo e descobriu que ele mentia, era culpado”. Assim Wainberg narra o “primeiro romance policial jamais escrito”. Está na Bíblia, de onde, segundo o escritor, se podem sacar todos os tipos de gêneros literários.

No final do século XVIII, Kiefer aponta que uma figura inédita começou a aparecer no cenário criminal de diversos países: o policial político, o espião, o detetive. Juntamente a ele vieram a investigação, a inteligência, o disfarce e a dissimulação. Características que substituíram a perseguição, a velocidade e a violência costumeiras. A nova realidade serviu de inspiração para os escritores que se engendravam para um novo braço da literatura, e que ainda agregaram técnicas recém desenvolvidas, como a antropologia criminal e a psiquiatria forense. Estava concebido o romance policial.

O perfil psicológico do criminoso foi justamente o traço trabalhado com mais intensidade por Wainberg, autor do livro Unhas. Sem que tivesse a pretensão inicial de escrever um romance policial, depois de quase três anos de trabalho ele deu forma a um advogado obcecado por cometer um crime perfeito – definido pelo próprio escritor como um psicopata. Um leitor chegou a elogiar: “Durante a leitura, a gente começa a achar que o personagem tem razão”. “Vocês têm que odiar o personagem”, orienta.

Carina começou a dar forma a seu livro Fetiche ainda como aluna de Kiefer em oficinas literárias. Descreve o processo de escrita como insegura e trabalhosa. Pudera: além de lidar com um gênero que não conhecia, ela fez muitas pesquisas, participou de laboratório em delegacias e conversou com vários profissionais, desde advogados a psicólogos. “Para criar esse universo, eu tive que viver um pouco essa experiência”. O resultado foi um criminoso que tinha adoração por pés. A questão proposta por Carina é “até que ponto essa adoração passa a ser doença”.

Para Gustavo Machado um dos grandes escritores do gênero é Rubem Fonseca (Crédito: Bruno Alencastro/Divulgação)

Gustavo só não se sentiu mais um peixe fora d’água porque tem no escritor Rubem Fonseca uma de suas grandes inspirações – embora alguns evitem incluir o autor de Agosto e Feliz Ano Novo no gênero policial. “Dizer que meu livro é um romance policial é um crime”, diz. Segundo ele, em Sob o Céu de Agosto o crime aparece muito mais como atmosfera, contextualização, não como tema principal. “O que menos trabalhei inicialmente foi o enredo, o que é a antítese do romance policial, onde o crime já está resolvido desde o primeiro capítulo”.

De fato, esse tipo de narrativa prima, sobretudo, por três características – e sobre as quais o livro é concebido em sua totalidade. Enigma do crime, estrutura psicológica do criminoso e inteligência do investigador. Atualmente, Wainberg opina que uma parte dessas histórias descambou para a ficção científica, com a aparição de seres fantásticos ou até diabólicos. “O grande assunto da literatura hoje são os vampiros”, constata.

Kiefer, ao final, provocou os autores ao dizer que o gênero policial, no Brasil, é considerado de menor importância, quase um subgênero.  Carina não se intimidou. “Eu vejo como um grande desafio. Ainda que não resulte em um grande livro, eu estou disposta a encarar”, disse. Machado, por sua vez, defendeu o gênero como fácil de consumir, sendo algo que as pessoas gostam. Mas também lembra que não é difícil se confundir. “O romance policial é o mais fácil de errar”, alertou. Para Wainberg, a questão está na linguagem, não na classificação. “Nesse caso, o único romance policial com boa linguagem é O Nome da Rosa, de Umberto Eco”, completou Kiefer.

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