Burton na zona de conforto

Filme traz ampla galeria de personagens, mas falha em desenvolvê-los melhor. (Crédito: divulgação)

Sombras da Noite (Dark Shadows, EUA, 2012)

Direção: Tim Burton

Roteiro: Seth Grahame-Smith, baseado em série de TV de Dan Curtis.

Com: Johnny Depp, Eva Green, Michelle Pfeiffer, Bella Heathcote, Helena Bonham Carter, Jackie Earle Haley, Jonny Lee Miller, Chloë Grace Moretz, Gulliver McGrath, Ray Shirley, Christopher Lee e Alice Cooper.

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Ainda que tenha características peculiares e em grande medida positivas, é difícil negar que Tim Burton seja um cineasta limitado – algo que tem ficado mais evidente em seus trabalhos recentes. Dotado de um olhar admirável para o conceito visual de cada um de seus filmes, Burton ocasionalmente tem dificuldade em tornar as narrativas mais interessantes do que o universo em que se inserem (o que talvez explique porque seu melhor filme, Ed Wood, é também o mais contido esteticamente). Possuindo ainda um ótimo senso de humor negro, o cineasta costuma se fragilizar quando não tem espaço para exibi-lo (Planeta dos Macacos, Alice no País das Maravilhas). Em Sombras da Noite, Burton pisa em terreno conhecido, mas isso não impede seus tropeços.

Depp vive o bom e velho tipo de vampiro predador. (Crédito: divulgação)

Escrito por Seth Grahame-Smith (autor do mash-up Orgulho e Preconceito e Zumbis) a partir de argumento concebido ao lado de John August (parceiro ocasional de Burton), Sombras da Noite se baseia numa série da TV americana que, exibida entre 1966 e 1971, certamente contribuiu para formar o gosto de Burton pelo macabro. Após um prólogo que se passa no século XVIII e que explica a transformação do aristocrata Barnabas Collins (Depp) em vampiro por recusar o amor da bruxa Angelique Bouchard (Green) e seu confinamento em um caixão pelos habitantes de seu vilarejo, o filme salta para 1972, quando a criatura é acidentalmente libertada. De volta à sua mansão, Barnabas se alia à atual matriarca, Elizabeth (Pfeiffer), para reerguer a fortuna da decadente família. No entanto, seu retorno acaba atraindo novamente a atenção de Angelique, que continua viva e dominou a economia da cidade.

Curiosamente, apesar de ser um “filme de vampiro”, Sombras da Noite chama atenção por ser um dos trabalhos mais econômicos de Burton em seus aspectos visuais: ao invés do excesso de cores de A Fantástica Fábrica de Chocolate, do pesadelo dark de Batman e da inspiração gótica de A Noiva-Cadáver, Edward Mãos-de-Tesoura e vários outros, o cineasta opta por uma cenografia mais preocupada com a recriação de época (com direito a um cinema que exibe Super Fly e Amargo Pesadelo), mas sem abrir mão de detalhes sombrios e quadros característicos, como um penhasco que se projeta sobre o mar de forma tipicamente timburtoniana. Por outro lado, é inacreditável que Burton tenha desperdiçado a oportunidade de brincar esteticamente com o prólogo, empregando apenas cores mais dessaturadas ao invés de, por exemplo, rodá-lo em preto-e-branco e/ou em 1:33.1 (o que, além de uma homenagem bacana à série original, daria mais charme a seu ar de fábula). Mesmo assim, a fotografia de Bruno Delbonnel (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) faz um trabalho ótimo, empregando uma paleta mais sóbria apenas para destacar as cores mais fortes que surgem em certos momentos, como os cabelos ruivos e a maquiagem carregada de Helena Bonham Carter e os figurinos de Eva Green.

Empregando também a trilha sonora para a reconstituição de época por meio de uma agradável seleção musical, Sombras da Noite traz de volta o humor negro do cineasta que tanta falta fez em Alice. Ao invés de imbecilidades como Crepúsculo e seus filhotes, o filme não tenta deturpar a natureza de seu protagonista, que, ao ser libertado, age como um autêntico predador (e a piada envolvendo o romance Love Story e o massacre de um grupo de hippies é um dos melhores momentos do filme). Aproveitando bem as várias tiradas envolvendo o conflito de épocas (“Quinze anos e sem marido?” “Uma mulher doutora!”), Johnny Depp confere carisma a Barnabas, ganhando boas risadas com sua seriedade e com seu modo antiquado e cheio de formalidades de se expressar, o que confere mais graça às interações com sua antagonista.

Conflito entre os personagens de Depp e Green rende algumas risadas. (Crédito: divulgação)

Voltando ao universo de Tim Burton exatos 20 anos depois de viver a sensual Mulher-Gato de Batman – O Retorno, Michelle Pfeiffer confere interesse e autoridade a Elizabeth, mas não tem muitas chances de fazer humor. Por sua vez, Eva Green cria uma vilã divertida que rivaliza com a Mulher-Gato de Pfeiffer no quesito “sensualidade” – e seu “despedaçamento” (ótimo efeito visual, diga-se de passagem) remete de forma apropriada a A Morte Lhe Cai Bem, que também trazia mulheres que recorriam à magia para retardar o envelhecimento. E se o resto do elenco não tem grandes chances de se destacar – Jackie Earle Haley e Helena Bonham Carter são desperdiçados e a ótima Chloë Grace Moretz faz o possível como uma adolescente petulante -, a ponta de Alice Cooper rende sua dose de boas piadas.

Mais problemático, no entanto, é o roteiro de Grahame-Smith, que, no intento de agradar aos fãs da série de TV, investe numa narrativa episódica e pouco fluida, incluindo subtramas dispensáveis cuja justificativa é apenas permitir a inclusão de mais personagens (as figuras vividas por Jonny Lee Miller e Helena Bonham Carter são completamente descartáveis, embora esta tenha alguns poucos bons momentos). Além disso, o roteirista falha em estabelecer as regras que regem a história, jamais explicando, por exemplo, porque algumas vítimas de Barnabas morrem enquanto outras se transformam em vampiros. E se o terceiro ato volta a demonstrar a notória incapacidade de Burton de conduzir um clímax emocionante, igualmente trôpego é o desenvolvimento da personagem de Bella Heathcote: usada para conduzir a narrativa até que Depp volte à cena, o roteiro praticamente a ignora até precisar dela novamente. Finalmente, a revelação sobre Carolyn (Moretz) no terceiro ato carece de pistas ao longo da narrativa, surgindo súbita, forçada e (mais uma vez) desnecessária.

Representando a oitava colaboração entre Tim Burton e Johnny Depp (e a quinta consecutiva), Sombras da Noite é capaz de divertir moderadamente, mas é provável que já terá sido esquecido assim que o diretor anunciar seu próximo projeto. E torçamos para que Frankenweenie – que estreará no final do ano e não contará com Depp – venha como um necessário respiro para essa parceria, que possui talento suficiente para não se limitar a fazer mais do mesmo.

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