Valente (Brave, EUA, 2012)
Direção: Mark Andrews, Brenda Chapman e Steve Purcell
Roteiro: Mark Andrews, Steve Purcell, Brenda Chapman e Irene Mecchi
Vozes de: Kelly Macdonald, Emma Thompson, Billy Connolly, Julie Walters, Robbie Coltrane, Kevin McKidd, Craig Ferguson, Steve Purcell e John Ratzemberger.
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Dona de uma das filmografias mais admiráveis de Hollywood, a Pixar acumulou, entre 1995 e 2010 (para focar apenas nos longas), uma quase unanimidade entre a crítica, quebrada apenas com Carros 2 no ano passado. Já este novo Valente distancia-se do ar sério da maioria dos trabalhos da empresa, assemelhando-se mais a uma hipotética parceria entre a Disney e a PDI/Dreamworks: do primeiro estúdio, temos a “história de princesa” e um certo ar épico; do segundo, um roteiro que parece mais disposto a buscar o riso do que uma solidez dramática – e caso fosse mesmo resultado de tal associação, esta produção provavelmente seria considerada um de seus melhores filmes. Porém, mesmo estando longe de representar um dos momentos mais inspirados da Pixar, Valente encanta e faz rir o bastante para merecer uma enfática recomendação.
Ambientado na Escócia medieval, Valente conta a história da intrépida princesa Merida (voz de Kelly Macdonald no original), que, para desespero da mãe, a rainha Elinor (Thompson), recusa-se a seguir os protocolos femininos da realeza, preferindo torneios de arco e flecha ao bordado – algo que não parece incomodar seu pai, o rei Fergus (Connolly), que sempre a estimulou a aprimorar suas habilidades. Ao descobrir uma brecha na tradição que rege a disputa por sua mão em casamento, Merida entra na competição, o que passa dos limites para Elinor. A fim de mudar sua sina, a arqueira recorre ao auxílio de uma bruxa (Walters), sem antecipar que as consequências do feitiço podem ser maiores que o previsto.
Escrito a oito mãos e dirigido por Mark Andrews (do hilário curta One Man Band), Brenda Chapman (O Príncipe do Egito) e pelo estreante Steve Purcell, Valente, como já foi dito, rende-se a clichês que não são característicos de produções da Pixar, como sequências embaladas por canções, cenas excessivamente açucaradas e frases de efeito que parecem saídas de um livro de auto-ajuda. Além disso, boa parte das piadas da segunda metade envolvem um enorme urso esbarrando em objetos e falhando numa pescaria – e mesmo que parte delas funcione, tornam-se repetitivas em pouco tempo. Aliás, a segunda metade como um todo se mostra problemática, desperdiçando o trabalho da excelente introdução para investir em conveniências, como as luzes azuis que surgem a todo momento para conduzir Merida na direção certa e a justificativa arbitrária para conferir urgência à solução.
Mesmo assim, o humor de Valente é bastante eficaz na maior parte do tempo, ainda que esteja mais próximo do padrão Dreamworks do que da Pixar (felizmente, sem abusar de referências pop), pois boa parte dos personagens está ali principalmente para fazer rir – dos trigêmeos pestinhas ao bonachão rei Fergus -, sendo bem sucedidos nesse intento. No entanto, por mais que o filme ganhe pontos ao transferir a figura de autoridade de Fergus para Elinor, é difícil ignorar que pouquíssimo o tempo é dedicado a desenvolver os personagens secundários – e o próprio roteiro chega a reconhecer esse fato de forma incrivelmente óbvia ao nomear um dos clãs de MacGuffin, já que estes nada fazem além de cumprir a função determinada por Hitchcock: mover a história adiante sem, no entanto, terem qualquer relevância para a mesma.
E chegamos a Merida – o grande trunfo de Valente e o que segura a irregular metade final. Desde a infância com cabelos ruivos cheios e rebeldes que simbolizam sua própria independência, a garota surge como uma heroína exemplar, carismática e bela cujo desejo de liberdade suplanta qualquer aspiração a romances, o que a distingue de outras protagonistas fortes de filmes infantis que tem um interesse amoroso como parte de sua jornada (Mulan, por exemplo). Mais uma heroína plenamente capaz de se defender sozinha em um ano que já nos apresentou a Katniss Everdeen, Merida junta-se merecidamente à galeria de grandes personagens da Pixar e deve se tornar bastante popular entre as jovens espectadoras – apesar do roteiro tropeçar ao incluir um recurso tão “careta” para a resolução da história.
Trazendo um dos designs de produção mais bonitos que a Pixar já produziu (e isso é um tremendo elogio), o filme jamais deixa de impressionar no detalhismo dos cenários que concebe – detalhismo que, como é característico das boas animações, também se aplica ao visual dos personagens, ajudando em sua construção (pêlos na orelha, barbas malfeitas, narizes absurdos). E se a montagem é prejudicada pela falta de fluidez do roteiro, ao menos se destaca no “diálogo” entre Merida e Elinor, que dizem tudo o que gostariam enquanto se encontram geograficamente separadas. Finalmente, a trilha sonora de Patrick Doyle acerta no uso econômico de instrumentos típicos da Escócia (flautas e gaitas de foles), pontuando a narrativa nos momentos corretos.
Mesmo trazendo poucos sinais da genialidade que destacou a Pixar de suas concorrentes e deixando a sensação de que Merida merecia mais, Valente funciona como um passatempo leve. Emprega temas batidos, sim, mas o estúdio comprova sua competência ao conseguir um resultado bem superior ao que a Dreamworks e a BlueSky conseguiriam com um material similar.
OBS: O curta La Luna que antecede o filme traz um conceito visual fascinante, mas só, soando apenas vazio.