Por José Fernando Costa*
Além de ser um dos filósofos mais reconhecidos do mundo, o britânico Simon Blackburn, é também um dos principais divulgadores contemporâneos da filosofia para o grande público. Em tempos de crescente segmentação profissional são raros os “especialistas” que se arriscam como intelectuais públicos. Nada, porém, mais autenticamente filosófico que a discussão pública à qual a própria origem da filosofia é paradigmaticamente associada (vem à mente a figura paradigmática de Sócrates, o humilde filho de uma parteira que constantemente questionava seus concidadãos sobre a natureza de suas crenças e do sentido de seu agir no mundo). Foi sob a égide do questionamento que Blackburn realizou conferência no Fronteiras do Pensamento em que tratou de alguns dos tópicos fundamentais da filosofia contemporânea, destacando o modo como os abordou ao longo de sua carreira, que abrange contribuições para os ramos da filosofia da ciência, da ética, da metafísica e da filosofia da ação.
Blackburn compreende a filosofia, sobretudo, como um exercício reflexivo autoconsciente: “pelo menos desde Sócrates e Platão, o espírito da filosofia é o espírito da reflexão.” Ao longo de sua conferência, o filósofo britânico ressaltou a importância do estudo filosófico para a compreensão crítica da ciência. Ao buscar a articulação adequada das consequências filosóficas advindas da atividade científica, o filósofo contribui para a refutação das ideologias potencialmente perigosas emergentes do entendimento equívoco dos avanços da ciência. Blackburn tomou como exemplo uma ideologia “científica” muito difundida com as enormes descobertas das últimas duas décadas no campo da neurociência: a ideia de que o estudo da neurofisiologia do cérebro demonstra a inexistência de libre arbítrio.
Para Blackburn estas descobertas recentes contribuem antes para a reformular de maneira mais acurada a própria questão filosófica envolvendo a liberdade do que para descartá-la acriticamente como simplesmente refutada. Sua proposta é a de pensar o livre arbítrio nem em termos cartesianos da ação imediata de um espírito imaterial livre do condicionamento biológico ou físico, nem em termos de determinismo. De maneira mais precisa, ele evita encarar a questão do livre arbítrio a partir de uma postura ontológica (isto é, relativa a processos de fato existentes, como a composição biológica do cérebro ou a assunção de uma substância “espiritual” independente); seu viés, ao contrário, é simultaneamente epistêmico e social: interessa-lhe antes as condições e posturas práticas compartilhadas que permitem a atribuição justificável de responsabilidade a um agente. Assim, Blackburn pretende conservar como corretas a descrição de ações como livres sem equipará-las diretamente às descrições de estados físicos correlatos.
“O divórcio entre ciência e filosofia é o divórcio entre a ciência e sua própria história”, observou Blackburn, para quem o questionamento filosófico é essencial para a formação científica completa. E precisamente por este motivo, o filósofo britânico também elogiou a iniciativa brasileira de incorporar o ensino de filosofia aos currículos do ensino médio: “é um erro do ensino suprimir o questionamento filosófico”, completou.
*Jornalista