Como o racismo amplia a sub-representação de mulheres e homens negros na política brasileira

Ester Caetano
Fotos: Mulheres Negras Decidem/divulagação

Embora o Brasil seja um país de muita diversidade cultural, social e étnica, nas cadeiras parlamentares não se pode ver estas múltiplas representações. Os espaços de privilégio e poderio ainda são tomados majoritariamente por pessoas brancas.  De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade da população brasileira (56,1%) é composta por pessoas que se autodeclaram negras ou pardas, o que não se reflete na representação política. 

Neste ano, no pleito eleitoral os negros totalizam 270 mil candidatos a prefeitos e vereadores, um aumento de 2,08% em relação às eleições passadas. Este modesto crescimento caracteriza na primeira vez uma maioria de pessoas negras em comparação com as não negras. Para o doutorando e pesquisador da área de sociologia política, relações raciais, desigualdade raciais e representação política da UERJ Wescrey Portes, o pequeno avanço nas eleições deste ano não significa a diminuição da sub-representação destes nos espaços de poder. “Não necessariamente esse aumento vai se desdobrar em uma maior representatividade, porque ele aumenta no universo de candidaturas, mas ainda existe um grau de desigualdade interna nos acesso a recursos.”  

Nas eleições de 2016, pelos dados do TSE, a quantidade de candidatos negros eleitos no Brasil foi inferior a candidatos brancos. Entre os prefeitos, a porcentagem chegou a 70,29% brancos para 29,11% dos autodeclarados pretos ou pardos. Amesma disparidade ocorre com os vereadores  – 42,07% negros para 57,13% brancos. Se analisada a proporcionalidade de candidatos, os políticos brancos têm o dobro de chance de se eleger, já que, de todos os candidatos brancos em 2016, 6,4% tiveram sucesso, enquanto entre os negros, o índice foi de 3,2%.

Imagem: Mulheres Negras Decidem

Portes observa que o racismo estrutural histórico fundamenta o abismo social no país. “O racismo no Brasil tem particularidades que refletem nossa formação nacional, de como o Estado brasileiro se constitui enquanto nação, as construções da nossa identidade, a ideia de democracia racial. Tudo isso organiza uma dinâmica social, política, racista que coloca os negros à margem dos espaços de maior prestígio na sociedade brasileira”.

Na prática, como aponta o sociólogo, o racismo influencia diretamente em fatores como a disparidade no acesso a recursos financeiros para as campanhas. Em geral, esta é a principal barreira que impede que o número de candidatos pretos e pardos reflita de fato no sucesso eleitoral. “O grande nó é que dentro do processo político existe uma diferença significativa que varia de município, que varia internamente na distribuição dos partidos. A porta de entrada dessas candidaturas são os partidos menores, aqueles que detêm os menores recursos e que elegem menos candidatos. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, dos 1800 candidatos a vereador, apenas 180, ou seja, 10%, conseguem competir de fato, pois têm os recursos necessários para estarem na competição”. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em agosto, a distribuição proporcional dos recursos de campanha junto com o tempo de propaganda do rádio e TV entre candidatos brancos e não brancos. A medida só valeria a partir de 2022, mas o ministro Ricardo Lewandowski instituiu que os partidos deveriam realizar a distribuição proporcional ainda neste ano de 2020.  Ainda assim, conforme pesquisa do Datafolha, os partidos não têm cumprido a determinação, uma vez que os candidatos pretos e pardos recebem apenas 40% da verba dos fundos Eleitoral e Partidário. 

Barreiras institucionais

Só em 2014 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começou a computar dados sobre raça/cor dos candidatos a cargos eletivos. Anteriormente, o TSE recolhia elementos como receitas de campanha, renda do candidato, estado civil, ocupação e entre outras tradicionais. Todas essas variáveis são fundamentais para os estudos de desigualdade social, econômica, política e até mesmo antropológica do país- no qual se pode ponderar a magnitude da sub-representação das mulheres, dos(as) negros(as) e das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneras, transexuais e interesexuais (LGBTI+) nas esferas da política. Essa falta de representatividade e desproporção tem impacto frontal na vida dos brasileiros, já que interfere no preparo e cuidado de políticas públicas que dizem respeito à garantia de direitos. 

Levando em conta o recorte de gênero, o eleitorado brasileiro é composto por 52% de mulheres, sendo 27,8% mulheres negras, de acordo com TSE. Nas eleições passadas, conforme levantamento do Movimento Mulheres Negras Decidem, o total de eleitas tanto à prefeitura quanto às câmaras municipais do Brasil não chegou a 5%. 

Juliana Marques, co-fundadora e coordenadora do movimento, pontua que  o maior desafio que as mulheres negras enfrentam é a falta da distribuição dos recursos. “Não é falta de desejo de participar, muito menos despreparo de mulheres negras que estão na política. A gente tem 5% de mulheres negras nas vereanças do Brasil inteiro eleitas em 2016, apesar de sermos mais de 27% da população. A gente não conseguiu até o momento garantir os mesmos recursos para as candidaturas de pessoas negras que no geral são garantidos para os outros grupos, como verbas de campanhas, e o tempo de rádio e TV.”

Imagem: Mulheres Negras Decidem

Mesmo para aquelas que conseguem chegar e tomar posse dos devidos cargos, os empecilhos por ser mulher negra e carregar as consequências de uma tardia garantida de direito (as mulheres garantiram o direito de votar sem limitações em 1934) refletem nas esferas que as mulheres precisam suster e suprir. Para Ìyá Sandrali, candidata a vice prefeita de Pelotas/RS, os corpos negros carregam o DNA da luta para enfrentar o vetor discriminação. Sandrali, que já foi candidata a vereadora em 1996 e a Deputada Estadual em 2018, observa que dentro do espectro político as múltiplas formas de preconceito são validadas de forma sucintas no que criam desafios grande. “Os maiores impasses foram e são o racismo e o machismo. Mesmo quando se está em um processo eleitoral e de discurssão política partidaria, nós negros temos que estar atentos não só para o racismo explícito mas como o subliminar, que está no subconciente de todo mundo. Esse é o meu maior desafio”, diz. 

A escolha de Sandrali, que nunca foi eleita, para integrar a chapa é uma exceção na política brasileira. Para a integrante do Mulheres Negras Decidem, “reivindicar mais mulheres e homens negros na política é dizer que vai haver menos pessoas brancas. Então é realmente um espaço de disputa de poder. E quanto mais poder tem o cargo, mais difícil é para as pessoas abrirem mão. Quando falamos de Congresso Nacional, não há nem 2% de mulheres negras. Nas prefeituras, o índice é de 3%”. 

A preferência por candidaturas já estabelecidas “é um mecanismo que faz com que o ciclo de sub-representação se repita”, acredita Juliana. “Uma vez que a gente agora tenha a distribuição proporcional [após decisão do STF], ainda há a questão da diversidade dentro dos partidos, dentro das direções dos partidos, e sobre quem decide como vai ser investido o dinheiro. Por mais que o discurso em alguns partidos seja um discurso de diversidade, as pessoas não querem realmente perder seus espaços conquistados nesse campo da política institucional”, ressalta. 

Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative.

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Jornalista engajada nas causas sociais e na política. Gosta de escrever sobre identidade cultural, representatividade e tudo aquilo que engloba diversidade.
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