Chega de música para imbecil

Por Riccardo Facchini*

Nascido Kleber Gomes, o sucesso de Criolo é um fenômeno curioso. Com vinte anos de batalha pelo rap nacional, tendo criado a tradicional Rinha dos MCs, seu reconhecimento, nacional e internacional, veio somente no ano passado, quando estava prestes a abandonar os palcos, com o lançamento do aclamado ‘Nó na Orelha’. O disco surgiu da vontade de registrar canções engavetadas e, de maneira surpreendente, arrebatou milhares, vencendo diversos prêmios.

Cantor ofereceu frutas a plateia (Crédito: Leonardo Carneiro)

A primeira coisa que chama a atenção neste cidadão do Grajaú é a diversidade. Ele transita entre reggae, samba, bolero, rap e afrobeat com a naturalidade de quem sai de casa para comprar pão. Além disso, sua capacidade de cativar a plateia é impressionante. No show realizado na sexta-feira, em Porto Alegre, trazido pela plataforma de financiamento coletivo Traga Seu Show, não foi diferente.
A –no mínimo– criativa entrada no palco distribuindo frutas aos presentes no Opinião foi o que bastou. Na sequência, ainda lambendo os dedos, a multidão cantou a plenos pulmões Mariô e Sucrilhos. Depois desta Criolo conversou com o público pela primeira vez. Agradeceu muito a todos, e a gratidão estampada no seu rosto chegava a ser emocionante. Aproveitou para explicar as frutas, dizendo que foi uma “tentativa de passar algo bom”, e elogiou o público, falando que “vocês fizeram essa festa” e que “nossa geração não é de imbecis”. Encerrou sua fala com uma contudente frase que poderia perfeitamente intitular manifestos culturais país afora: “Chega de música para imbecil”. Com o delírio coletivo alcançado, foi a vez de a banda atacar com Subirusdoistiozin e Samba Sambei.

Depois de mais um pequeno discurso, dessa vez girando em torno de não desejar nem fazer o mal aos outros, Criolo convidou todos para uma “revolução pacífica, sem se mostrar para ninguém”. Na sequência foi o momento de recarregar as energias com Freguês da Meia-Noite e o hino Não Existe Amor em SP, finalizado com um brinde aos que não tiveram condição de comparecer ao evento.

Criolo conta com uma excelente banda de apoio (Crédito: Leonardo Carneiro)

 Pra encerrar a primeira parte com chave de ouro, Criolo emendou, uma atrás da outra, Lion Man, Grajauex, Linha de Frente e Bogotá. Durante a última, apresentou a banda, formada pelos produtores do disco e diretores musicais do show Daniel Ganjaman, nos teclados, e Marcelo Cabral, no baixo, e ainda por Thiago França, no saxofone e na flauta transversal, Sérgio Machado, na bateria, Maurício Alves, na percussão, Guilherme Held na guitarra e DJ Dan Dan, que está há quinze anos com o MC, fazendo vozes de apoio.

No bis, Criolo relembrou seu passado em versão parcial e à capela de Ainda Há Tempo, faixa-título do seu primeiro álbum, lançado em 2006; depois, cantou Cerol, que contou com a participação de um MC convidado e finalizou com o artista declamando o seguinte verso: “Alô, Foucault / Você quer saber o que é loucura / É ver moleque de dez anos / Com arma na cintura”; Vasilhame, e ainda houve tempo para  Dan Dan puxar com a plateia o refrão de Demorô, também do primeiro disco, e fazer com que os músicos acabassem tocando a música na íntegra.

Apesar do leve atraso de vinte minutos, a presença de palco e simpatia de Criolo fizeram com ninguém lembrasse disso. Vale a pena destacar a extrema competência da banda –posicionada no palco de forma não convencional, com a bateria no canto e baixista e guitarrista no meio–, com destaque para Daniel Ganjaman e Thiago França. Não foi difícil entender o porquê de o show ter vencido o Prêmio BRAVO! da categoria. O MC do Grajaú mostra que, sim, ainda há tempo para a boa música e espaços para novas vozes que se proponham a refletir o que acontece no mundo e transformá-lo.

*Estudante de jornalismo da UFRGS 

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