Zumbis para crianças

Mesmo esbarrando em velhos clichês, nova animação acaba se destacando de outros projetos de 2012 voltados ao público infantil.
Assim como "Coraline", do mesmo estúdio, "ParaNorman" investe numa atmosfera divertida, mas sombria. (Crédito: divulgação)

ParaNorman (Idem, EUA, 2012)

Direção: Chris Butler e Sam Fell

Roteiro: Chris Butler

Vozes de: Kodi Smit-McPhee, Tucker Albrizzi, Anna Kendrick, Christopher Mintz-Plasse, Casey Affleck, Leslie Mann, Jeff Garlin, Elaine Stritch, Bernard Hill, Jodelle Ferland, Tempestt Bledsoe, Alex Borstein e John Goodman.

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Um menino sofre bullying por algo que o diferencia de seus colegas mal-encarados. No entanto, o perigo se aproxima da cidade e seu dom é a única coisa que pode salvá-la. Essa premissa já rendeu incontáveis filmes (especialmente para crianças) e, portanto, a diferença reside em como contá-la. Felizmente, ParaNorman funciona bem ao reunir personagens carismáticos, um punhado de boas tiradas e um bocado de energia – além da sempre charmosa técnica de stop-motion. De forma alguma é um novo clássico, mas, num ano de animações irregulares como 2012 tem sido, acaba se destacando.

Crédito: divulgação.

Dirigido pelo estreante Chris Butler (que também assina o roteiro) e por Sam Fell (Por Água Abaixo, O Corajoso Ratinho Despereaux), ParaNorman investe bastante na homenagem e na sátira a filmes de terror (especialmente envolvendo zumbis). Norman (Smit-McPhee) é um garoto sensitivo que só consegue se relacionar com duas pessoas vivas: o Sr. Prenderghast (Goodman), seu tio igualmente sensitivo, e o gordinho Neil (Albrizzi). Quando o tio morre, encarrega Norman de realizar o ritual que sempre fez a fim de proteger a cidade da maldição de uma bruxa executada no século XVIII. No entanto, Norman falha no processo, permitindo que sete cadáveres voltem do túmulo para aterrorizar a pequena cidade.

Ou “aterrorizar”. Sim, porque, devido a um lance inspirado do roteiro, logo percebemos que os mortos-vivos da maldição são menos ameaçadores que os do jogo Plants vs. Zombies – o que dá origem a uma insuspeita inversão das relações entre algoz e vítima que, embora não chegue a dar nome aos bois, refere-se claramente ao preconceito e, mais especificamente, ao fundamentalismo religioso, já que a vilã mostra-se um produto destes traços humanos – o que revela uma ambição temática inesperada para um mero passatempo. Já os outros comentários do filme surgem de forma mais descontraída, mas igualmente certeira, desde os mais leves – como o resmungo da irmã de Norman sobre “os nerds estarem no comando” (ver O Espetacular Homem-Aranha) – até os mais ácidos – como uma policial que dispara sem qualquer ironia para um cidadão: “Não pode atirar em civis. Essa é a função da polícia!”, o que acaba se estabelecendo (salvas as devidas proporções, claro) como uma espécie de “momento Dr. Fantástico” desse filme.

Crédito: divulgação.

No restante do tempo, porém, o roteiro peca por investir em convenções batidas, como o momento em que Norman, depois de ter uma visão assustadora sobre o que significa a maldição, avisa a todos do perigo histericamente, sendo ignorado – uma cena idêntica a outra de O Galinho Chicken Little (como se não fosse ruim já ter assistido essa coisa uma vez). Além disso, é decepcionante ver um filme que aposta em subtextos sutis empregar uma das cenas de discurso motivacional mais formulaicas dos últimos tempos (incluindo a artificial união de todos em torno do herói). Por outro lado, as referências a filmes de terror acertam pela economia (nas mãos da Dreamworks, Norman inevitavelmente soltaria um solene “eu vejo gente morta”), como a rápida aparição de uma emblemática máscara de hóquei e uma mão arranhando uma superfície como Freddy Krueger, entre outras. Ao invés disso, testemunhamos uma série de piadas que soam surpreendentes até para um projeto como esse: basta dizer que um cadáver humano não só é exposto, como também protagoniza uma cena bizarramente engraçada.

Voltando a provar a competência do estúdio Laika na produção de animações stop-motion (é o mesmo responsável pelo ótimo Coraline e o Mundo Secreto), ParaNorman acerta ao empregar o design dos personagens para indicar mais sobre eles, desde os secundários (como a professora colossal) até os mais importantes, como o pálido valentão Alvin e o irmão mais velho (e mais burro) de Neil cuja forma física avantajada reserva um insuspeito segredo – e duvido que seja coincidência Neil se parecer tanto com o garotinho Thurman do excelente Papai Noel às Avessas, já que ambos dividem várias características. Além disso, é feito um trabalho admirável na decoração dos ambientes (o quarto de Norman é quase um QG-zumbi) e nos efeitos de iluminação durante o tenso confronto entre Norman e a vilã Agatha no terceiro ato. E se o 3D do projeto soa descartável, os diretores merecem créditos pela condução da cena em que o protagonista caminha para a escola, ainda no início da projeção: sentindo-se plenamente confortável ao conversar com os mortos, Norman é assombrado pelos vivos que surgem incomodamente desfocados e massacrando o garoto na posição central do quadro (e a estranheza de seu dom é evidenciada por alguns planos do ponto de vista das pessoas normais, que mostram o garoto falando sozinho).

Mesmo excessivamente previsível e convencional em alguns momentos, ParaNorman sai ganhando em comparação às outras animações do ano – e só por botar os dedos num tema importante que alguns consideram tabu (podendo levar a maiores discussões entre os pais e os pequenos espectadores) sem deixar de divertir no processo já o coloca acima de idiotices como A Era do Gelo 4 e obras medianas como Valente. E, caso mantenha essa regularidade em seus projetos, a Laika pode se estabelecer como um novo nome forte a ser observado.

OBS: Os créditos finais fazem uma referência bacana ao estilo dos antigos filmes de terror. Após os créditos, há uma cena ilustrando a construção de um boneco para o stop-motion.

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