A literatura portuguesa tem nos brindado com excelentes autores nas últimas duas décadas. Estão lá no além mar escrevendo Inês Pedrosa, João Tordo, José Luís Peixoto e Miguel Sousa Tavares. Dentre esses novos autores portugueses, um deles se destaca de um modo particular: valter hugo mãe (ele prefere grafar seu nome assim mesmo). Em seus textos, ainda que todas as palavras estejam em letras minúsculas, sua escrita, ao contrário, possui um alto nível de elaboração comparável aos monstros sagradas das letras lusitanas, tais como Augustina Bessa-Luís, José Cardoso Pires, António Lobo Antunes e o mais conhecido aqui dos brasileiros, José Saramago. É em relação a este último que valter hugo mãe vai buscar uma sintonia digamos cromática, para não dizer temática, e isso porque seu texto é profundamente humano e social, ao mesmo tempo em que dança em ritmo por vezes hilário e nonsense. Esses pontos de aproximação à obra de Sarmago pode ser melhor notado em O apocalispe dos trabalhadores, livro lançado no Brasil pela Cosac Nayfi em 2013.
O apocalipse conta a história de Maria da Graça e Quitéria, duas diaristas (mulher-a-dia, em Portugal) que ao mesmo tempo desempenham a atividade de carpideiras profissionais nos velórios para os quais são contratados. As duas seguem lado a lado na ladainha dos dias, abraçadas a desilusões e desconfianças acerca dos homens, e nesse compasso de tristeza e dia a dia, elas acabam por cair de amores por quem não deveriam e, com isso, tentam mudar radicalmente o que pensam e o que esperam da vida. Suas vidas são insignificantes; seu horizonte, estreito. A humanidade deste relato, contudo, é crucial para a compreensão deste novo autor português, já bem conhecido dos leitores brasileiro. Este é, portanto, um romance sobre a força do amor e como ela se impõe como uma espécie de inteligência para salvar as personagens de sua condição de desfavor social e laboral. E nesse percurso pelo qual as duas faxineiras tem encontrar o amor e felicidade, elas vão ao mesmo tempo realização as perversidades sexuais do patrão (uma) e pulando de um amor a outro (a outra).
O mérito da escrita de valter hugo mãe está na ousadia pela simplicidade. Espécie de apocalipse ao avesso, os livros do escritor português valter hugo mãe sempre nos propõe um jogo de camadas entre o que pensando/imaginado/sonhado pelas personagens e aquilo que efetivamente elas vivem. Em O apocalispe dos trabalhadores, Maria da Graça tem o mesmo sonho todas as noites, de que alcançará uma graça qualquer. Seu sonho: que o senhor que para quem trabalha e que ela acredita está prestes a morrer deixe para ela o apartamento em que mora. É um sonho. Enquanto não alcança sua graça, vai agradando o patrão com pequenos favores sexuais. Como escreveu Almir de Freitas, “É nesse confronto de dois polos, da miséria com um anseio difuso de dignidade, que a ‘mulher-a-dias’ terá a sua ‘revelação’ – esta é a palavra que, de volta à origem grega, dá sentido ao ‘apocalipse’ do título”.
Espécie de relato sobre o trivial de nossas existência, passado na recôndita Bragança, este livro é um elogio à força dos que sobrevivem do trabalho e que por isso vivem a mendigar a dignidade junto ao próximo. Um romance sobre a esperança, sobre a espera de uma redençã. E ainda que ela não chegue, é possível a estes seres humanos descobrirem outros caminhos (menos óbvios) para alcançar a felicidade.
Boa leitura.