Unesco sugere salário mínimo a todos os trabalhadores da cultura

Thaís Seganfredo

Foto: Unesco/reprodução

O setor da cultura e da criatividade é responsável por 3,1% do PIB global e por 6,2% dos empregos no mundo. Ainda assim, faltam políticas que protejam os trabalhadores da área contra medidas autoritárias e contra a precarização trabalhista. É o que aponta o relatório Re|Shaping Policies for Creativity – Addressing culture as a global public good (Re/moldando políticas para a criatividade: abordando cultura como um bem público global), publicado pela Unesco esta semana.

O monitoramento foi implementado pela Unesco para apresentar os resultados da convenção de 2005 sobre promoção e proteção da diversidade cultural, assinada por 150 países.  Nos últimos anos, o estudo também ratificou a ligação entre cultura e desenvolvimento, através do monitoramento de 4 metas que se interseccionam com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs): apoiar sistemas sustentáveis de governança para a cultura, ampliar a mobilidade internacional entre artistas e trabalhadores da área, integrar a cultura em quadros de desenvolvimento sustentável e promover liberdades fundamentais e direitos humanos.

O estudo mostra que o setor foi um dos mais atingidos pela pandemia, com 10 milhões de demissões só em 2020. Para Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco, é preciso desenvolver políticas a longo prazo para responder aos desafios estruturais que foram agravados com a pandemia de covid-19. “Artistas e profissionais da cultura do mundo todo falaram sobre esse tema nos debates organizados pela Unesco. Eles chamaram a atenção para a necessidade de criar regulamentações que possibilitem aos artistas algum grau de segurança”, destacou. 

Algumas dessas medidas, diz o relatório, são a adoção de salário mínimo mesmo aos trabalhadores informais e o direito à aposentadoria. Isso porque além do colapso do emprego e da renda durante a pandemia, houve no geral um declínio do financiamento público à área. Mesmo em países com esquemas de segurança social direcionados para freelancers ou trabalhadores por conta própria (que constituem grande parte da economia criativa força de trabalho), uma proporção significativa de trabalhadores são inelegíveis para receberem ajuda, aponta o texto.

Nem mesmo a digitalização forçada da atividade produziu resultados consistentes, uma vez que, embora tenha ocorrido inovação e pioneirismo na área, muitas performances digitais adaptadas não atenderam as expectativas nem do público nem dos artistas. Ou seja, faltaram mais uma vez políticas para promover e proteger a diversidade de expressões culturais existentes. 

Liberdade artística e direitos humanos

O relatório da Unesco também abordou a necessidade de uma diversidade de veículos na mídia e teceu recomendações para garantir a democratização da comunicação: alocar orçamentos direcionados para a área e manter mecanismos transparentes e participativos, apoiar a mídia comunitária, investir em produção de conteúdo diversificado, garantir remuneração justa para criadores e ampliar o investimento público e mecanismos de suporte aos veículos.

Quanto à liberdade artística, um número significativo de países ainda não implementaram medidas de proteção aos artistas. Segundo o órgão, só em 2020 foram registrados 978 ataques contra trabalhadores da área, incluindo prisões, assassinatos e processos judiciais, um aumento de 20% em relação a 2017. 

Embora alguns Estados tenham alterado ou abolido leis que afetam a liberdade de expressão artística, permanece uma desconexão preocupante entre lei e prática de proteção. Segundo o estudo, sem liberdade  ou condições econômicas e sociais necessárias para sobreviver enquanto participam de processos criativos, os artistas não podem produzir obras de arte significativas. Para muitos artistas no mundo, não há onde relatar uma violação à sua liberdade de expressão.

O relatório também avaliou a desigualdade de gênero nos setores cultural e criativo, sem no entanto fazer um recorte racial e LGBTQIA+ da questão. A análise encontra obstáculos já que apenas 53% dos países signatários coletam regularmente dados sobre desigualdade de gênero no setor. Apesar da falta de dados sobre as mulheres na cultura e meios de comunicação, evidências sugerem que as mulheres permanecem sub-representadas em cargos de liderança, alerta o estudo.

Todo esse processo passa também pela reafirmação da cultura como parte do desenvolvimento. Segundo o monitoramento, pelo menos a nível municipal a cultura e a criatividade são cada vez mais vistos como ativos para desenvolvimento local, fomentando a economia, o crescimento e inovação. Entretanto, apenas 13% dos países signatários da Agenda 2030 – plano de ação que estabeleceu os ODSs – reconhecem a contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável. 

Ou seja, é preciso acelerar a inclusão do setor cultural no centro da agenda. Cultura e criatividade são amplamente subinvestidas para provocar a mudança de mentalidade e comportamentos necessária para enfrentar a crise climática. Os próprios setores culturais e criativos precisam acelerar sua transição para uma produção e consumo cultural sustentável, recomenda a Unesco. No geral, contudo, apenas 0,23% da ajuda financeira ao desenvolvimento é destinada à cultura e recreação.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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