Movimento pela liberdade artística denuncia censura a órgãos internacionais

Ester Caetano e Thaís Seganfredo

Ilustração: Mobile

Ataques virtuais, censura, assédio, intervenção policial, ameaça, intimidação. São várias as formas pelas quais a livre expressão artística vem sendo posta em xeque no Brasil nos últimos anos. As restrições vêm crescendo a partir do conservadorismo na ala cultural do governo Federal e com progressivas ameaças que afrontam a democracia e o Estado de Direito. Como reação ao retrocesso, um conjunto de organizações se uniu para criar o Mobile – Movimento Brasileiro Integrado pela Liberdade de Expressão Artística.

Entre as ações desenvolvidas pelo Mobile, estão o monitoramento das violações à liberdade artística e cultural no país, a criação de um registro público que dê visibilidade a essas violações e a criação de materiais de referência para pesquisa e advocacy na área. Qualquer trabalhador da cultura pode enviar denúncias relativas a censura e violações de direitos humanos que tenham sofrido à plataforma do Mobile. As denúncias integram o Mapa da Censura, que pode ser visualizado no site. 

O movimento é uma iniciativa das organizações Artigo 19, 342 Artes, LAUT – Centro de análise da liberdade e do autoritarismo, Rede Liberdade, Movimento Artigo Quinto e Mídia NINJA, com apoio da Samambaia Filantropia. Em Porto Alegre, o Nonada Jornalismo e o bar Ocidente participam como co-organizadores do lançamento.

Segundo Denise Dora, advogada e diretora do Artigo 19, os casos de censura constatados pelo mapeamento indicam que o cerceamento à liberdade artística no país é um fenômeno organizado e estruturado, uma vez que as violações não são pontuais e desconexas entre si. “É uma ação sistemática desenvolvida contra a liberdade de expressão artística e os direitos culturais no Brasil, que tem gerado censura e padrões de violações de direitos humanos a alvos preferenciais como os artistas e grupos culturais negros, indígenas, LGBTQIA+ e de mulheres”, explica.

A partir do mapeamento composto por dados coletados e analisados por uma metodologia própria, o Mobile visibiliza e denuncia esses casos em órgãos internacionais. A rede conseguiu uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos para denunciar os ataques à liberdade artística no país. A audiência ocorre no dia 14 de dezembro, com a presença de artistas arrolados como testemunhas de acusação. 

No twitter, o secretário de Incentivo à Fomento à Cultura, André Porciúncula, subestimou a audiência. “É uma piada. Grupelhos de esquerda alegam que cometi crimes contra a humanidade, terei que responder a um órgão internacional de direitos humanos. Parece que ao não liberar recurso público para a elite que monopolizava as verbas da Rouanet cometi crimes equivalentes aos de Pol Pot e Stalin”, declarou.

Porciúncula tem sido protagonista em diversas ações administrativas que prejudicam o andamento dos projetos culturais aprovados na Lei Rouanet, como o Nonada explicou neste editorial. Para Denise, “as portarias são os sinais claros de que a ação do governo federal serve para alimentar as hordas conservadoras que insuflam e justificam, por sua vez, a atmosfera de perseguição à classe artística e cultural. Não há nada programático, em termos de políticas e direitos culturais, nas medidas.”

O mapeamento do Mobile mostra que são vários os métodos formais que o governo vem utilizando para o cerceamento. Os principais são a censura administrativa (37% dos casos), medidas institucionais restritivas (32%), mas existem também casos de ação policial, censura judicial, legislação, ação discursiva, desinformação ou intimidação. “As ocorrências autoritárias servem simultaneamente ao escopo mais específico de combater expressões artísticas mais contestadoras, críticas, experimentais e à missão mais ampla de alimentar uma atmosfera de perseguição aos artistas, em uma lógica de manter a cultura como inimiga constante do governo, um adversário a ser combatido”, explica a diretora do Artigo 19.

Legislação ampara liberdade artística

Evento de lançamento do Mobile em São Paulo (Foto: Inês Bonduki)

Apesar da crescente perseguição, os artistas seguem amparados pela legislação. Segundo o Inciso IX, artigo quinto da Constituição Federal, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”  Como explica Denise Dora, “com essa norma, a Constituição determina ser plenamente livre a atividade intelectual em geral, em amplo sentido, e a produção das obras artísticas, assim como as obras científicas e de comunicação”, comenta a advogada. “A liberdade artística também está garantida pelo artigo 220 da Constituição. O dispositivo garante, de forma irrestrita, a manifestação do pensamento, da criação e da expressão”, completa.

Além disso, tratados internacionais como  a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e no Pacto de São José da Costa Rica (1969). Ainda assim, até mesmo a censura direta, ou seja, o cancelamento, alteração, interrupção e destruição de produtos culturais ocorre de forma cada vez mais frequente no Brasil, como mostram os dados do nosso Observatório de Censura à Arte

Não é raro, como mostram os relatos, que argumentos religiosos e morais sejam usados pelos mais diversos agentes censores (prefeitos, gestores, empresas, etc.) para justificar a censura. Estes casos, no entanto, também possuem jurisprudência que protege a liberdade artística, pondera Denise. “A Relatoria de Direitos Culturais da ONU reafirmou em informe recente que a diversidade cultural não pode ser invocada para violar, limitar ou relativizar outros direitos. Ou seja, que argumentos culturais, religiosos ou tradicionais não podem ser usados para minar direitos e justificar violações”, aponta.

Segundo a plataforma, “censura é qualquer ação organizada para interromper o livre fluxo de informação protegido pelo direito à liberdade de expressão feita geralmente, mas não exclusivamente, pelo Estado, com o consequente processo de avaliação, filtragem, cerceamento e proibição de sua circulação”. O Mobile traz um manual para ajudar as vítimas a identificar se sofreram censura e o que  fazer para se protegerem juridicamente. Saiba mais aqui. 

Mobile será lançado em Porto Alegre no Dia dos Direitos Humanos

No dia 10 de dezembro, considerado o Dia Internacional dos Direitos Humanos, o bar Ocidente (Osvaldo Aranha, 960) recebe o lançamento regional do Movimento Brasileiro Integrado pela Liberdade de Expressão Artística (MOBILE) em Porto Alegre. Com co-organização do Nonada e participação de diversos nomes da cena artística, o evento inicia às 18h. A entrada é gratuita.

O lançamento contará com uma roda de conversa sobre a censura às artes no Brasil, com a presença de profissionais da cultura como o curador Gaudêncio Fidelis, os cineastas Jorge Furtado e Ana Azevedo, a artista visual Zoravia Bettiol; a cantora Valéria Barcellos, a educadora Esther Grossi e o Grupo Cerco de Teatro. 

O ator e diretor Wagner Moura também participará com um depoimento online. Na ocasião, o rapper Rafuagi, fundador do Museu do Hip-Hop, lançará seu livro sobre Hip Hop, juventude de periferia e direitos humanos. 

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Jornalista engajada nas causas sociais e na política. Gosta de escrever sobre identidade cultural, representatividade e tudo aquilo que engloba diversidade.
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