Diversidade Sexual é tema de ciclo de debates na Fabico/UFRGS

Texto  Luana Casagranda e Thaís Seganfredo

Monólogo teatral e debate sobre humor e preconceito abriu a II Semana da Diversidade Sexual e de Gênero na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Ufrgs (Crédito: Gabi Paula)
Monólogo teatral e debate sobre humor e preconceito abriram a II Semana da Diversidade Sexual e de Gênero na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Ufrgs (Crédito: Gabi Paula)

“Olha bem pra mim – tenho cara de quem escolheu alguma coisa na vida? Quando dei por mim, todo mundo já tinha decorado a tal palavrinha-chave e tava a mil, seu lugarzinho seguro, rodando na roda. Menos eu, menos eu. Quem roda na roda fica contente. Quem não roda se fode.”

O monólogo teatral Uma Flor de Dama, criado em 2002 pelo ator e diretor Silvero Pereira, abriu, nessa segunda-feira (25), a II Semana da Diversidade Sexual e de Gênero promovida pelos alunos da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Ufrgs. Baseado no conto Dama da Noite, de Caio Fernando Abreu, o espetáculo intimista aborda uma noite na vida de uma travesti, que usa do tom confessional para levantar questões como preconceito, sexualidade e aids. A peça é uma obra do coletivo cearense As Travestidas, formado por atores, transformistas e músicos que trazem como temática central em seus espetáculos o universo Trans.

Acreditando no teatro como forma de transformação social, o grupo criou também o projeto BR Trans em parceria com a organização não-governamental SOMOS, a partir de um laboratório de vivência com travestis e transformistas. A peça, que deve voltar para os palcos porto-alegrenses em 2015, serviu de inspiração para os estudantes da Fabico criarem, em 2013, a Semana da Diversidade Sexual.

Aplaudido de pé pelas mais de 150 pessoas que lotaram o auditório da faculdade, Silvero mostrou que é possível fazer humor falando de sexualidade e diversidade sexual sem ridicularizar as minorias e reforçar preconceitos. O espetáculo foi o gancho para a mesa-redonda Tu Ri de Quê(m)?, que contou com a participação do ator e transformista João Carlos Castanha; da atriz e diretora do Terça Insana Grace Gianoukas; e do jornalista e pesquisador em gênero, sexualidade e comunicação Felipe Kolinski. O debate foi mediado pelo jornalista Vitor Hugo Xavier, apresentador do Programa Gay.

Tu Ri de Quê(m)?

(Crédito: Yamini Benites)
Mesa discutiu a questão de gênero e o humor (Crédito: Yamini Benites)

O debate começou com a exibição de trechos do documentário O Riso dos Outros, de Pedro Arantes, que traz opiniões diversas de comediantes sobre humor e preconceito. Em seguida, Grace Gianoukas iniciou sua fala, diferenciando os artistas dos humoristas que perpetuam preconceitos nas apresentações, a quem ela chamou de caça-níqueis. “Humoristas como o Danilo Gentili não são artistas, são marketeiros. Esses caras vão para o palco e acham isso transgressor, mas o que eles fazem é careta, reacionário e medíocre.”

Segundo ela, o artista, quando se apresenta, deve ter responsabilidade, já que o palco é também um espaço público de discussão. Nesse sentido, Grace idealizou o espetáculo de humor Terça Insana, com o objetivo de trazer os excluídos para os holofotes. “Criei a Terça Insana há 13 anos porque sempre me incomodou ver as minorias serem ridicularizadas.” Para a atriz, o humor é uma maneira de refletir sobre temas ainda não muito abordados na sociedade. “O humor é um K-Y que a gente usa para discutir temas que são tabu”, afirmou.

Questionado sobre como não perder o humor, João Carlos Castanha (travestida de sua personagem Maria Helena Castanha) respondeu que costuma fazer piada de si mesmo, porque não gosta de usar outras pessoas para fazer humor, como alguns comediantes que fazem piadas com pessoas da plateia. “Ridicularizo a mim mesma. Eu gosto de botar a minha cara a tapa.” Castanha é protagonista do longa-metragem homônimo dirigido por Davi Pretto, que traz a vida e a carreira do ator como tema. O filme, que foi exibido no Festival de Cinema de Berlim, ainda não foi lançado comercialmente e segue em cartaz em festivais de cinema do país.

Para ilustrar a discussão, Felipe Kolinski trouxe vídeos do grupo Põe na Roda – que ridiculariza as piadas feitas sobre homossexuais – e iniciou a discussão falando da geração de novos significados sobre o humor gay a partir da tomada do poder dessas minorias. De acordo com o pesquisador, a saída encontrada por grupos como o Põe na Roda foi justamente a subverter a forma como as piadas preconceituosas normalmente são feitas.

Um dos destaques da mesa foi João Carlos Castanha, travestida de sua personagem Maria Helena Castanha (Crédito: Yamini Benites)
Um dos destaques da mesa foi João Carlos Castanha, travestida de sua personagem Maria Helena Castanha (Crédito: Yamini Benites)

Felipe trouxe elementos de pesquisadores como Guacira Lopes Louro, autora do livro Um Corpo Estranho, que discute os binarismos impostos por uma cultura heterossexista. Com vídeos de performances de drag queens, o jornalista apontou que o papel da Drag Queen é fundamental nesse sentido, já que ela coloca em choque essas dualidades normativas, como homem/mulher, feminino/masculino, gay/lésbica. “A drag quando se monta não imita uma mulher, ela é uma hipérbole, um superlativo desse feminino”, diz.

O último vídeo exibido trouxe uma paródia musical em que três drag queens satirizam o papel do gay passivo na relação. “Até que ponto isso é subversivo?”, questionou Felipe, já que, apesar de ser um humor feito por uma minoria que é geralmente ironizada, ele dá continuidade às tradicionais formas de se fazer piada com gays, em que o ativo é colocado como o dominador e o passivo é visto como um subordinado.

Representações televisivas

Um dos assuntos mais discutidos na noite foi a representação dos gays na televisão. Os integrantes concordaram que a presença de um homossexual nas novelas é importante, pois fomenta uma discussão e dá visibilidade ao tema. No entanto, problematizaram sobre diversos aspectos, como o lugar do gay nesses programas, já que, na maioria das vezes, eles são usados como uma forma de humor pela maneira como se comportam.

Grace destacou que, por ser uma concessão do Estado, acha que colocar um gay sendo ridicularizado na televisão é um desserviço. Além disso, destacou que a forma com que isso é feito não contribui para aumentar a aceitação dos homossexuais por parte da sociedade. “Sim, eles (os espectadores) têm um motivo para falar. Eles falam, assistem, mas continuam renegando”, apontou.

Já Felipe levantou outras questões, como o fato de o beijo gay nas novelas sempre ser um beijo tímido. “É um beijo retraído, que acontece sempre depois do casamento. É um beijo de gays que têm família, que casaram. Ou seja, ainda é um beijo aprovado pela sociedade”. Ele aproveitou ainda para apontar que outras minorias, como travestis, nunca tiveram espaço em uma novela. “E o beijo das outras minorias? E o beijo das drag queens?”, questionou.

Castanha citou a série Pé na Cova, do Miguel Falabella, como um exemplo interessante, já que mostra essas minorias de uma maneira mais próxima e fiel do que a maneira estereotipada com que os gays são normalmente retratados nas telenovelas.

Público compareceu em peso ao primeiro dia de evento (Crédito: Yamini Benites)
Público compareceu em peso ao primeiro dia de evento (Crédito: Yamini Benites)

A II Semana da Diversidade Sexual e de Gênero da Fabico segue até quinta-feira (28) no auditório 1 da faculdade (Ramiro Barcelos, 2705), com entrada franca.

Confira a programação:

– Terça, dia 26

19h – CINEDEBATE – PARADA!

Movimento, resistência e história

– Exibição do filme “Before Stonewall” e conversa com os organizadores da 18ª Parada Livre de Porto Alegre – entre eles membros da ONG Nuances, Liga Brasileira de Lésbicas (LBL-RS), ONG SOMOS, G8-Generalizando e Criolos.

– Quarta, dia 27

19h – Mesa – VIVÊNCIAS LGBT

As diversas gerações e suas lutas

– Célio Golin (militante da ONG Nuances)

– Eric Seger (compõe o Instituto Brasileiro de Transmasculinidade e é bolsista do NUPSEX)

– Josi Morais (mulher trans* natural de Bento Gonçalves – é cabeleireira e vai contar sobre suas vivências e os desafios da transição)

– Thais Vargas (bombeira e estudante de psicologia)

– Quinta, dia 28

19h – Mesa – RELATOS FEMINISTAS

A pluralidade das lutas no movimento

– Marcia Veiga, professora e pesquisadora em gênero, como mediadora

– Maria Fernanda Salaberry (organizadora da Marcha das Vadias e da Rede Relações Livres)

– Daniela Dell’Aglio (integrante do grupo Putinhas Aborteiras)

– Geanine Escobar (Juventude Negra Feminina de Santa Maria – RS)

22h – CHINELAGEM DA DIVERSIDADE

Festa na sede do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFRGS no campus saúde (Ramiro Barcelos, 2600).

 

Compartilhe
Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
Ler mais sobre
Direitos humanos Entrevista

“A luta pela terra implica a luta pela cultura”: uma conversa com o coletivo de cultura do MST

Comunidades tradicionais Processos artísticos Resenha

Do ventre da árvore do mundo vem “O som do rugido da onça”

Coberturas Processos artísticos Reportagem

África(s) em cor, som e movimento

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *