Toren: uma jornada de crescimento dentro e fora do jogo

Nonada começa neste 2 de setembro uma promissora parceria com o programa GameRS, que vai ao ar toda sexta-feira às 11h ao vivo na Mínima fm. O programa traz entrevistas, informações e trilhas do mundo dos games. O conteúdo do programa será compartilhado aqui no site, começando pela entrevista com o Alessandro Martinello, desenvolvedor do game Toren. O jogo conta com um currículo respeitável: foi premiado com uma Menção Honrosa no Independent Games Festival, foi finalista na categoria Art Design no IndiePub e na premiação do Brasil Game Show. Recentemente, foi anunciado que, além de sair para PC, Mac e Linux, também estará disponível no Playstation 4. Tudo isso no início de 2015. Confira a entrevista:

Game vai sair para PS4 e tem previsão de lançamento no início de 2015 (Crédito: Swordtalles)
Game vai sair para PS4 e tem previsão de lançamento no início de 2015 (Crédito: Swordtalles/ Divulgação)

GameRS – Eu joguei o Toren em um evento da Unisinos em 2013, uma versão um pouco mais antiga, mas o que mais me marcou nessa ocasião foi o fato de que a personagem principal era uma criança que engatinhava. Foi o primeiro jogo em que eu pude engatinhar, depois apareceu o game Among the Sleep, mais recente que é justamente sobre ser uma criança, mas antes disso tem o Toren. Por que vocês decidiram pôr a infância no jogo e qual o sentido disso?

Alessandro Martinello – O tema principal do jogo é crescimento, então o diferencial, onde ele se destaca de tantos outros – tanto mecânica quanto conceitualmente –, é que você realmente vai crescer fisicamente no jogo. Você começa um bebê recém-nascido e vai terminar um guerreiro no auge da idade, com muito mais força. A cada diferente faixa de idade, vai mudar a mecânica do jogo. Isto é, vai mudar a forma como o player interage, e ele vai sentir o poder dele aumentando, crescendo com a personagem.

GameRS – O Toren tem um visual único, com cores quentes e saturadas, e um design inspirado em várias mitologias. Por que esse visual?

Alessandro Martinello – Bom, a gente gosta dessa temática de mundo antigo, de magia, mais estilo da série Senhor dos Anéis. Não o medieval, que eu acho meio enjoativo, que está caindo em desuso, está sendo trocado pelo cyberpunk, que vai ser a nova modinha dos games, eu acho. Nós escolhemos trabalhar, desde o início, com um lugar que parecesse um mundo fantástico, então, juntamos algumas civilizações as quais gostávamos do visual, como a Grécia antiga e o Egito. Só que a gente fez uma versão só nossa, com coisas que não existem. A forma como usamos as cores e as câmeras lembra o jogo ICO, a que todo mundo nos compara. Também porque, em um dos momentos do jogo, você é uma criança com uma espada, e o ICO e o Legend of Zelda, até então, eram os únicos jogos que tinham uma criança com uma arma em uma jornada. Então a gente não tem vergonha de usar essas referências, porque são jogos bem legais, e, assim, as pessoas já sabem o que esperar do nosso.

GameRS – No site do Toren, há uma referência há um poema. Que poema é esse?

Alessandro Martinello – É um poema que a gente mesmo criou e ele vai estar dentro do jogo. O poema conta a jornada de outro personagem. Nós não informamos nada para os jogadores sobre o porquê da personagem estar ali e o que ela está fazendo. O jogador, então, vai descobrindo devagar a missão dele dentro do jogo. Vai ter sempre algum tipo de conflito para ele se envolver, como todo jogo bom tem que ter, só que o sentido de ele estar ali vai se revelando aos poucos através desse poema, nas várias partes do jogo em que ele vai estar.

GameRS – O Toren me lembrou o gênero Point Click Adventure dos anos noventa: chegar em um lugar, ter que resolver um puzzle para avançar e ir para o próximo lugar, resolver o próximo puzzle, etc. E me lembrou o Journey também, da Thatgamecompany. Por que vocês escolheram essa jogabilidade?

Alessandro Martinello – Em primeiro lugar, nós pegamos o ICO como uma grande referência para a mecânica. Em segundo lugar, porque a cada mudança de idade da personagem, a mecânica vai mudando e isso era um jeito fácil de demonstrar que no começo  qualquer coisa pode ser um problema, porque ela é muito fraca e pequena. E, quando ela já é uma guerreira, esses problemas já podem ser resolvidos bem mais facilmente. O jogador vai se sentindo mais poderoso. Mas não é bem um jogo puzzle truncado, os puzzles são bem mais fluidos. A versão que você jogou talvez não estivesse tanto, só que na versão atual do jogo – nós testamos bastante – os puzzles estão sendo resolvidos bem rapidamente. Nós queremos que o jogador sinta a fragilidade no início e vá ficando mais forte do que necessariamente preso em um lugar. Tem até diferentes caminhos que você pode fazer para avançar, assim o jogador que ficar preso tem mais opções.

Jogo explora o crescimento de sua protagonista (Crédito: Swordtalles)
Jogo explora o crescimento de sua protagonista (Crédito: Swordtalles/Divulgação)

GameRS – O Toren é um jogo tropicalista? Tem uma frase do Tom Jobim no site de vocês: “O Brasil não é para principiantes”. Tropicalistas, como o Caetano Veloso, pegaram a guitarra elétrica e fizeram música brasileira, não aquela imitação do exterior. O Toren pega o computador e faz um jogo brasileiro e contemporâneo, afinal, não precisa ter índio para ser um jogo brasileiro? Ou não, a ideia é fazer um jogo que poderia ter sido feito em qualquer outro país?

Alessandro Martinello – A gente acredita que brasilidade, esse tipo de coisa, não precisa ser percebido. Hoje em dia não precisa mais. Teve uma época que precisava. E daí a gente faz um jogo como se fosse em um País qualquer, mas a pessoa que joga, principalmente estrangeiro, ela sempre comenta que tem um jeito ali, de como o jogo se apresenta, que lembra o Brasil. É mais ou menos nisso que a gente acredita: que automaticamente isso apareça, principalmente porque nós não estamos fazendo um enlatado americano, né…Não estamos seguindo um livrinho de regras padrão, de como fazer um jogo padronizado. A gente tá fazendo um jogo mais globalizado, porque hoje em dia, com a internet e o movimento indie, saem jogos mais estranhos, as pessoas estão querendo jogar jogos que não sejam dos Estados Unidos. Elas estão propícias a isso.

GameRS – Vocês mencionam influências do Miyakazi, do Studio Ghibli, de filmes como A Viagem de Chihiro. Tem alguma inspiração cinematográfica no jogo e qual seria?

Alessandro Martinello – Então, do Miyazaki é mais os gestos que ela faz e o tema, já que os seus filmes sempre contam sobre uma menina fraca no início e que se torna forte no final. É sempre uma jornada que sai do mundo comum e vai ficando fantástica. É nesse sentido que a gente tem essa inspiração. As pessoas costumam olhar só para o visual, e daí ficam procurando o Miyazaki no visual. Mas não é no visual que a gente se inspirou nele. É na temática e no jeito que a menina age no jogo.

GameRS – E o RPG, como indica o nome “Swordtales”? Vocês jogavam RPG de mesa, jogam ainda? Que influência teve o RPG como gênero para vocês?

Alessandro Martinello – Todo mundo que é desenvolvedor e que eu conheço jogava. Todo mundo aí é nerd e fazia coisas de nerd, quando adolescente. Nós jogávamos RPG de mesa sim, mas nos conhecemos adultos, nosso time ali nunca jogou um RPG de mesa juntos. O que a gente acabou jogando mais foram jogos de tabuleiros, como Zombicide, que a gente curtiu bastante jogar. O RPG de mesa a gente curtia porque, naquela época, demandava um tempo legal, e sempre ficava alguma coisa diferente. Todo mundo que jogou RPG de mesa acaba tendo uma base boa para ser design de jogos, porque é o que você tem que fazer como mestre no RPG.

GameRS – Como surgiu o contato com os compositores da trilha do Toren

Alessandro Martinello – Fomos convidados para participar de um concurso para escolher os responsáveis pela música no nosso jogo, organizado pelo evento Game Music Brasil. Acabamos batendo o limite de submissão, foram tipo duzentas e poucas músicas inscritas para concorrer. Esse pessoal que nós escolhemos não ficou nem entre os dez primeiros e tal, só que a gente achou a qualidade deles bem profissional, não parecia brasileiro como a gente costuma falar com a nossa síndrome de vira-lata aí daí chamou a nossa atenção pela qualidade mesmo. Eles são bem novos, e estão começando, mas estamos gostando bastante do trabalho.

GameRS – O que mudou nesse tempo de desenvolvimento do Toren? No começo não havia muito foco em combate, agora há?

Alessandro Martinello – Quando a gente começou o jogo, era uma espécie de point click 3D com estilo de jogabilidade própria. Só que daí, nos testes que fizemos, percebemos que sempre faltava alguma coisa. O cara gostava muito do início, mas com o tempo ia cansando. Então, resolvemos lotar mais esse mundo da torre e colocar mais coisas acontecendo. Uma delas são os bichinhos, os combates extras, além das boss fights. Eles dão mais dinamicidade ao jogo: podem te derrubar de uma ponte e você pode morrer.  Estão sempre interagindo com o cenário para lhe pegar. Então o jogador vai ter sempre que ficar tomando cuidado com eles, isso adiciona uma tensão bem legal ao jogo.

Direção de arte é um dos destaques de Toren (Crédito: Swordtalles/Divulgação)
Direção de arte é um dos destaques de Toren (Crédito: Swordtalles/Divulgação)

GameRS – Os desenvolvedores do Amnesia, aquele jogo de terror da Frictional Games, acreditam que nunca se deve tirar o controle do jogador, mesmo durante uma cutscene, porque o importante do jogo é a interatividade. E alguns jogos tentam consertar isso recentemente com os quick time events – que são bem odiados por alguns – e o Toren me parece que tem um bom número de cutscenes. O que você acha de cutscenes e quick time events e como isso aparece no Toren?

Alessandro Martinello – Bom, a gente odeia quick time events também, não achamos legal. O único jogo em que eu achei isso legal, foi o Resident Evil 4, e era interessante mesmo porque você tinha que ficar ligado no que acontecia na cutscene para não morrer. Depois disso, foi ficando cada vez mais sem significado, já não eram mais ataques surpresas ou nada desse tipo, eles realmente distorceram a ideia inicial. Essa escola de não ter cutscene eu acho legal, só que tem limite de formato aí, tem poucos jogos que fazem isso, e é até meio confortável da parte deles falarem isso. Não foi o pessoal da Frictional que inventou não ter cutscene em um jogo de fps, foi Half Life, eles apenas copiaram. Outros gêneros de jogos é difícil fazer isso, no nosso gênero de terceira pessoa, é praticamente impossível. Os melhores jogos que fazem isso, e que custam milhões de dólares, tentam disfarçar a cutscene para chegar no gameplay, como Metal Gear Solid ou Uncharted. Por enquanto ainda não se encontrou um modo de ter cutscene sem se limitar o que acontece no jogo.

O nosso jogo tem três ou quatro cutscenes no início e depois disso ele tem uma grande cutscene no meio e umas duas cutscenes na parte final. Ele não tem tanta cutscene assim, no início ele tem mais para apresentar ao jogador aquele mundo. A gente gosta muito do formato do Team Ico, que tem essa característica de ter três ou quatro cutscenes no jogo inteiro e todas elas em lugares que não interrompem a sua jogabilidade. É mais ou menos essa filosofia que a gente tá tentando, a de raramente ser interrompido, mas é uma limitação da nossa linguagem, tirando o fps e alguns outros gêneros de jogos, tá difícil não ter cutscene. Um jogo de terceira pessoa que eu gosto e não tem cutscene é o Journey, as poucas que eles têm são muito curtas e duram dez segundos, só que daí é um privilégio deles. É um tipo de jogo que não quer contar nada, e se for fazer assim na nossa linguagem teria que ser parecido, um jogo que não contasse nada, muito minimalista e abstrato. Já o FPS tá cada vez mais fácil de não ter cutscene.

GameRS – Vocês estão desenvolvendo o jogo há uns três anos, vocês não enjoaram de fazer o jogo? Não tem outras ideias e querem trabalhar em outra coisa?

Alessandro Martinello – Nós já estamos com outras ideias e até tiramos um tempo para começar a pensar e tirar do papel: estamos prototipando outros jogos, justamente porque a gente não aguenta mais olhar para esse e tal. Mas estamos garantindo tudo certinho com o Toren, um bom trabalho, né, mas é normal isso daí. Depois que passa de dois anos, você já fica bem enjoado do que está fazendo e tal. Mas um jogo da qualidade do Toren, normalmente é padrão da indústria lá fora demorar uns três anos.

GameRS – O Rami Ismail, da Vlambeer (Ridiculous Fishing, Nuclear Throne), sempre insiste na seguinte pergunta pros desenvolvedores: por que tu faz jogos?

Alessandro Martinello – É uma ótima pergunta. Acho que é a pergunta mais importante que o cara tem que responder, né. Eu faço jogos para fazer as pessoas descobrirem a história. Eu gosto de pegar um jogo e descobrir qual é a do jogo em primeiro lugar, eu gosto dos jogos que não me contam isso de cara. Por isso que é raro eu pegar um gênero shooter, em que quase não há história. Eu gosto de jogos em que tu vai descobrindo devagar o que é o jogo e vai se envolvendo com a narrativa . História não é necessariamente um monte de eventos e tal, Journey acho que é assim, e faz isso minimamente e muito bem.

Confira o último trailer lançado de Toren:

E escute o programa do GameRS, com a entrevista e muito mais:

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Jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada - Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras.
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