Virginia Woolf: da crítica ao riso

Texto Júlia Corrêa

A verve ensaística de Virginia Woolf em coletânea recém-lançada pela Cosac Naify (Crédito: Cosac Naify/Divulgação)
A verve ensaística de Virginia Woolf em coletânea recém-lançada pela Cosac Naify (Crédito: Cosac Naify/Divulgação)

Antes de se tornar uma autora clássica da ficção inglesa, Virginia Woolf (1882 – 1941) já produzia uma série de resenhas e ensaios para suplementos culturais de jornais londrinos. A escritora exerceria a atividade crítica durante toda a sua vida, paralelamente à produção de sua obra literária. O Valor do Riso e outros ensaios (Cosac Naify, R$52,00, 512 pg.), livro que reúne parte desses textos, foi lançado agora pela editora Cosac Naify, que já tem, em sua coleção Mulheres Modernistas, o volume Contos Completos e uma primorosa edição do romance Mrs. Dalloway.

Vale destacar o excelente trabalho do poeta e crítico literário Leonardo Froés, que se empenhou na tradução e na seleta dos ensaios – muitos deles inéditos no Brasil -, os quais se encontravam dispersos em outras antologias, inclusive em um volume organizado pela própria autora, The Common Reader.

Os 28 textos de O Valor do Riso abrangem diferentes fases da vida de Woolf: foram escritos entre 1905 e 1940.  Já as primeiras incursões no gênero revelam uma jovem literata, de linguagem refinada, com conhecimentos apurados sobre diversos autores. Algo raro no cenário de sua época, já que as mulheres caminhavam a passos lentos na área intelectual. É por isso também que ela mostra-se transgressora: além de obter espaço para exercer uma irretocável carreira literária, engajou-se na causa feminista, participando inclusive da reivindicação pelo direito das mulheres ao voto.

Woolf possuía plena consciência das transformações sociais que ocorriam em seu tempo. Em textos repletos de perspicácia, critica, por exemplo, o utilitarismo vigente na modernidade, o que podemos perceber no primeiro ensaio da edição, Músicos de Rua. Nele, a autora contrapõe o homem dedicado a suas “ocupações legítimas” aos artistas de rua. “É claro que, ouvindo música, você nada pode levar daí que lhe seja de serventia em seu dia de trabalho; mas um músico não é simplesmente uma criatura útil”, argumenta.

Os textos concentram-se, sobretudo, em questões relativas à criação literária. A autora propõe uma ficção transgressora, alheia às exigências e aos modismos da época. Woolf faz isso com um humor afiado, caso do ensaio Ficção Moderna, no qual ironiza o fato de que, nos personagens de autores de sua época, “achar-se-iam até o último botão de seus casacos vestidos pela moda em vigor”. Em outros ensaios, como Poesia, ficção e o futuro, Como se deve ler um livro e Mulheres e ficção, há mais tantas divertidas passagens como essa, as quais se mostram bastante atuais.

Retrato da autora por Roger Fry. Destaque na ficção, Woolf também escrevia ensaios e resenhas para periódicos londrinos
Retrato da autora por Roger Fry. Destaque na ficção, Woolf também escrevia ensaios e resenhas para periódicos londrinos

Woolf ainda tece elogios a autores como James Joyce, dono, segundo ela, de uma obra exemplar, pois seria capaz de transmitir o espírito invariável e as “miríades de impressões” de nossa mente. Jane Austen é outro exemplo que não escapa às suas análises: a ela, é dedicado um dos ensaios mais extensos do livro. Austen teria o dom de tornar um “ato corriqueiro de bondade cheio de sentido quando descrito por ela”. Por isso, na visão de Woolf, era a “mais perfeita artista entre as mulheres”. Outras figuras de destaque, não necessariamente ligadas à literatura, também têm seus perfis traçados, como Louise de La Vallière, amante do rei Luis XIX, e a atriz francesa Sara Bernhard; textos que podem ser lidos como uma prévia de biografias mais complexas que criaria posteriormente.

Engana-se quem imagina Woolf uma crítica inflexível. Sua sagacidade intelectual também abre espaço para interrogações no desenrolar de seus textos. Muitas das afirmações são imediatamente contrariadas pela própria autora, dentro de um constante jogo de tese-antítese. No fim das contas, o título da coletânea ressoa algum sentido: como reflete no ensaio que dá nome ao livro, o riso só existe graças à capacidade do homem de reconhecer as próprias falhas. E é aí que se encontra o ponto alto de seus textos de não-ficção: constituem uma forma inequívoca de diálogo com seus leitores.

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