A revolta está escrita. Em definitivo. Com esse registro radical, ideológico, magistral, trágico, até certo ponto escatológico, absolutamente político e bastante pungente o escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez criou uma obra-prima ao publicar, em 1998, Trilogia suja de Havana. O livro, uma reunião de escritos entre o conto, a crônica e o relato memorial, passou para a história da literatura latinoamericana como um livro corajoso, pois tornou-se um escrito frontal ao regime de Fidel Castro ao relatar a vida miserável em Cuba nos anos 1990.
Os textos de Trilogia suja de Havana carregam toda essa revolta política. Por vezes, em alguns relatos, ela aparece abertamente declarada, mas na maioria dos escritos – pura literatura – o componente político surge apenas no relato nu e cru da situação socioeconômica vivida pela população da capital Havana, isso tudo nos anos que seguiram à queda do muro de Berlim (1989) e o fim do apoio da antiga União Soviética à Cuba. Os relatos, depoimentos, registros (contos, crônicas, o que preferirmos) são todos focados no ser humano, apresentando a situação de miserabilidade de um ex-jornalista que faz de tudo para sobreviver. Ao seu redor, homens e mulheres (a maioria negros) vive em condições de miséria e fome, com falta de água e luz, amontoados em prédios prontos a desmoronar a qualquer momento. Sexo e drogas, muito rum e alguma música pautam os dias; mas são dias duros porque o regime ditatorial, ausente na infraestrutura e nas oportunidades reais de trabalho, está muito vivo e atuante na repressão policial aos cidadãos – em particular no ataque à massa de desesperados que em balsas mal arranjadas tentam fugir de Cuba cruzando o canal rumo a Miami, Estados Unidos. Aos que ficam: miséria, sexo fácil e alguns dólares conseguidos sabe-se lá como apenas para comprar um pouco de comida. Ou rum.
Pedro Juan Gutiérrez não é exatamente o tipo de escritor de meias palavras. Se em outros livros publicados depois Gutiérrez retorna à cidade de Havana e seus tipos, aqui na Trilogia suja temos o relato vivo de um ser eminentemente político, porém jamais panfletário. Bastante autobiográfico, o livro expõe muitos aspectos da vida particular do escritor, ele próprio perseguido ideologicamente pelo regime fechado e ditatorial de Cuba. Sem liberdade de expressão nos limites ideológicos da ilha comandada pelo ditador Fidel Castro, o autor alcançou projeção internacional em sua carreira como escritor a partir da publicação de Trilogia suja de Havana, e isso foi alcançado porque ele conseguiu compor tipos humanos em narrativas bastante duras e comoventes, nas quais os relatos são absolutamente verdadeiros da condição existencial de um homem médio, culto, branco que sobrevive na Havana daqueles anos de miséria, loucura e carência.
Em Trilogia suja de Havana, Pedro Juan Gutiérrez coloca o leitor diante de um dilema: admirar sua literatura ou amar Cuba sobre todas as cores, bandeiras ou carregamentos políticos? Independente de sua escolha, um ser humano existencial poderá ser encontrado em cada história, depoimento ou relato, presente em cada linha deste impressionante livro.
Boa leitura.