Mostra Internacional de Teatro de São Paulo: repensando o formato dos festivais

Texto Michele Rolim*

Senhorita Julia  é inspirada no texto de August Strindberg e realizada pelo grupo alemão Schaubühne (Crédito de Thomas Aurin)
Senhorita Julia é inspirada no texto de August Strindberg e realizada pelo grupo alemão Schaubühne (Crédito de Thomas Aurin)

A Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp) confirma, em sua segunda edição, ao que veio. Com um formato arrojado e um projeto curatorial diferenciado do que é feito na cena contemporânea, a Mostra começou no dia 6 de março e segue em cartaz até o próximo domingo, dia 15 de março, em dez espaços da cidade de São Paulo.

Voltada a montagens com caráter experimental e de companhias e diretores oriundos de culturas ainda pouco próximas aos brasileiros, a MITsp resgata os festivais que ocorreram no passado paulistano.  Destaque para o evento pioneiro proposto pela atriz e empresária Ruth Escobar: o Festival Internacional de Artes Cênicas, que cumpriu oito edições entre 1974 e 1999 e trouxe pela primeira vez ao Brasil companhias e diretores de prestigio internacional, como é o caso de Bob Wilson, presente na primeira edição.

Em meio a um cenário de crise financeira para este formato, no qual os orçamentos têm minguado devido à perda de patrocínio, a MITsp também se diferencia.  Neste ano atingiu o valor de R$ 3,28 milhões, ou seja, 15% a mais do que na primeira edição, que indicava R$ 2,85 milhões.

O diretor artístico Antonio Araujo, fundador do Teatro Vertigem, assina a curadoria em colaboração com o diretor-geral de produção, Guilherme Marques. Os dois são também os idealizadores do festival.

O pensamento curatorial deste ano transita por três eixos temáticos que dialogam entre si. O primeiro deles é sobre a relação teatro-cinema e as similaridades e repulsas que atravessam essas duas áreas. Com destaque para as únicas montagens brasileiras na programação. E se elas fossem para Moscou? e Julia (que já esteve no Porto Alegre Em Cena na edição de 2012), ambas com direção de Christiane Jatahy.

Opus nº 7, de Dmitry Krymov, apresenta perseguição de judeus soviéticos no regime de Stálin (Crédito de Natalia Cheban)
Opus nº 7, de Dmitry Krymov, apresenta perseguição de judeus soviéticos no regime de Stálin (Crédito de Natalia Cheban)

Outra vertente importante diz respeito às zonas de conflito bélico, explicitado pelo espetáculo da Rússia Opus nº 7, de Dmitry Krymov, sobre a perseguição de judeus soviéticos no regime de Stálin. O confronto entre Israel e Palestina também está representado pela montagem Arquivos, do israelense Arkadi Zaides, que utiliza filmagens de palestinos na Cisjordânia ocupada por judeus. Além de Woyzeck, do diretor ucraniano Andriy Zholdak, que se encaixa neste eixo de forma sugestiva, ao propor uma reflexão sobre “como alguém permanece humano em condições desumanas”. O texto da montagem, do alemão Geroge Büchner (escrito em 1836 e considerado inacabado), também dialoga com a última vertente: a de releitura de obras clássicas.

Este último eixo propõe uma adaptação e desconstrução bem contemporânea para dramaturgias consagradas. É o caso de A Gaivota, de Anton Tchékhov (1860 -1904), dirigida pelo russo Yuri Butusov. Assim como Senhorita Julia, inspirado no texto de August Strindberg (1849-1912), realizado pelo grupo alemão Schaubühne.

No entanto, a programação é apenas uma das atividades no MITsp. A Mostra coloca em pé de igualdade as obras apresentadas com as atividades reflexivas, críticas e pedagógicas.  A prática da critica está presente com a programação Olhares críticos, com curadoria de Silvia Fernandes e Fernando Mencarelli. Apostando em veículos eletrônicos, eles convidaram autores de blogs teatrais para escrever sobre a peça logo após a apresentação. No dia seguinte, a reflexão já está disponível para o público nos locais das sessões. Também é realizada uma reflexão de pensadores de outros campos. Já os encontros formativos envolvem workshops práticos, conferências, uma masterclass, um estágio de acompanhamento de montagem e entrevistas abertas.

Dessa forma, pode-se dizer que a MITsp é um alento para se (re)pensar o formato dos festivais, de propostas curatoriais, bem como a cena brasileira.

*A repórter Michele Rolim viajou a convite do Festival

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