A biografia do rap é cantada em Straight Outta Compton

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O NWA representava, no palco, tudo que os moradores de Compton sentiam (Crédito: Universal Pictures)

Straight Outta Compton – A História do NWA (Straight Outta Compton, EUA, 2015)

Direção: F. Gary Gray

Roteiro: Jonathan Herman, Andrea Berloff

Com: O’Shea Jackson, Jr., Corey Hawkins, Jason Mitchell, Aldis Hodge, Neil Brown, Jr., Paul Giamatti, Marlon Yates Jr., Corey Reynolds, Nate Ellington, Alexandra Shipp, Angela Elayne Gibbs, Bruce Beatty, Lisa Renee Pitts, Keith Stanfield, Keith Powers

 

Precisamos falar sobre rap. Sim, esse dia chegou. Hoje, o rap é um dos principais gêneros musicais no mundo, tanto na qualidade de artistas que apresenta quanto no número de pessoas que consomem as músicas. Esse é um dos motivos que pode levar muitos brasileiros aos cinemas para ver Straight Outta Compton – A História do NWA. Entretanto, nem todos amantes do rap conhecem o NWA logo de cara, mas certamente já ouviram falar em algum desses nomes: Ice Cube, Dr.Dre, Snoop Dogg, Tupac Shakur, e o melhor de todos GTA San Andreas. Todos estão diretamente envolvidos com esse grupo.

Compton, California, 1987. As drogas invadem os Estados Unidos de maneira fulminante. A recorrente violência domina os assuntos no rádio, televisão e jornal. E quem sofre mais com isso? Pobres, preferencialmente negros. Uma das formas que a violência mais se manifesta é através do tratamento da polícia com moradores de locais menos privilegiados. A cidade de Compton reflete essa realidade, sendo considerada na época o lugar mais perigoso do país. Assim começa o longa, contando a história dos três grandes nomes da trama. Eric “Eazy-E” Wright (Mitchell) vende drogas em Compton quando é surpreendido por uma invasão policial. Andre “Dr. Dre” Young (Hawkins) nasceu para música, um DJ que passa o dia ouvindo seus LPs. E O’Shea “Ice Cube” Jackson (Jackson Jr.), um jovem talentoso que põe tudo que vê no seu caderno de anotações.

Uma noite, Eazy-E resolve sair com seu amigo Lorenzo “MC Ren” Patterson (Hodge). Eles vão ao clube onde Dre, Cube e Antoine “DJ Yella” Carraby (Brown) tocam geralmente. Dre e Yella fazem parte do grupo electro de Alonzo (Reynolds), o World Class Wreckin’ Cru, mas nos intervalos, tocam rap. Cube se torna a estrela da noite ao cantar “Gangsta Gangsta”, fazendo todos se empolgarem, inclusive Eazy e Ren. Na saída, policiais repreendem três envolvidos numa briga na qual Dre estava por causa de seu irmão Tyree (Powers), e acabam prendendo o músico porque “podem”.

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Eazy-E era o líder do grupo (Crédito: Universal Pictures)

Na manhã seguinte, Eazy vai buscar seu amigo. Dre, que deseja viver de música, lhe faz uma proposta: abrir um selo, para que eles possam lançar seus raps. Depois de muito papo, o dinheiro que Eazy ganhou traficando se transforma na Ruthless Records. A ideia era que o grupo HBO (Homeboys Only) gravasse as letras de Ice Cube. Os integrantes do HBO não acreditam que a música de Cube vá fazer sucesso, debocham do rap e resolvem desistir. Sem opções, Dre, Cube e Yella incomodam Eazy para que ele cante, visto que foi ele quem investiu no projeto. Então, o envergonhado Eric vai encarar o microfone. Todos riem da falta de ritmo dele, o irritando. Era o momento certo para se tornar Eazy-E. Ficam só os dois no estúdio, o produtor Dr Dre na mesa de som e Eazy no microfone, o desafio era cantar “Boyz-n-the-Hood”. Portando seu óculos escuros, ele passa a acreditar no que está cantando. Dre se surpreende com o tom de Eazy-E e percebe que ali está nascendo algo de especial. “Boyz-n-the-Hood” fez sucesso nas rádios de Compton assim que foi lançada, chamando a atenção do empresário Jerry Heller (Giamatti).

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O’Shea Jackson Jr. ficou muito parecido com seu pai (Crédito: Universal Pictures)

Heller vê em Eazy-E sua forma de ganhar muito dinheiro. Conversando com o rapper, os dois acabam se acertando. Apesar de ser outro tipo de mercado, Eric sabia bem negociar. Eazy-E resolve fechar com Heller e diz o nome de seu grupo: Niggaz Wit Attitudes (Criolos com atitude). O empresário compra a ideia e consegue um agendar um show para divulgar seu novo cliente. Na apresentação, “Dopeman”, que conta a história de um traficante, leva os fãs à loucura. Um dos convidados de Heller era o produtor da Priority Records, Bryan Turner (Ellington). Impressionado com a influência do NWA em Compton, Turner assina com o grupo imediatamente, tendo como objetivo gravar um CD. Assim nasce o primeiro álbum do NWA, Straight Outta Compton.

Straight Outta Compton – A História do NWA é um dos melhores filmes biográficos dos últimos anos. O longa é fiel a diversas passagens da história grupo, como a relação de Eazy-E com Jerry Heller, a revolta de Ice Cube no meio do sucesso e a descoberta da doença que levou Eazy à morte. Além disso, muitas músicas são tocadas na sua forma original. “Fuck Tha Police”, “100 Miles and Runin'”, “Nuthin’ But A G’Thang”, “California Love”. Quem conhece os raps, pode sentir o momento em que cada um virá à tela. Destaque também para a atuação dos componentes do grupo, todos souberam viver as fases que o NWA passou. Da excitação que o auge causou, ao desgaste com as desavenças quase sempre presentes em grupos musicais. Paul Giamatti já virou especialista em atuar como empresário do showbizz, seguindo sua performance em Rock of Ages – O Filme. Apesar de não ser tão parecido fisicamente, Jason Mitchell soube interpretar o estilo chill-out de Eazy. A grande semelhança de Corey Hawkins com Dr.Dre são os olhos, que é uma marca do rapper. Mas nada se compara ao poder da natureza que podemos ver em O’Shea Jackson Jr. Tudo bem, ele é o filho do Ice Cube, porém o ator debutou de forma impecável ao exercer o papel de seu pai. 

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Em 1988, Ice Cube alertava como eram as pessoas de Compton (Crédito: Giphy)

As referências são muito fortes por todo o filme. O diretor F. Gary Gray ajudou a criar isso, pois também tem uma forte ligação com NWA. Gray estreou no cinema com Friday (Sexta-Feira em Apuros), um longa escrito por Ice Cube, em 1995. Nessa comédia, Ice Cube aumentou sua fama, e criou a expressão “Bye Felicia!” (que é usada até hoje por americanos) para ignorar mulheres. Em 1991, Cube fez seu primeiro papel no cinema em Boyz n the Hood (Os Donos da Rua), filme que contava a história de três amigos que cresceram em Inglewood, Los Angeles, enfrentando a violência de locais habitados por negros. O filme teve duas indicações ao Oscar de 1992, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original. E nome do longa foi influenciado pelo primeiro single de Eazy-E.

A contextualização foi um elemento muito usado. O NWA foi um dos grupos que marcaram uma geração, pelo estilo, pelo comportamento e por suas roupas. Entre as décadas de 1980 e 1990, começou a surgir o conceito de que ser negro significava se impor. O que o NWA fez foi exatamente isso, eles eram brutalmente verdadeiros. Pareciam não ter medo de nada. Os integrantes do grupo falavam que seu estilo musical era o reality rap (rap da realidade), só que muita gente começou a chamar de gangsta rap. Foi a forma de responder a tudo que acontecia na época. Se tratatando de roupas, os integrantes do NWA usavam peças esportivas, principamente do Oakland Raiders e Los Angeles Dodgers. Os Raiders ficaram eternizados como um time maldoso por causa do NWA, o documentário Straight Outta LA mostra isso. E o Dodgers é um símbolo da cultura negra por ser a primeira franquia da principal liga de baseball a ter um jogador negro, Jackie Robinson, em 1947.

Grand Theft Auto San Andreas talvez seja a maior referência brasileira ao NWA. Quem jogou, se lembra dos famigerados personagens que viviam em Los Santos. Não foi confirmado pela empresa responsável pelo jogo, a Rockstar, mas se fala bastante na influência do grupo de rap para com o jogo. Os personagens Ryder, Sweet e OG Loc seriam Eazy-E, Dr. Dre e Ice Cube, respectivamente. Além da trilha do game, que tem “Alwayz Into Somethin”, rap do segundo álbum do grupo Niggaz4LifeDurante as gravações do filme, Dr. Dre se sentiu inspirado e voltou para o estúdio. Como é retratado no longa, o rapper lançou seu primeiro álbum The Chronic , em 1992. Seu segundo trabalho saiu em 1999, intitulado 2001. E neste ano, Dre fez Compton, que reúne músicas inéditas e muitas parcerias que foram descobertas do próprio rapper: The Game, Eminem, Kendrick Lamar, entre outros. E para promover mais o filme na época de seu lançamento nos Estados Unidos, a Universal aderiu moda de personalização de avatar e criou o Straight Outta Somewhere. Na página, as pessoas podem representar suas cidades-natal no estilo NWA. A iniciativa foi um prato cheio para memes.

A misoginia foi deixada de lado

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Apenas o lado produtor de Dr. Dre foi retratado no filme (Crédito: Universal Pictures)

Straight Outta Compton – A História do NWA tem pontos negativos também. No longa, as mulheres são majoritariamente submissas e sexualizadas. Além disso, nem tudo que aconteceu com os integrantes do grupo foi contado. Inclusive, o filme não falou de um, o Arabian Prince. Membro original que saiu pouco antes do lançamento do primeiro álbum de estúdio. Outra história que não veio às telas foi a fama que Dr.Dre tem por ter agredido mulheres em sua vida. Em 1991, houve um caso com a rapper e jornalista Dee Barnes. Em uma festa, Dre bateu em Barnes pois – segundo ele – ela o humilharia em um programa de TV. Além desse caso, a ex-namorada de Dre e mãe de um de seus filhos, Michel’le, também fazia parte da gravadora Ruthless e denunciou o rapper por agressão. Durante as gravações do longa do NWA, ela foi notificada que não apareceria no filme. Em agosto de 2015, quando o filme foi lançado nos Estados Unidos, essas questões vieram à tona. Dr. Dre pediu desculpas publicamente e disse que não é a mesma pessoa de 25 anos atrás. A Apple, que comprou sua marca de fones (Beats), publicou uma nota de desculpas sobre o fato.

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Editor, apaixonado por Carnaval e defensor do protagonismo negro. Gosta de escrever sobre representatividade, resistência e identidade cultural.
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