O que você faria se descobrisse, pouco tempo depois da morte de seu/sua marido/esposa, vídeos que revelam um relacionamento extraconjugal do mesmo/mesma com um completo desconhecido? Você deixaria pra lá? Ficaria desacreditado do amor para o resto da vida? Buscaria o amante? Se vingaria? São tantas opções e, no turbilhão das emoções, fica difícil escolher a mais sensata. É nesse dilema que o personagem de Fernando (Fernando Alves Pinto) se encontra em Minha Amada Morta, vencedor de diversas categorias no 48º Festival de Brasília.
Escrito e dirigido por Aly Muritiba, o longa nos mostra o personagem tendo que lidar com a dor da perda e a depressão devido a morte da sua esposa. Paralelo a isso, ele precisa voltar à rotina diária, que inclui sua função como pai e fotógrafo da Polícia. Fernando passa dias revirando as coisas da esposa, dormindo em cima do vestido dela ou arrumando o guarda-roupa. Em um desses processos do luto, ele encontra diversos VHS com gravações da sua esposa tendo relações sexuais com outro homem.
Dessa forma, se antes o personagem se encontrava em um processo de luto, ele passa a concentrar toda a sua atenção e energia em descobrir sobre a relação extraconjugal da esposa. Logo ele se vê imerso na vida do amante, Salvador (Lourinelson Vladmir), um ex-detento que se transformou em crente fanático. A filha vive nas sobras do doutrinamento religioso do pai, mas leva uma vida escondida, na qual fuma e tem um relacionamento com um garoto. Embora, a princípio, o roteiro pareça ter falhas ao mostrar as ações de Fernando como aleatórias, isso na verdade só reforça o quão perdido o personagem se encontra, sem saber qual decisão tomar, seja se criando um vinculo de amizade com a filha ou tentando seduzir a esposa de Salvador.
Se no começo Minha amada morta tinha elementos do gênero drama, o diretor consegue transformá-lo em um suspense, ao passo que acompanhamos Fernando entrar na vida de Salvador e se ver cada vez mais imerso na situação e dividido a respeito de qual ação tomar. Com planos longos e uma montagem mais lenta, o Muritiba monta o clima de suspense e aflição, principalmente por dominar muito bem a movimentação dos atores ou por colocar Fernando, na maior parte do filme, imerso em sobras, além de uma montagem de ritmo mais lento, com planos longos.
Para isso, o ator encarna o personagem de forma sutil, com gestos delicados e naturais, e com pouquíssimos diálogos. Fernando não se deixa cair no melodrama e constrói, sem exageros, um personagem abalado. Assim como Lourinelson encarna um evangélico que parece estar ciente de que cometeu um pecado e arrependido de sua ação. Além do mais, Salvador não vem como uma figura de um nêmesis de Fernando, mas sim de alguém que, de uma forma ou outra, vai ajudá-lo a se desvincilhar da sua falecida esposa. Não é por acaso que seu nome seja Salvador. Além do mais, a interação entre os atores flui de forma orgânica, sem muito esforço, o que resulta em uma ótima química entre dois. Isso é percebido em uma cena magistral no meio do segundo ato, demonstrando não somente a força do elenco, mas também do diretor Muritiba.
Com isso, Minha Amada Morta se torna mais do que simplesmente um suspense psicológico: um filme sobre como cada um de nós lida com a dor do luto de formas diferente. Cada um tem seu tempo e seu processo de desapego, uns demoram mais que outros, ou preferem um caminho mais complicado. De uma forma ou de outra, sempre é difícil nos desvencilhar de quem amamos. Principalmente quando a ruptura é repentina.