Coluna Gemis – 33 contra uma. Até quando vamos duvidar da vítima?

Arte: Gemis
Arte: Gemis

Por Gemis – Gênero, Mídia e Sexualidade*

33 homens estupraram uma menina de 16 anos no Rio de Janeiro. Publicaram vídeos e fotos nas redes sociais, rindo, fazendo piada, se divertindo com a situação. Nenhum dos 33 homens parece ter se questionado se o que estava fazendo era errado, nenhum dos 33 homens tentou impedir os demais ou ajudar a adolescente. 33 monstros? 33 doentes? Não. Apenas 33 homens comuns, vivendo numa cultura onde o corpo da mulher é abjeto e o estupro é sempre relativizado para culpabilizar a vítima.

O caso é chocante. O seu desdobramento também. O estupro de uma menor por mais de 30 homens está sendo discutido pela delegacia de crimes de informática. O depoimento da vítima foi realizado em frente aos seus agressores. O delegado responsável pelo caso interrogou a menina, dias após sofrer o estupro coletivo, perguntando se ela teria por hábito fazer sexo em grupo. A maneira com que ela foi tratada gerou revolta e o caso de estupro foi finalmente encaminhado para a Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima. A sensação que fica é de que toda a luta das mulheres por atendimento digno em situações de agressão é uma ilusão.

O depoimento da jovem agredida, os vídeos e fotos que foram divulgados nas redes sociais, intensificando ainda mais o seu sofrimento, parecem não ser suficientes. O delegado afirmou não existir subsídios para pedir a prisão dos suspeitos nem para assegurar que houve realmente o crime de estupro. O caso vem sendo mais uma vez tratado como “suposto” estupro pelos principais jornais do país. Se a polícia questiona a vítima sobre suas práticas sexuais, em uma tentativa de inverter a culpa sobre o estupro, a mídia opera na mesma direção, colocando todas as provas contra os agressores em dúvida.

A cultura do estupro que vitima diariamente as mulheres é construída por diversas instâncias de poder e entre elas está a mídia. A publicidade utiliza seu corpo como objeto. O jornalismo duvida de sua palavra mesmo quando existem provas concretas da violência. A mudança dessa cultura deve partir da produção de novos sentidos pela mídia e da criação de espaços em que se possa questionar aquilo que está naturalizado em nossa sociedade. O primeiro passo é começar a compreender e tratar as coisas pelo que elas realmente são: violência, misoginia, poder e dominação.

Não podemos deixar de sublinhar que essa sociedade que se escandaliza com o estupro da menina do RJ é a mesma que silenciou o debate sobre desigualdade e violência de gênero nas escolas, desqualificando-o como “ideológico” – desde o kit anti-homofobia, em 2011, até a discussão do Plano Nacional de Educação, no ano passado.

Essa mesma sociedade que se pergunta, desesperada, o que podemos fazer para mudar essa situação, essa barbárie, acha exagero condenar o deputado que disse que sua colega “não merecia ser estuprada” e aplaude as piadas de Danilo Gentili e cia porque, afinal, são apenas “liberdade de expressão” e “humor”.

Já passou da hora da gente conectar essa materialização da violência com a nossa cultura e com a nossa parcela de participação na produção e reprodução dos estereótipos de gênero que levam à naturalização e banalização de diversas violências. Um estupro acontece a cada 11 minutos no Brasil. Pena que a gente só se permita discutir isso quando um caso bárbaro como esse vem à tona.

gemis*O Gemis – Gênero Mídia e Sexualidade tem como proposta a discussão sobre a produção jornalística relacionada as temáticas de gênero e sexualidade e suas implicações na construção da percepção social sobre estes sujeitos. O grupo escreve quinzenalmente no Nonada.

Compartilhe
Ler mais sobre
Comunidades tradicionais Processos artísticos Resenha

Do ventre da árvore do mundo vem “O som do rugido da onça”

Culturas populares Reportagem

Fotorreportagem: O Feminino Sagrado na Mitologia Africana

Processos artísticos Resenha

O negro se enxerga no palco em O Topo da Montanha