Ao dirigir o seu primeiro longa-metragem num gênero pouco tradicional do cinema espanhol, como é o da ficção científica distópica, o diretor José Skaf apostou alto. Vulcania (2015, 90 minutos) conta a história de uma comunidade de mineradores, formada por duas famílias que se mantêm isoladas de qualquer outra forma de vida, segundo ordenam os mandamentos escritos por seus fundadores: “nada existe além da fronteira”.
O filme inicia com uma sequência alternada de frases como esta, apresentadas na tela como citações do livro que organiza a vida comunitária, e as cenas de uma mulher e seu filho, que acabam ultrapassando a fronteira e morrendo na explosão de uma gruta, junto com dois outros homens da comunidade que estavam ali a confabular. A combinação de takes e frases com a trilha sonora percussiva e a fotografia da árida paisagem espanhola fazem dessa uma abertura promissora, à qual infelizmente, o restante do filme não corresponde. Nela compreendemos, de saída, as regras sob as quais estão submetidos os habitantes de Vulcania e o clima opressivo que elas condicionam. O controle social mantém as famílias unidas pelo dever de “manter vivo o fogo” e pelo desejo de “protegê-los da dúvida”. Isto é, de fazer com que cada membro siga a rotina de trabalho na mineradora – que é o centro orbital de Vulcania – sem cogitar qualquer outro modo de vida. Não bastasse isso, as famílias coexistem num nível clânico – os casamentos são consanguíneos, e as relações, portanto, incestuosas.
Não sabemos em que tempo vive esse grupo de pessoas, mas aos poucos descobrimos que por trás do aparente protecionismo está o interesse capitalista dos líderes de cada família, que garantem a manutenção das tradições e do confinamento dos trabalhadores, enquanto fruem da riqueza e da vida na cidade. Isso, porém, não nos é revelado em ações, mas em um diálogo que o herói do filme, Jonás (Miquel Fernández), acaba escutando depois de esgueirar-se secretamente para o escritório dos líderes.
Um pouco antes disso, Jonás havia encontrado um livro infantil, intitulado “A cidade”, em que ilustrações explicam o funcionamento da vida urbana. É por causa desse livro que ele começa a ir atrás das reais causas da morte de sua esposa e seu filho – aqueles personagens da cena inicial. Nessa jornada, acaba aproximando-se de Marta (Aura Garrido), cujo marido também havia morrido no episódio da explosão. Atento aos movimentos esquivos de Marta, Jonás descobre que ela é abusada pelo líder de sua família, Adam (Ginés Garcia Millán), e decide ajudá-la a fugir de Vulcania em busca da “cidade”. Por motivações que ainda não consegui compreender, José Skaf decidiu dar superpoderes ao personagem de Jonás, o qual desenvolve a capacidade de mover elementos metálicos com o poder da mente. Digo isto pois os poderes não são fundamentais para o desenvolvimento da trama, e ao invés de enriquecê-la, parecem um recurso subaproveitado e, por isso mesmo, dispensável.
A história da comunidade isolada do resto do mundo é uma das estruturas narrativas que carrega consigo temas arquetípicos da humanidade, como os limites e dilemas entre segurança e liberdade, comodismo e curiosidade, lar e aventura, família e sociedade. Vulcania trata disso com uma certa ironia ao apresentar “a cidade” como destino edênico, ao qual Marta deve fugir para ser mais feliz. O ponto fraco do filme não é essa estrutura temática, que ecoa, por um lado, filmes como “A Vila”, e, por outro, reflexões humanas tão antigas quanto a Odisseia. A mesma história pode ser recontada milhares de vezes e continuará interessante, desde que sua forma estética nos seduza: não é o caso deste primeiro longa-metragem de Skaf.
Os diálogos e interações entre as personagens são previsíveis, repetindo moldes de vilão, herói e mocinha indefesa, que deixam as personagens sem profundidade. Além disso, a obra possui erros de coerência narrativa, como o da cena final, em que, ao invés de usar seu poder para abrir a porta de ferro que separa Vulcania do resto do mundo, Jonás corre até a sala de controle para apertar um botão. A sensação ao fim do longa é que ele não consegue nem seguir a receita que faria dele uma ficção científica ou distopia convincente, nem ir além disso, provocando nosso olhar para outros elementos de sua composição.