As autoras e a escrita sem limitações da Modjaji Books

veredas-banner-300x300px (1)Tradução: Aline Vanin e Giulia Barão

No dia 18 de agosto, o Veredas publicou a entrevista com a sul-africana Futhi Ntshingila, autora do romance Sem gentileza (2016), lançado pela Dublinense. O livro foi publicado pela primeira vez em 2014, pela Modjaji, uma pequena editora independente localizada na Cidade do Cabo e que edita apenas mulheres. São publicados contos, romances, poemas, memória e não-ficção.

Interessado em seu trabalho, o Veredas quis conhecer a fundadora da Modjaji e publisher Collen Higgs, com quem conversou por e-mail. “Quando eu comecei a Modjaji senti que certos temas não estavam sendo publicados, assim como as mulheres negras não recebiam espaço”, conta a publisher ao blog. Inspirada pela deusa da chuva, Modjaji, força feminina que promove o crescimento, a vida nova e a regeneração, a Modjaji Books, criada em 2007, pretende preencher uma lacuna.  Como informa seu site, leva “a sério a escrita das mulheres do sul da África, criando um espaço para essas experiências e vozes, que podem não se encaixar nas limitações de mais editores tradicionais”.

Nesta breve entrevista, Collen, que também é escritora, explica o cenário do mercado editorial em seu país, a impressão estético-literária da literatura produzida na África, entre outros temas.

O Veredas conversou com a publisher Colleen Higgs por email (Foto: divulgação)
O Veredas conversou com a publisher Colleen Higgs por email (Foto: divulgação)

Veredas – Colleen, a partir de qual cenário do mercado editorial você decidiu criar a Modjaji Books, publicando apenas mulheres? Qual o significado desta experiência?

Colleen Higgs – Eu decidi começar Modjaji por uma combinação de fatores. Eu mesma sou escritora e sei o quão difícil pode ser para as mulheres e certos tipos de escrita encontrarem uma plataforma de publicação. Grande parte da minha vida, eu trabalhei com projetos sociais de desenvolvimento, a maior parte deles na área da educação. Meu último trabalho antes de iniciar Modjaji foi para o The Centre for the Book, que faz parte de nossa Biblioteca Nacional. Entre outras coisas, essa entidade faz a mediação entre o mundo da publicação e os escritores. Me deparei com algumas vozes estimulantes ao fazer este trabalho, e aprendi como a indústria trabalhava. Como minha maior experiência tinha sido na área da educação, eu tive que aprender como funcionava o trabalho editorial para poder fazer essa mediação com os nossos “clientes”.

Desde 1994, pós-apartheid, mas particularmente nos últimos 15 anos, houve um florescimento da escrita na África do Sul, porque os escritores são livres para escrever sobre qualquer coisa. No entanto, ainda existem as restrições do “mercado” e a África do Sul não oferece muito apoio para publicação e escritores, ao contrário de alguns países como o Canadá e os Países Baixos, apenas para citar dois exemplos. Mas é claro que estas são nações ricas desenvolvidas, e estamos em uma situação diferente aqui. Portanto, o mercado é receptivo, contudo, nossos nossos livros são caros, porque o público consumidor é muito pequeno, e também porque os orçamentos das bibliotecas têm efetivamente caído nos últimos 20 anos. Por isso, como um negócio, enfrentamos muitos desafios. O Estado também começou a fazer suas próprias publicações educacionais o que fez com que grandes editoras de ensino tivessem que apertar os cintos e até mesmo as gráficas fecharam, já que Estado utiliza a sua própria.

Veredas – É possível traçar o perfil de escritoras que chegam até vocês?

Colleen – Eu recebia cerca de 400 originais por ano, por isso desde o ano passado decidi usar a plataforma Submittable, como meio de submissão das obras pelos autores, e de modo a reduzir o período de submissão para apenas dois meses. Com isso nos recebemos cerca de 150 originais. Nós publicamos apenas mulheres da África meridional, isto é, escritoras da África do Sul e países vizinhos – Namíbia, Zâmbia, Zimbábue, Lesoto, Suazilândia e Moçambique.

Veredas Existe aí uma preocupação em dar espaço para a literatura produzida por mulheres negras, assim como há no Brasil?

Colleen – Certamente quando eu comecei Modjaji senti que certos temas não estavam sendo publicados, assim como mulheres negras não recebiam espaço. Nestes dez anos desde que comecei a empresa, isso mudou e, agora, há pelo menos duas mulheres negras que têm seus próprios selos editoriais (um deles é parte de uma grande editora e o outro de uma casa editorial independente).

Nenhuma dessas editoras têm foco nas mulheres. A proposta da Black Bird é editar escritores negros da África do Sul, e a African Perspectives também publica livros de outros países que falam a um público interessado na “história negra e suas realizações”. Diria que ainda há um número maior de pessoas brancas sendo publicado. Mas isso está mudando. 

Veredas –  Como funciona o processo de distribuição da Modjaji?

Colleen – Nós temos uma parceria com uma empresa chamada Blue Weaver – que trabalha com um grande distribuidor comercial. A Blue Weaver visita todas as lojas no país e apresenta nossos títulos. Em seguida, as lojas fazem a encomenda. Atualmente, para distribuição e controle de estoque, estamos usando a Booksite Afrika.  Nós recém começamos a trabalhar com esta empresa, já que o maior distribuidor da África do Sul fechou no fim de Julho. Na verdade, nosso mercado de publicação e impressão está passando por uma grande reviravolta nesse momento.

Livros publicados pela editora (Foto: divulgação)
Livros publicados pela editora (Foto: divulgação)

Veredas – As livrarias são receptivas às obras? São estabelecimentos que trabalham com segmentos específicos ou são comerciais?

Colleen – No início era um esforço garantir a presença dos nossos livros nas lojas, especialmente nas maiores cadeias de livrarias. Contudo, este ano, pela primeira vez, tivemos um título selecionado para uma promoção anual da HomeBru, que promove livros locais para os leitores Sul-Africanos. Nosso público leitor tem um histórico de se interessar principalmente por livros publicados no Reino Unido e nos Estados Unidos, por isso esse tipo de iniciativa é valiosa para os títulos locais.

Veredas A editora financia o livro das escritoras ou o investimento parte delas?

Colleen – Nós financiamos o processo de publicação. Em raros casos recebemos o financiamento de uma instituição, mas esta representa uma mínima parte do nosso orçamento total. Nós publicamos poesia, então se as escritoras trabalham na universidade e tem acesso a fundos através da dela, nós pedimos que busquem esse tipo de ajuda.  Recentemente nós também estabelecemos como parte de nosso contrato que nós não pagamos direitos autorais às poetas – todo o dinheiro que ganhamos através da publicação de poesia é revertido para o nosso fundo de poesia, de modo a poder publicar outras poetas e novas vozes.

Veredas – Colleen, a partir de suas experiências em feiras literárias, como a de Frankfurt, você percebe se existe uma ideia de “continentalização” da literatura africana da parte de críticos e mercado editorial estrangeiro? Ou seja, não enxergam a singularidade estético-literária de cada país da África?

Colleen – Penso que ambas as tendências são verdadeiras, isso depende da pessoa ou instituição. Aqueles que estão familiarizados com a África do Sul como um país, ou que têm laços conosco, entendem as especificidades da nossa história e cultura. Mas há também a tendência de compreender que “África é um país”. De qualquer forma, os nossos livros e escritores estão inseridos na conversa. Eu acredito que a publicação mais ampla de nossos livros em outras partes do mundo vai de alguma maneira mudar essas percepções.

Veredas – Como aconteceu a aproximação entre a Modjaji e a Futhi Ntshingila? O que você destacaria na escrita dela?

Colleen – Foi um enorme prazer publicar Futhi. Este é o segundo romance dela. Estou orgulhosa do que temos conseguimos alcançar com seu livro. Eu gosto da história que ela conta e da maneira que ela a conta, porque é uma história aparentemente “típica”, mas que está situada em um contexto particular, o qual Futhi detalha com tanto cuidado que o faz ganhar vida. Seu estilo de escrita é vivaz, e ela injeta calor e humanidade em um contexto onde as pessoas por vezes são “esquecidas” pelos setores importantes e mais ricos da sociedade.

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Jornalista freelancer na área cultural e graduanda no Bacharelado em História da Arte (Ufrgs) e escritora. É autora do livro de contos “Como se mata uma ilha” (Zouk, 2019).
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