Entrevista: Rafael Gloria e Thaís Seganfredo
O Nonada foi atrás de todos os candidatos para conversar sobre cultura e direitos humanos, temas que sempre são pouco explorados na maioria dos debates ou até em planos de governos. As perguntas foram as mesmas para todos e relacionadas a entender como cada candidato compreende a cultura e a forma como se deve trabalhar com os expoentes e agentes que formam a sua cadeia produtiva. Mas também como eles entendem a cultura em um sentido mais amplo, ligada aos costumes e à sociedade. Outro fator crucial para o Nonada também foi descobrir como pretendem tratar grupos identitários e se vão investir na mídia alternativa.
Todas as entrevistas estão disponíveis neste link.
Nonada – Qual o seu entendimento por cultura? E qual deve ser o papel do Estado no desenvolvimento cultural?
Flores – Cultura é aquilo que tem um pouco de criatividade, de arte, de ciência, enfim. E obviamente que o papel do Estado, na nossa concepção – queremos construir um governo socialista dos trabalhadores, apoiado em conselhos populares -, nós achamos que é preciso ajudar as comunidades, na periferia da cidade, a desenvolver o seu potencial e ao mesmo tempo dar vazão, mostrar isso para a cidade e para o mundo. Acho que essa é uma das funções que teríamos. E nós temos aqui na periferia da cidade uma rede de ensino muito qualificada, que pode dar um grande apoio nos processos de desenvolvimento da cultura, descentralizando a produção e dando oportunidade para que os filhos dos trabalhadores em geral produzam a sua arte, a sua cultura. Acho que é preciso desenvolver a cultura do hip-hop, do funk, essas manifestações todas. Inclusive tem uma escola musical, a Heitor Villa Lobos, que tem uma orquestra, ideia de uma professora. E nós temos colegas muito qualificados, com doutorado, mestrado, que podem desenvolver um trabalho muito bacana de colaboração nas comunidades. E os conselhos populares que nós queremos criar na nossa cidade.
Nonada – É possível realizar uma boa gestão cultural com um orçamento que não chega nem a 1%?
Flores – Olha, é preciso ampliar isso aí. Todas as coisas da nossa cidade têm um orçamento muito restrito naquilo que diz respeito aos trabalhadores e ao povo. Então eu acho que com certeza é necessário aumentar os recursos para essa área. E nós particularmente pensamos em fazer uma reorganização das finanças do município que garanta que se possa investir da saúde, da cultura, na educação, a partir do seguinte: rearranjando o IPTU, transformando ele num IPTU progressivo, que as grandes propriedade, principalmente aqueles vazios urbanos, os grandes conglomerados que são colocados para a especulação imobiliária. Os grandes proprietários, os grandes especuladores da nossa cidade deverão pagar um imposto maior do que aquelas pessoas que têm uma residência para sua família morar. Por outro lado, é necessário a gente suspender o pagamento da dívida federal, que é mais de 1 bilhão já e acabar com as isenções para as grandes empresas. Tem empresa que não paga IPTU e nós precisamos acabar com essa farra da especulação imobiliária na capital e, com isso, ter dinheiro para poder investir na saúde, na educação e inclusiva na área cultural.
Nonada – Os cinemas alternativos, como a Sala P.F Gastal de Porto Alegre, têm passado por dificuldades, inclusive com fechamentos temporários por falta de funcionários. Há problemas em diversos teatros também. Como resolver essa situação?
Flores – O governo municipal, com o governo do Estado, que também tem interferência nestas questões, deveria estabelecer um projeto de retomada, de revitalização, sem parcerias público-privadas, com financiamento exclusivamente dos recursos públicos.
Nonada – Apesar de existirem 23 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, as políticas públicas de acessibilidade cultural ainda engatinham. O senhor pretende incluir o direito das pessoas com deficiência de terem acesso à arte na sua gestão? De que forma?
Flores – Com certeza, como espectador e também como produtor, no sentido de ter oficinas com pessoas especializadas, concursadas pelo município, que possam oferecer essa oportunidade. E obviamente, nas questões físicas de acessibilidade, tem que ter um investimento do poder público.
Nonada – Qual é a sua opinião sobre os espaços culturais públicos e as parcerias com as empresas privadas?
Flores – Nós somos contrários às parcerias público-privadas, entendendo que isso é uma maneira de drenar recursos públicos para a iniciativa privada. Nós pretendemos reverter esse processo, retomando o controle do município sobre os espaços públicos da nossa cidade e controlados pelo conselho popular.
Nonada – Como vê a relação entre cultura, segurança pública e ocupação de espaços públicos?
Flores – Sem dúvida nenhuma. Eu acho que tem toda uma relação entre a segurança pública e a ocupação de espaços públicos. Por exemplo, na periferia da cidade, que é um lugar onde, no geral, a segurança é mínima, não existem espaços inclusive. E a iluminação, se tiver alguma atividade à noite, pior ainda. Então, acho que é preciso também pensar a cidade, pensar os bairros populares de tal maneira a dar condições para que as comunidades tenham espaços públicos disponíveis para serem utilizados inclusive à noite. Isso a gente pretende fazer em colaboração com as escolas municipais um projeto que resolva esta questão, até porque nós temos um plano de obras públicas para a cidade que, ao invés de transformar a cidade num canteiro de obras ou pra copa ou pra especulação imobiliária, nós iremos fazer um processo de reforma urbana, de tal maneira que construísse moradias populares para as pessoas que moram na periferia, fazendo um planejamento de cada um dos bairros da cidade. Para as pessoas que não têm onde morar, que moram mal, estão em situação irregular, de tal maneira que as pessoas tenham o mínimo de infraestrutura e condições dignas de existência na nossa cidade. Isso significaria, nesse plano de obras públicas, construir moradias, escolas, hospitais, postos de saúde, obras de infraestrutura e saneamento básico. Esse plano envolveria uma empresa municipal de obras públicas oriunda da expropriação das empreiteiras, das construtoras e das incorporadoras, principalmente aquelas envolvidas na Operação Lava-Jato.
Nonada – Os artistas de rua se sentem pouco valorizados pela sociedade e muitos vivem hoje em ocupações, como a Saraí e a lanceiros negros, em função de não terem um local específico destinado a abriga-los. Existe a intenção de trabalhar esta realidade?
Flores – Pois é, acredito que o espaço público tem que merecer esse nome. Ou seja, as pessoas têm que ter a liberdade de poder expressar sua arte onde for necessário. Claro que levando em consideração que, muitas vezes, os grandes comerciantes não gostam do barulho e, na verdade, a gente tem que ver com outro olhar. Essas pessoas estão ali dialogando com a população que circula especialmente nas vias centrais. Obviamente isso não pode ser uma coisa que seja exagerada que atrapalhe as pessoas. Mas não é preciso a repressão. É preciso diálogo.
Nonada – Quais políticas o senhor pretende adotar com relação aos direitos das mulheres e do público LGBT?
Flores – Em primeiro lugar, precisa haver uma campanha de parte do poder público municipal em defesa dos direitos das mulheres e dos LGBTs, porque são setores da nossa sociedade que são amplamente discriminados, assim como os negros. Um dos aspectos dessa política seria abrir o debate nas escolas sobre esses temas. E, claro, é preciso o governo dos conselhos populares apoiarem as mobilizações desses setores. A questão da aplicação efetiva e verdadeira da Lei Maria da Penha, de garantir o atendimento às mulheres que são agredidas – e não são poucas -, eu acho que são coisas que precisam ser implementadas e defendidas pelos conselhos populares. Esses conselhos populares seria assim: os trabalhadores de Porto Alegre, nas fábricas, nos bancos, nos supermercados, nos canteiros de obras, nos bairros populares, nas escolas, elegeriam os conselheiros não só regionais mas também um conselho geral da cidade, que seria o próprio governo. Algo em torno de, por exemplo, 400 pessoas, que se reuniriam uma vez a cada dois meses e que decidiriam as políticas do governo, ao qual o governo eleito se subordinaria. Esse conselho indicaria e destituiria a qualquer momento os secretários municipais e definiria as políticas, inclusive esse plano de obras públicas. É óbvio que eu acho que deveria ter, neste conselhos para comandar a cidade, os setores oprimidos, representados por seus movimentos, como o movimento das mulheres, os LGBTs o movimento negro. Não seria como hoje, votar 1% do orçamento ou 10% que já vem pronto da prefeitura. Seria tudo, que é mais do que 100%. definir a política, o que fazer e os recursos necessários.
Nonada – Sabe-se que muita da verba publicitária da prefeitura vai para os veículos de mídia hegemônica. Se eleito, o senhor pretende fazer algo pela democratização da mídia e pelo incentivo ao jornalismo alternativo?
Flores – Com certeza. Eu acho que a grande mídia de Porto Alegre precisa ser fiscalizada e democratizada. Os conselhos populares, certamente, em colaboração com os funcionários dessas empresas, deveriam ter um controle sobre a veiculação e a programação. Por um lado, porque os conteúdos ali são obviamente tendenciosos, defendem um lado da sociedade. Só com muita luta se consegue alguma… há uma desigualdade na divulgação, e por outro lado, é preciso rever todos esses contratos existentes de publicidade. Verificar inclusive a licitude desses processos e pensar num passo mais além de constituir uma mídia estatal, em colaboração com os estados e com o governo federal, uma mídia que tenha igualdade de divulgação, programações alternativas. A mídia alternativa existente aí tem que ser incentivada.