Maurício Dziedricki: “Não é preciso dinheiro público para fazer cultura”

Maurício Dziedricki é o candidato do PTB ao pleito municipal (Crédito: PTB/Divulgação)
Maurício Dziedricki é o candidato do PTB ao pleito municipal (Crédito: PTB/Divulgação)

Entrevista: Rafael Gloria e Thaís Seganfredo

O Nonada foi atrás de todos os candidatos para conversar sobre cultura e direitos humanos, temas que sempre são pouco explorados na maioria dos debates ou até em planos de governos. As perguntas foram as mesmas para todos e relacionadas a entender como cada candidato compreende a cultura e a forma como se deve trabalhar com os expoentes e agentes que formam a sua cadeia produtiva. Mas também como eles entendem a cultura em um sentido mais amplo, ligada aos costumes e à sociedade. Outro fator crucial para o Nonada também foi descobrir como pretendem tratar grupos identitários e se vão investir na mídia alternativa.

Todas as entrevistas estão disponíveis neste link.

Nonada – Qual o seu entendimento por cultura? E qual deve ser o papel do Estado no desenvolvimento cultural?

Dziedricki: Cultura é toda forma ou toda manifestação de produção dentro da música, do teatro, da poesia, da literatura, do cinema, de ideias e de um intercâmbio de algo que possa modificar a vida das pessoas através do espaço lúdico. Mas, também, por trás de toda a cultura, de toda a cena cultural de Porto Alegre, existe na minha interpretação e na forma como eu já atuei no governo do Estado, uma indústria, uma cadeia altamente produtiva. E isso é uma manifestação que faço porque eu, quando era secretário de Economia Solidária e Apoio à Micro e Pequena Empresa do Rio Grande do Sul, criei o microcrédito musical. Ele ajudava bandas independentes e pessoas que buscavam recursos para financiar os seus trabalhos para que pudessem contratar estúdio, locar iluminação, produzir e lançar discos. Era uma garantia para a valorização dessa indústria produtiva. Isso faz com que, Porto Alegre, que tem uma cena cultural incrível possa, no nosso governo, ter uma interpretação que, investir em cultura, é desenvolver Porto Alegre, independente de qual forma de manifestação que venha a ser a expressão cultural.

Nonada – É possível realizar uma boa gestão cultural com um orçamento que não chega nem a 1%?

Dziedricki – É possível sim. Não precisa fazer cultura com dinheiro público. A minha interpretação de investimento em cultura é readequar e reagrupar a cena porto-alegrense. O microcrédito, por exemplo, não era dinheiro público. Era um canal de financiamento de empresas. Por ter recursos com taxa de juros tão baixa (menor do que a taxa de juro da poupança), as pessoas se viabilizavam independentemente dela. Ora, não que necessariamente precise ter dinheiro público para tudo. Muitas vezes a gente vê dinheiro público canalizado através da Lic e através da Lei Rouanet indo pra grandes empresas, grandes artistas, como Cláudia Leite, como Detonautas… e a cena independente sofrendo. É esse reajuste, essa readequação que a gente precisa trazer pra Porto Alegre. Pode se fazer cultura sem ter recurso. Agora, a nossa pretensão aqui é fazer com que as pessoas possam ter esse modelo colaborativo diferenciado com a prefeitura.

Nonada – E no que se refere à descentralização da cultura?

Dziedricki – Ah, sou completamente favorável. Há dezessete regiões bem claras em Porto Alegre pra mim. E desde a parte de brinquedos para as crianças, de integração e atividades lúdicas, até a possibilidade da gente ter um palco pra recepcionar bandas independentes, identificar quais são as expressões que cada comunidade está apresentando. Nós temos, em Porto Alegre, um estúdio que se chama Geraldo Flach, que não gravou nenhum disco, mas que pode ser um grande catalizador dessas indústrias, dessas bandas e dessas manifestações.

Nonada – Os cinemas alternativos, como a Sala P.F Gastal de Porto Alegre, têm passado por dificuldades, inclusive com fechamentos temporários por falta de funcionários. Há problemas em diversos teatros também. Como resolver essa situação?

Dziedricki – Primeiro devemos fazer com que a população invista nas atividades locais. A população prefere muito mais ir ver, ir prestigiar um filme internacional, uma banda de expressão nacional, do que valorizar a nossa própria cena. E existem já casas, locais, que tem adequação. Elas não abrem as portas porque não tem público pra isso muitas vezes. O que a gente tem que consolidar é que se não tem um interesse comercial nisso, que a gente tenha interesse público de ocupar os espaços públicos com cultura. E eu faço um exemplo que muitas vezes a gente “ah, não se valoriza a cultura aqui” mas é um problema mundial isso. Recentemente teve um vídeo que viralizou na internet de um dos principais violinistas do mundo tocando no metrô de Nova Iorque. Poucas foram as pessoas que pararam para assisti-lo. O que a gente tem que fazer é com que o porto alegrense valorize a cultura daqui pra daí poder construir a musculatura para que haja interesse comercial.

Nonada – Apesar de existirem 23 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, as políticas públicas de acessibilidade cultural ainda engatinham. O senhor pretende incluir o direito das pessoas com deficiência de terem acesso à arte na sua gestão? De que forma?

Dziedricki – Eu sou autor de uma lei na Assembleia que garante meia entrada pra deficiente. Está tramitando lá na Assembleia uma lei sobre isso e eu penso que é justo, é devido. Muitas vezes, não há só falta de locais com acessibilidade – que é uma exigência já da municipalidade -, mas também a falta de acolhimento a eles nas casas. Mas eu quero mais do que nunca que a pessoa com deficiência, com uma dificuldade, com uma limitação, possa ter os mesmos direitos que qualquer porto-alegrense tem.

Nonada – Qual é a sua opinião sobre os espaços culturais públicos e as parcerias com as empresas privadas?

Dziedricki – Não vejo problema. Inclusive sou credor de que parceria pública e privada, desde que dialogada com a comunidade e que tenha contrapartidas sociais, pode ser justificada. Até porque a minha ideia é trazer para a cidade um grande centro de convenções, onde a gente possa reunir diferentes profissionais para aproveitar o valor de ser a terceira capital em atração de turismo de negócios do País. Tem que valorizar isso.

Nonada – Como vê a relação entre cultura, segurança pública e ocupação de espaços públicos?

Dziedricki – Basicamente o que eu já disse. Eu sou completamente favorável a ocupação artística. Eu, além de ser ritmista do Estado Maior da Restinga, participo do carnaval, e sou um dos apoiadores da Banda da Saldanha, que pra mim é um marco que mostra coisas de raiz de Porto Alegre. Eu prestigio tudo o que é da cena local. Desde o rock até as festas. E eu não tenho tido muita oportunidade de acompanhar a literatura e poesia, mas é uma coisa que tem muita força em Porto Alegre. E muitas vezes essa simples poesia está em  um grafitti, em um lambe lambe, que também são cultura.

Nonada – Os artistas de rua se sentem pouco valorizados pela sociedade e muitos  vivem hoje em ocupações, como a Saraí e a lanceiros negros, em função de não terem um local específico destinado a abriga-los. Existe a intenção de trabalhar esta realidade?

Dziedricki – Isso não tem nada a ver uma coisa com a outra. A gente tem que saber distinguir muito bem. Eu penso que pra questão da habitação é preciso se organizar nos devidos canais de relacionamento com a prefeitura. Os artistas têm que viver a cidade. A cidade exige regra. Regra para poder ser um artista de rua e poder ter autorização. Não tenho problema em conceber que a prefeitura autorize o espaço público desde que regrado. Mas com a questão deles morarem em ocupação, primeiro, que a questão da habitação popular, que é uma pauta importantíssima da cidade, tem regras e tem que se adequar às regras.

Nonada – Quais políticas o senhor pretende adotar com relação aos direitos das mulheres e do público LGBT?

Dziedricki – Pretendo construir política pra cidade. Política dialogando com todos. O gênero da mulher é um gênero que eu tenho o maior carinho, o maior respeito, e atuo em muitas ações com elas. Eu fiz o Microcrédito Lilás. Era um microcrédito que incentivava as mulheres a buscarem independência financeira e autonomia através da valorização da geração do emprego e renda, através de produção. Do público LGBT, a mesma coisa. O respeito tem que ser igual. Não que tenha que se sobrepor a qualquer outro, mas de mim vai ter uniformidade de tratamento nas semelhanças e desigualdade nas diferenças. Ou seja, vai nivelar as coisas que precisam ser niveladas.

Nonada – A cultura negra sempre foi muito forte em Porto Alegre,  embora com pouco incentivo. Existe intenção de valorizar essa cultura?

Dziedricki – Bem, tá expresso, eu faço parte da cultura. Entendeu? Eu faço parte da Banda da Saldanha, faço parte da Restinga, faço parte de muitos movimentos que fazem, que querem a política de inclusão, de respeito, a todos os gêneros, inclusive, a negritude.

Nonada – Sabe-se que muita da verba publicitária da prefeitura vai para os veículos de mídia hegemônica. Se eleito, o senhor pretende fazer algo pela democratização da mídia e pelo incentivo ao jornalismo alternativo?

Dziedricki – Há limites legais pra concessão de publicidade. As rádios comunitárias basicamente não conseguem ter recursos públicos pra atividade econômica. Agora eu pretendo sim publicizar o emprego do recurso público pra publicidade e isso transforma e educa melhor sobre a forma de se usar. Isso é um projeto que já tramitou na Assembleia também, não sei em que situação se encontra. Mas ele dizia que cada anúncio feito pelo poder público deveria ali ter o valor que foi gasto, foi investido, pra mostrar pro cidadão onde é que tá indo o dinheiro do tributo dele.

 

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