A liberdade musical é gritada pela Boca de Curumin

por Guilherme Jaeger

A música do Brasil vive um momento de expansão. Artistas como Anitta e MC Bin Laden, por exemplo, aumentam seus horizontes no cenário pop mundial com êxito. Mas deixemos a superfície. Nesta resenha, o papo vai para o subsolo. Pois bem, o que tem de bom lá? Muita coisa, aparentemente. Caras novas surgem a todo instante, fazendo sons de mistura e genre-bending. Tantas, aliás, que a icônica Elza Soares resolveu se juntar à turma e lançou, em sua 34ª obra de estúdio, um dos álbuns mais experiementais do ano de 2015. E se esta cena agora tem cada vez mais espaço, é porque caras como Curumin estão há anos trabalhando em conceitos musicais únicos e inventivos.

Para que você saiba com quem está lidando: são 12 anos de carreira dedicados à união de sons com um sabor brasileiro e pegada eletrônica, além daquele leve, bem leve, flerte com melodias pop de cross-over que entram e saem de suas composições. Um músico que padroniza sons improvisados e naturaliza efeitos eletrônicos. É nesta dicotomia que o som de Luciano Nakata Albuquerque vive. E Boca, lançado no dia 2 de junho, mostra como a jornada deste veterano consiste em criar mais e mais avenidas para a liberdade de sua expressão.

Seu álbum mais livre conceitual e sonoramente começa com “Bora Passear”, uma das faixas mais autoexplicativas, um convite à exploração de uma jornada inconstante. Ao falar sobre o álbum para o site Trabalho Sujo, Curumin expressou a intenção de pensar no fluxo das músicas como se fossem partes em um roteiro de filme, que constantemente tenta surpreender o espectador. Ainda assim, a abstração de seu conceito permite ao multi-instrumentista sair em diversas tangentes sonoras e de assunto, com mudanças por vezes bruscas na temática de canção para canção.

Não que não haja nenhuma estrutura. Esta associação livre é premeditada pelo conceito do álbum. Curumin explora a temática da boca humana, e seus vários usos permeiam o disco. Bocas se beijam em “Boca Cheia”, seduzem em “Bora Passear”, protestam em “Boca Pequena 1 e 2”, lamentam em “Atrito”, exaltam em “Terrível” e querem comer em “Paçoca”. Trata-se de um comentário sobre a diversidade de cada pessoa, esta variedade interligada de forma solta, e que existe em todos nós. Nada mais apropriado para um trabalho tão declaradamente de fusão sonora.

Curumin tem histórico em abordar temáticas sociais, e Boca não é diferente. A crise do cenário político atual ganha espaço em “Boca Pequena 1 e 2”, faixas que manifestam a frustração com a oligarquia que tenta ficar no poder a qualquer custo. A identificação feminina é abordada em “Terrível”, e já a segunda faixa, um poema retirado da peça “O Burguês Que Deu Errado”, manifesta os sentimentos do compositor sobre os privilégios do homem branco. À exceção das “Bocas Pequenas”, a maioria das canções mais políticas são intercaladas com outras temáticas, de modo a evitar um tom monocórdico em qualquer momento do álbum.

Entre a gama de participações que temperam a mistura, destaque para Rico Dalasam em “Tramela”, canção mais impactante da obra. De rimas e performance urgentes, Dalasam ataca um sistema, mídia, e sociedade que impõe silêncio àqueles que precisam falar, através dos gritos incessantes de quem não quer escutar ou levar protestos a sério. O rapper deu um grande salto para conquistar seu espaço em 2016 com o seu álbum Orgunga e uma série de bons singles, e se manter a potência demonstrada aqui, deve continuar a ascensão que iniciou com “Aceite-C”, em 2014.

Político, romântico, poético, mundano. Orgânico, eletrônico, com funk, afrobeat, jazz e samba. Melodias não-convencionais, parcerias internacionais e estrutura solta. Para um artista que tem a variedade como missão, Boca soa como um anúncio de utilidade pública. Com mais de uma década de trabalho e quatro álbuns no currículo, é praticamente redundante dizer que este homem de vários estilos segue experimentando, pois experimentar é o que ele faz. E se o seu mais recente projeto é indicação do futuro, a boca de Curumin seguirá a cantar vida longa ao diferente por um bom tempo.

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