Acervo do Margs tem quase 400 mulheres artistas, mas poucas integram exposições

Thaís Seganfredo
Imagem: Obra de Maria Lídia Magliani

Quantas artistas mulheres você já viu nos museus do Rio Grande do Sul? Se é verdade que artistas contemporâneas têm ganhado espaço – principalmente em exposições coletivas com temática feminista – pouco se conhece sobre as artistas pioneiras do século XX no estado, como Judith Fortes, Cristina Balbão, Alice Soares, Alice Brueggeman e (embora da geração posterior) a primeira artista negra a se formar na Escola de Belas Artes, Maria Lídia Magliani.

Uma das causas da invisibilidade dessas artistas é o machismo que se refletia na Escola de Artes, principal meio de entrada para a profissionalização na arte naquela época. Como mostramos nesta reportagem, ainda que fossem maioria na Escola, é possível contar nos dedos as alunas que conseguiram seguir carreira e eram reconhecidas pelos professores e críticos de arte, todos homens, como profissionais.

Agora, um grupo de historiadoras da arte e estudantes está mapeando a presença dessas e de outras artistas mulheres nos principais museus públicos presentes em Porto Alegre. Desde dezembro de 2018, elas vêm levantando dados nos acervos públicos, com o objetivo de identificar quem são as mulheres que constituem esses acervos, quantas são e quais mídias são utilizadas nas obras.

Corona e suas alunas, obra de Alice Soares

Um dos resultados do estudo revela que no Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (Margs), que está entre os museus com maior índice de visitação da capital, 35% do total de artistas do acervo são mulheres. Se considerado o recorte de etnia, são 384 mulheres brancas, 2 negras e 4 asiáticas no museu estadual. Já os acervos municipais da Pinacoteca Aldo Locatelli e Ruben Berta possuem ainda mais disparidade de gênero, quando considerados os percentuais de mulheres presentes: 29% e 22%, respectivamente.

Os dados estão sendo publicados no site Mulheres nos Acervos.  Ainda serão revelados pela pesquisa os números da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, mantida pela Ufrgs, e do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, que é estadual. Outro dado preocupante é a presença de apenas quatro mulheres negras em todos os acervos pesquisados.

O objetivo das pesquisadoras agora é que o estudo reverbere no circuito artístico de arte como um todo e não fique restrito a espaços voltados só para mulheres. “Nós sabemos que fazer grandes exposições só de mulheres não serve para reconstruir uma história da arte. Queremos deixar algum lastro para que futuras curadorias ou futuras grandes montagens não se validem do argumento de que só os principais nomes masculinos não suficientes”, defende a curadora Cristina Barros.

As conclusões indicam que, ainda que haja disparidade de gênero, que aumenta se considerarmos os artistas negros, existem sim obras de mulheres nesses acervos. O que acontece, segundo as pesquisadoras, é que essas obras raramente são escolhidas para integrarem exposições temporárias ou permanentes e poucas ganham mostras próprias. “Chegamos a ouvir pessoas que disseram se expõe poucos trabalhos feitos por mulheres porque elas não faziam ou porque era ruim. Então estamos expondo essas mulheres para mostrar o contrário”, afirma a curadora Nina Sanmartin.

Como indica o estudo, os acervos têm potencial para serem melhor aproveitados, especialmente no que diz respeito à diversidade. O Nonada apurou que o Margs, por exemplo, possui 10 obras de Maria Lídia Magliani, 34 de Ilsa Monteiro (que já ganhou mostra própria) e 4 da polonesa Fayga Ostrower, só para citar alguns casos. Considerando os catálogos de mostras no último ano, cerca de 16 homens e 13 mulheres integraram as exposições temporárias.

Exposiçao Mulheres nos Acervos, Pinacoteca Aldo Locatelli (Joel Vargas_PMPA)

Além da divulgação dos resultados, cada espaço está recebendo exposições com obras das pintoras, escultoras e desenhistas de cada acervo. “É uma pesquisa se alinha com o movimento global e nacional de entrar nesse revisionismo e procurar entender quem são essas mulheres que foram silenciadas. O estudo serve um pouco também para desmistificar certos aspectos”, explica Barros, que conta que um dos mitos é a ausência de escultoras nos acervos, o que a pesquisa já desmentiu.

A expectativa das pesquisadoras é que o cenário comece a mudar, uma vez que as instituições culturais abriram as portas e abraçaram a ideia. “Elas queriam também conhecer melhor o próprio acervo e suas limitações e entender o problema para conseguir fazer alguma coisa sobre isso”, diz Barros.  Diretor do Margs, Francisco Dalcol destaca que a atual gestão tem como política institucional acompanhar as problemáticas atuais no que diz respeito às instituições museológicas. “Nesse empenho, está a reivindicação histórica e reparatória por uma maior visibilidade e legitimação da produção de artistas mulheres. Trata-se de uma entre as prioridades do Margs na atual gestão, e que tem se revertido em exposições monográficas de artistas mulheres apresentadas em 2019 até aqui, assim como em atividades e ações educativas que abordam a questão, desenvolvidas pelo museu em seu programa público”, comenta.

Nem sempre houve essa preocupação na gestão do museu. Como mostrou a mestre em História da Arte Rosane Vargas, no início dos anos 2000 o museu estava em busca de obras de mais de 10 artistas homens para compor seu acervo, todos formado pela Escola de Artes de Porto Alegre – e nenhuma mulher. O episódio ilustra a defasagem que as mulheres sofrem na história busca pela inclusão no sistema das artes.

Os próximos passos da pesquisa Mulheres nos Acervos, depois de concluídos os levantamentos sobre a disparidade de gênero, será o recorte por etnia e por orientação sexual dos artistas.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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