O Mergulhador, do uruguaio Luis Do Santos, e a brutalidade das relações silenciosas

Rafael Gloria

O Mergulhador, do uruguaio Luis Do Santos, é um curto romance com oito capítulos, que a meu ver, pelo menos boa parte deles podem ser lidos também de forma independente, como contos. Lançado recentemente pela editora Diadorim, de Porto Alegre, ele é narrado em primeira pessoa a partir de uma criança que vive no interior bruto do Uruguai. Trata-se de uma paisagem literária compartilhada pelos gaúchos do interior do Brasil, assim como os costumes dos seus homens duros e a austeridade da família que compõem o grupo de personagens. É um cenário também explorado por autores do Rio Grande do Sul, como Sérgio Faraco, Alcy Cheuiche e, mais recentemente, Marília Floôr Kosby

O primeiro capítulo, que dá nome ao livro, abre maravilhosamente a narrativa. Cada palavra e a escolha das ações parecem ser as mais certeiras para causar diferentes sensações, criando um final que segue acompanhando o leitor mesmo depois de muito tempo. Nele somos ambientados ao vilarejo, aos seus costumes e à função de “herói” do pai: encontrar afogados no rio com o uso de uma flor de jasmim, daí “o mergulhador” em seu sentido mais objetivo. Tudo apresentado a partir de uma linguagem poética, quase mesclando com o fantástico olhar do jovem narrador. Também fica evidente essa mistura de admiração com medo que o pai exerce no filho. Ironicamente, este primeiro capítulo acaba também sendo uma espécie de  “sombra” a toda a obra, no sentido de que fica difícil superá-lo, mas também porque influencia todo o restante da narrativa. 

Não que isso seja um problema, pois Santos continua nos entregando outras pérolas, pelo menos na primeira parte do livro. Cada um deles acaba focando na relação com algum personagem importante para o menino: seja o avô morto, fazendo o seu neto pregar peças; o melhor amigo sempre pronto para uma aventura, do qual acabamos tendo um vislumbre melancólico depois; ou um estranho que a vida maltratou e que ele acaba conhecendo melhor. A única constante é que todos que cruzam o caminho do menino narrador acabam indo embora de sua vida, de algum modo. 

Ao longo das histórias, Santos vai pincelando pequenas passagens do pai, sempre distante do filho, imponente, dado a poucos afagos. Neste sentido, as reflexões do menino acabam sempre procurando uma desculpa para um maior entendimento: o pai era ocupado, trabalhava; o pai encontrava pessoas afogadas, logo, herói; o pai era admirado por conseguir manter a respiração por tanto tempo debaixo da água. Há uma reflexão interessante e que volta no final quando o protagonista-menino vê de longe uma imagem que o causa espanto: o pai chorando. Ele, então, percebe que o dom de descobrir a morte dos afogados era também sua maldição, a cruz que deveria carregar. 

Na segunda parte do livro, continua-se explorando as peraltices do menino sempre duramente castigadas pela família, ainda que com menos brilho da descoberta do que nos primeiros capítulos. É mandado para longe para ser disciplinado pela avó materna, e descobre, entre outras coisas, o prazer de andar de bicicleta. Na volta, encontramos um dos únicos personagens que demonstra um carinho mais genuíno na narrativa, o seu tio que sofre de graves problemas mentais devido a um acidente de carro. 

No fim, temos um cenário diferente, uma cidade mais moderna, mais atual, com um protagonista já adulto, com um passado retornando para um final acerto – será?. Mas nada acontece de prático a não ser o que é insinuado e que fica nas entrelinhas:  o ritual de passagem já foi realizado, e o homem sem medo deve continuar mergulhando. 

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Jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada - Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras.
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