*atualizado às 16h20 para incluir a avaliação de Alexandre Vargas
Foto: Isac Nóbrega/divulgação
Em decreto (Nº 10.755/2021) publicado nesta segunda-feira (26), o governo Bolsonaro anunciou que representantes da “arte sacra” e as “belas artes” deverão integrar a comissão que escolhe os projetos aprovados na Lei Rouanet. A decisão muda completa a composição da comissão que escolhe os projetos aprovados. Com a mudança, a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic) será composta por um representante de cada área: belas artes, arte sacra, arte contemporânea, audiovisual, museus e patrimônio.
Antes do decreto, a composição ocorria com representantes das áreas das artes cênicas, audiovisual, música, artes visuais, arte digital e eletrônica, patrimônio cultural (inclusive museológico e expressões da cultura negra, indígena e das populações tradicionais); e humanidades. A Comissão estava inativa desde o início do ano por ausência de novo edital. O secretário da pasta, André Porciúncula, estava centralizando as decisões até então.
O decreto regulamenta o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Lei 8.313/1991) e define prioridades no que se refere ao apoio estatal a projetos e programas via lei de Incentivo e também via Fundo Nacional de Cultura. No novo decreto, o governo incluiu como objetivos do Programa “apoiar as atividades culturais de caráter sacro, clássico e de preservação e restauro de patrimônio histórico material, tombados ou não” e “apoiar as atividades culturais de Belas Artes”.
Na prática, especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que isso significará maior interferência de representantes religiosos na Cultura. “Esse governo desde o início é inepto nessa questão da cultura. Há método nessa barbárie de uma maneira muito explícita. A Cnic foi desmanchada, esfarelada, a pessoa que ocupa o cargo de diretor de fomento não tem capacidade técnica, e isso é intencional”, acredita Alexandre Vargas, integrante do coletivo de artistas Artigo Quinto.
Na avaliação do produtor e gestor cultural, o decreto contradiz o Plano Nacional de Cultura, no qual estão especificados os segmentos que devem basear as políticas culturais. Os novos segmentos, especialmente relativos à divisão entre belas artes, arte sacra e arte contemporânea, estabelecem outro critério de divisão, diferente do critério de linguagens adotado até então (cultura popular, livro e literatura, artes cênicas, música, etc.)
“Além disso, aumenta evidentemente o poder de decisão do secretário, com a indicação dos membros da Cnic. É uma manobra discursiva e legislativa, deixa um escopo mais geral, sem definição dos segmentos. Isso vai fazer com que passem os projetos de interesse do governo e com certeza um direcionamento pra projetos de caráter religioso. É um balcão sanguessuga que está sendo criado e que desestrutura toda a institucionalização da lei”, avalia.
Vargas diz que há um desmanche na área cultural do país, que se intensificou, por exemplo, com a demora na avaliação dos projetos, com processos que demoram até 6 meses para tramitarem. “O governo federal flerta com o autoritarismo e aquele vídeo do [ex-secretário de Cultura] Roberto Alvim de inspiração nazista nesse momento deve ser revisto e relido, porque demonstra o indício de dirigismo, censura e perseguição desse governo”.
No mês passado, um projeto de Jazz foi reprovado depois que um parecer da Funarte, baseado em menções à religião, como a frase “a Arte é tão singular que pode ser associada ao Criador”, recomendou a não aprovação. O caso foi incluído no Observatório de Censura à Arte.
Como funciona a Lei de Incentivo à Cultura