Joana Lira/MinC

Presidenciáveis propõem medidas vagas para a cultura e prometem descentralização

Os candidatos e candidatas à Presidência da República apresentaram propostas amplas e sem muitos detalhes em seus planos de governo apresentados oficialmente ao TSE. O Nonada analisou as propostas de todos os presidenciáveis, apresentados por algumas candidaturas como “diretrizes”. 

O fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura, mecanismo que garante a descentralização dos recursos para estados e municípios, foi uma das propostas mais citadas nos documentos. O investimento nas culturas populares e periféricas foi lembrado por diversos candidatos, bem como a descentralização dos recursos. 

Enquanto Jair Bolsonaro cita números inverídicos para dizer que promoveu a descentralização dos recursos, Lula traz ideias amplas como a valorização da diversidade cultural e da liberdade artística. Já Ciro Gomes traz como única meta específica a criação de um programa que garante a compra de smartphones em até 36 vezes sem juros, enquanto Simone Tebet aponta para um caminho de resgate de mecanismos desmontados por Bolsonaro, como a lei Rouanet, a Lei Aldir Blanc e a Lei do Audiovisual.

Confira abaixo um resumo das propostas de todos os presidenciáveis e acesse neste link as reportagens completas sobre as propostas para a cultura dos quatro candidatos melhores colocados nas pesquisas: Lula (PT), Bolsonaro (PL), Ciro (PDT) e Tebet (MDB). 

Ciro Gomes (PDT):

O plano de governo de Ciro Gomes (PDT) dedica uma seção de uma página e meia à área da cultura na parte final do documento. No capítulo intitulado “A cultura como afirmação da identidade nacional”, o candidato afirma que pretende recriar o ministério da Cultura, que foi extinto no último governo e inclui medidas como a implementação de redes wi-fi gratuitas em comunidades, entre outras ideias amplas. 

Para o presidenciável, a nossa identidade está “ameaçada não só por hábitos de consumo, mas também por uma estética internacional nacional”. Caberia ao seu governo, se eleito, fortalecer a autoestima e a cultura local, estimulando o Brasil a se “reconhecer na sua diversidade regional, nas suas diversas expressões tradicionais e históricas e na valorização do patrimônio histórico”. O plano de governo também cita eixos como “as novas estéticas”, “o experimentalismo de vanguarda” e elementos da cultura como a culinária, os hábitos alimentares, o artesanato e as linguagens artísticas dentro desse processo.

Entre as ideias da campanha, está a criação de espaços de fomento e políticas que ampliem “o acesso à cultura e ao lazer”. O documento também dá destaque para as culturas periféricas, incluindo “danças, grafites e slams” e para a criação de empregos para os jovens.

O plano também cita medidas mais concretas, como o aumento do orçamento para a pasta e a orientação da Ancine não apenas como fomentador mas também como “regulador do mercado audiovisual”. O programa não explica como seria essa regulação.

Boa parte do documento é voltada para a cultura digital, a começar pelas grandes plataformas de streaming que, “a exemplo do que já vem sendo feito na Europa”, deveriam ser reguladas de forma a investirem na produção nacional independente. O plano também sugere um apoio a startups de conteúdo digital que atuam em todas as redes sociais.

No único trecho que cita algum valor numérico, o plano de governo também pretende incentivar o acesso à internet e prevê a criação do programa Internet do Povo, para financiar a compra de smartphones “em até 36 vezes sem juros para os mais vulneráveis”. Rede wi-fi gratuitas em comunidades e formação em games também estão entre as pretensões de Ciro Gomes.

Jair Bolsonaro (PL):

O plano de governo de Jair Bolsonaro (PL) destoa das falas do presidente durante a campanha quando ele aborda a cultura e, mais especificamente, a lei Rouanet. Se são conhecidas suas falas contra a lei de incentivo à cultura, na proposta oficial de governo há erros e informações vagas sobre a descentralização dos recursos e o valor investido na área da cultura.

A seção do documento que faz menção à pasta é intitulada “Ampliar e Fortalecer a Política Nacional de Cultura”. O texto afirma que o governo, “por meio da secretaria Especial da Cultura, investiu 7 bilhões de reais no setor cultural entre 2020 e 2021, podendo chegar a 30 bilhões de reais [até 2026].”

O Nonada Jornalismo checou os números. Embora o documento não detalhe o dado informado, o painel de dados do Observatório Itaú Cultural indica que os gastos totais federais somam R$ 2,9 bilhões no período indicado. O valor indica o orçamento total da área da cultura (ou seja, aplicada diretamente na área) somado ao montante investido nos mecanismos de fomento, incluindo Fundo Nacional de Cultura, Fundo Setorial do Audiovisual, Lei do Audiovisual e mecenato via Lei Rouanet. O levantamento não inclui os R$ 3 bilhões emergenciais distribuídos via lei Aldir Blanc, medida proposta e aprovada pelo Congresso Nacional em 2020.

A descentralização regional da Lei Rouanet, outro argumento usado por Bolsonaro para criticar os artistas e prometido durante a última campanha, também não foi cumprida no governo, como revela o painel de dados do Observatório Itaú Cultural. O estudo mostra que, em 2021, proponentes do estado de São Paulo ficaram com 40% dos recursos da Lei Rouanet, enquanto o Rio de Janeiro captou 25%, ultrapassando metade do total da verba aprovada no ano.

O dinheiro da lei Rouanet vem de renúncias fiscais captadas junto a pessoas físicas, que escolhem direcionar parte dos impostos a projetos culturais selecionados pelo marketing ou pelo departamento comercial das empresas.

O plano de governo afirma ainda que foram investidos R$ 114 milhões de reais no restauro de 21 prédios históricos em 2021 e que mais R$ 295 milhões devem financiar o restauro de 31 obras em 2022. “A perspectiva para os próximos anos é de que esse valor seja triplicado na proteção dos patrimônios culturais do Brasil”, promete Bolsonaro.

O Sistema Nacional de Cultura (SNC), que começou a ser implementado de forma mais concreta a partir da descentralização da lei Aldir Blanc, também é foco do governo. O SNC será consolidado como “ instrumento de articulação, gestão, informação, formação, fomento e promoção de políticas públicas de cultura com participação e controle da sociedade civil e envolvendo as três esferas de governo (federal, estadual e municipal)”. 

Em outro trecho, a candidatura diz que os povos indígenas e quilombolas “devem ser respeitados em sua culturalidade e tradições características, desde que não impliquem em violação de direitos humanos”. O programa propõe que as comunidades tradicionais invistam em etnoturismo, mas também em pecuária, agricultura e mineração. 

Luiz Inácio Lula da Silva (PT):

O candidato dedica dois tópicos entre os 121 itens de seu plano de governo para abordar propostas para o setor cultural. O documento diz que a cultura é atualmente “perseguida e até criminalizada” e propõe a implantação do Sistema Nacional de Cultura e a “adoção de políticas de descentralização de recursos para Estados e o maior número possível de municípios”.

Lula avalia a cultura como “uma dimensão estratégica do processo de reconstrução democrática do país e da retomada do desenvolvimento sustentável”. Nesse sentido, segundo o programa, sua candidatura pretende garantir a plena liberdade artística, valorizar o patrimônio cultural, a diversidade cultural e a cultura popular e periférica, além de “dinamizar a economia da cultura”. 

O documento também fala em inclusão digital e promete “um grande processo de transformação digital no país”, com internet de qualidade. O conceito de cultura aparece ainda de forma interseccional nos tópicos que abordam juventude, comunidades tradicionais, turismo e inovação.

Simone Tebet (MDB): 

Em um espaço de cerca de uma página de seu plano de governo, a candidata Simone Tebet (MDB) apresenta algumas propostas para o setor cultural, incluindo estímulo aos mecanismos de financiamento, inclusão digital e investimento em patrimônio cultural. Segundo o programa, “a cultura voltará a ser tratada com o status, a atenção e a importância que merece, com a recriação de um ministério específico, para articular políticas com estados e municípios.”

Entre as propostas da candidata, estão a recriação do Ministério da Cultura e o fortalecimento de leis de incentivo à cultura como a lei Rouanet, a Lei Aldir Blanc e a Lei do Audiovisual, com fontes estáveis de fomento e descentralização dos recursos. 

O programa dedica dois tópicos à inclusão digital, com a proposta de ampliar o número de espaços públicos culturais com acesso à internet e elaborar programas de inclusão digital em bibliotecas e escolas. 

A acessibilidade cultural também está prevista no documento, que pretende “assegurar que as pessoas com deficiência possam ter acesso a bens culturais em formatos acessíveis”, bem como a valorização do patrimônio cultural. Tebet afirma ainda que quer acelerar a regularização de territórios quilombolas, garantindo a emissão de títulos – o programa não fala em posse dos territórios. 

Demais candidaturas:

O candidato Felipe D’ávila propôs criar medidas que já existem no Sistema Nacional de Cultura. “Vamos criar o Conselho Nacional de Cultura, aberto a pessoas e representantes do Brasil e do exterior, que tenha características autorreguladoras para o setor. Esse Conselho irá construir planos plurianuais, contemplando diferentes modalidades de expressão cultural. Seu plano de governo aposta no incentivo à renúncia fiscal e diz que “o acesso à produção artística não pode ser um privilégio de poucos”.

O candidato Léo Péricles (UP) propõe criar políticas específicas para gerar renda nos diferentes setores da cadeia produtiva da cultura, “ desde festas populares típicas

de regiões e populações até o setor de audiovisual, fomentando a criação de conteúdo”. A “democratização dos meios de comunicação e dos aparelhos públicos culturais” também é citada pelo candidato, além do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. 

A candidata Sofia Manzano (PCB) pretende realizar um resgate da cultura popular, Resgate “buscando romper com os interesses dos monopólios dominantes nacionais e internacionais” e incentivando a cultura nos bairros. “ O sistema capitalista brasileiro mercantilizou e elitizou a cultura e transformou a indústria cultural capitalista num instrumento de luta ideológica permanente para a defesa de seus interesses. A cultura popular ficou sufocada em pequenos núcleos de resistência nos bairros populares”, afirma seu plano de governo.

A candidata Soraya Thronicke (UB) diz que, mesmo produzindo 2,5% do PIB nacional, a cultura não é valorizada como deveria. A candidata propõe uma série de medidas como implementar um plano emergencial para o setor, digitar acervos nacionais, “regulamentar e gerenciar estrategicamente o fundo Paulo Gustavo” e fortalecer a Funarte.

A candidata Vera Lucia (PSTU) pretende garantir a liberdade de criação artística, contra todo tipo de censura, além da construção de espaços artísticos em bairros populares. Ela também defende “apoio estatal para a criação e difusão da cultura popular musical, poética, plástica, do teatro e cinema”. 

O candidato Eymael (PSC) afirma que deverá valorizar a diversidade e fazer um “resgate e valorização da cultura e da identidade nacional.”

O plano de governo do candidato Padre Kelmon (PTB) não apresenta medidas para a cultura. 

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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