Nosso espíritos seguem chegando (Foto: divulgação)

Demarcando telas: 10 filmes de autoria indígena para assistir

Ailton Krenak cunhou a expressão “Demarcação de telas” para descrever a produção dos cinemas indígenas nos últimos dez anos no Brasil. Telas de cinema, telas de celular, telas nas artes visuais surgem como suportes para abrigarem as narrativas contadas por artistas indígenas. A escolha da palavra “demarcar” também indica uma coincidência entre a luta pela retomada do território e essa produção imagética. Ailton, junto a outros realizadores do audiovisual, têm dito que as imagens são territórios em disputa e que a produção audiovisual indígena é um “cinema de ação”.  

A história recente dos cinemas indígenas é marcada pela formação de coletivos. Criado em 1986, o projeto pioneiro Vídeo nas Aldeias, marca um início da formação de realizadores indígenas. O panorama hoje é bem diferente dos anos 80, pois há uma produção audiovisual indígena plural, em todas as regiões, em diferentes etnias e grupos, como o Kuery (Mbyá-Guarani, no Rio Grande do Sul), o  NAX – Núcleo Audiovisual Xapono (Yanomami, no Amazonas) e o Coletivo Beture de Cineastas Mebêngôkre (Kayapó, no Pará). Os últimos anos também foram marcados por projetos e mostras com filmes de autoria indígena, como Aldeia SP – Bienal de Cinema Indígena, o ForumdocBh, o Tela Indígena e o Festival de Cinema e Cultura Indígena – FeCCI, dedicados à exibição dessas produções. 

“A mesma câmera que pode registrar o desmanche de uma aldeia, a destruição de um assentamento, de um quilombo. Ela é também a câmera que pode contar uma historinha que embala a ideia de consumo, de privilégio e de exibição egoística da vida.  A escolha por uma narrativa comprometida com a vida, comprometida com o cotidiano das pessoas que estão em luta, ela é pessoal, é o realizador que faz essa escolha”, diz Ailton em 2021, em uma fala que pode ser conferida na íntegra no livro Cosmologias da Imagem. A publicação combina reflexões sobre o audiovisual indígena, escritas por nomes como Alberto Alvares e Edgar Kaynak, publicados nos catálogos do ForumDoc.bh (Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte). 

Como provoca o intelectual, o cinema de ação é imbricado das realidades de quem produz os filmes, seja de dentro de uma aldeia, na cidade, no norte ou no sul do país. “Não contamos histórias para boi dormir”, diz Ailton ao falar das características desse cinema. Apesar de estarem sob este grande “guarda-chuva”, as produções são diversas nas histórias que contam e nas linguagens que utilizam e, por isso, tem se falado no plural: cinemas indígenas. O Nonada Jornalismo selecionou dez filmes, produzidos por realizadores/as entre 2019 e 2022, para você assistir e conhecer.

Confira abaixo: 

Nossos espíritos seguem chegando – Nhe’ẽ kuery jogueru teri (2021), dirigido por Kuaray Poty/Ariel Ortega e Bruno Huyer

Foto: divulgação

O curta-metragem Nossos espíritos seguem chegando – Nhe’ẽ kuery jogueru teri mostra Tekoa Ko’eju, Pará Yxapy, indígena Mbya Guarani, dedicando os primeiros cuidados a seu filho, ainda no ventre. O filme mostra as reflexões junto com seus parentes, acerca dos sentidos de sua gravidez em meio a pandemia de COVID-19 no Brasil e acompanha os dias antes de Pará dar à luz, as conversas entre as mulheres próximas, a preparação das comidas e das ervas. Disponível no YouTube

Teko Haxy – Ser Imperfeita (2018), dirigido por Patrícia Yxapy e Sophia Pinheiro 

Foto: divulgação

Teko Haxy é um documentário experimental, média-metragem, fruto de um encontro e da amizade entre uma cineasta indígena e uma artista visual e antropóloga não-indígena. No filme, gravado entre o Rio Grande do Sul (Aldeia Ko’enju, em São Miguel das Missões) e Goiás, as duas mulheres trocam vídeo-cartas e revelam o processo de filmar uma à outra, compartilhando a intimidade, os conflitos e as questões que as atravessam  material e espiritualmente. Disponível no YouTube.

A Última Floresta (2021), roteirizado por Davi Kopenawa Yanomami e Luiz Bolognesi 

Foto: divulgação

Premiado como melhor documentário do Platino 2022, A Última Floresta denúncia garimpos ilegais e o desmatamento. O longa-metragem traz a cosmologia yanomami, ao retratar um grupo da reserva Raposa Serra do Sol (RR) e a tentativa do xamã Davi Kopenawa de manter vivos os espíritos e tradições da floresta. O filme também mostra a relação dos Yanomami com os sonhos e as estratégias para protegerem-se das armadilhas brancas que chegam em seus territórios.  Disponível na Netflix

Ga vī: a voz do barro (2022),  produzido por COMIN-FLD, Coletivo Nẽn Ga e Tela Indígena 

Foto: divulgação

Animação curta-metragem criada através das memórias narradas por Gilda Wankyly Kuita e Iracema Gãh Té Nascimento, lideranças indígenas no sul do Brasil. As imagens e os sons foram captados na Terra Indígena Kaingang Apucaraninha (PR), durante o encontro de mulheres “Ga vī: a voz do barro, conversando com a terra”, 2021. O filme conta histórias Kaingang sobre a tradição da cerâmica, o barro, a ancestralidade e as cosmovisões a partir das vozes anciãs. Disponível no Youtube.

Abdzé Wede’õ – O Vírus Tem Cura? (2021), dirigido por Divino Tserewahú 

Foto: divulgação

O documentário revela o impacto do Coronavírus em uma das populações indígenas mais atingidas pela doença no país. Narrado em primeira pessoa por Divino Tserewahú, um dos nomes de maior destaque dos cinemas indígenas, mostra a luta desesperada de sua aldeia, Sangradouro, ao leste de Mato Grosso, para sobreviver à mais trágica epidemia conhecida pela nação Xavante. Através de materiais de arquivo e imagens captadas por Divino durante a pandemia, o filme relaciona um passado traumático com a realidade da Covid-19 nas aldeias. O filme também documenta os rituais de reverência aos mortos, além dos saberes e da força espiritual que caracteriza a cultura Xavante. Trailer no YouTube.

Território Pequi (2021), dirigido por Takumã Kuikuro 

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O filme de Takumã, cineasta do povo Kuikuro, conta a história dos pequizais, presentes no imaginário dos povos indígenas do Alto Xingu. No documentário, o pequi se torna símbolo de vasto patrimônio cultural e genético, imprescindível para o pensamento sobre os sistemas agrícolas amazônicos. 

O Último Sonho (2019), dirigido por Alberto Alvares 

Foto: divulgação

Neste documentário, Alvares segue, como em seus outros filmes, apresentando como personagens centrais os sábios das aldeias guarani. O filme é uma homenagem a Wera Mirim, grande líder da aldeia Sapukai, na região de Angra dos Reis (RJ). Essa homenagem vai alcançar camadas mais profundas do que um simples memorial pois, além de trabalhar com imagens de arquivo do xeramoin (avô, um dos mais velhos da aldeia, na língua guarani) o cineasta mostra essas imagens aos parentes que o conheceram, dando-nos a dimensão do vasto conhecimento que o personagem detinha, mas também registrando a comoção dos espectadores guarani à forma como sua presença alargava e incentivava o sentido da vida em comunidade. Trailer no YouTube.

Topawa (2019), dirigido por Kamikia Kisedje e Simone Giovine

Foto: divulgação

O filme traz depoimentos de mulheres da Terra Indígena Apyterewa, no Pará, sobre os primeiros contatos com os homens brancos, enquanto confeccionam redes e cestas a partir da palmeira de tucum. Disponível no YouTube.

Virou Brasil (2019), dirigido por Pakea, Hajkaramykya, Arakurania, Petua, Arawtyta’ia, Sabiá e Paranya Awá Guajá 

Entre a vida na mata e as histórias antigas de seus avós, passando pela experiência do contato com a sociedade não-indígena, vivida por seus pais, uma nova geração de jovens Awá-Guajá nos conduz – com suas câmeras de vídeo – pelos caminhos que levaram sua terra a “virar Brasil”. Hoje, em meio ao assédio dos karaí no entorno e a proximidade com a ferrovia da Vale, no Maranhão – que leva obras, projetos e funcionários para dentro da aldeia – estão os desafios para manter a terra e as tradições, enquanto também assimilam-se os novos costumes.  Disponível no Vimeo.  

Nũhũ yãgmũ yõg hãm: Essa terra é nossa! (2020), dirigido por Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero

Foto: divulgação

“Essa terra é nossa” é a reivindicação que se faz dentro e fora do filme. “Antigamente, os brancos não existiam e nós vivíamos caçando com os nossos espíritos yãmĩyxop. Mas os brancos vieram, derrubaram as matas, secaram os rios e espantaram os bichos para longe. Hoje, as nossas árvores compridas acabaram, os brancos nos cercaram e a nossa terra é pequenininha. Mas os nossos yãmĩyxop são muito fortes e nos ensinaram as histórias e os cantos dos antigos que andaram por aqui”, diz a sinopse do filme gravado em Minas Gerais. Trailer no YouTube.

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Repórter do Nonada, é também artista visual. Tem especial interesse na escuta e escrita de processos artísticos, da cultura popular e da defesa dos diretos humanos.
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