Joelington Rios (Foto: Brett Banducci/ Ateliê Opus/divulgação)

A trajetória de Joelington Rios, artista quilombola que reencontrou sua ancestralidade no processo criativo

João Vitor Araújo, especial para o Nonada Jornalismo

Foi na adolescência que Joelington Rios começou a se interessar pelo universo da arte. Ainda na escola, uma professora lhe apresentou uma câmera digital e, a partir dali, o artista passou a registrar e compartilhar o cotidiano de sua comunidade. 

Hoje com 24 anos, o artista visual tem muito a se orgulhar. Nascido no Jamary dos Pretos, quilombo localizado no município de Turiaçu, no Maranhão, é formado pela Escola de Artes Visuais Parque Lage e também pela Escola de Fotografia Documental e Comunicação Crítica (EFOCO), ambas no Rio de Janeiro. 

Joelington conta que sua relação com a arte é uma oportunidade de reviver e redescobrir sua ancestralidade, pois a sua família, que por muito tempo foi praticante do Tambor de Mina, religião afro-brasileira muito cultuada em alguns estados do norte e nordeste, acabou se convertendo a uma Igreja Evangélica. Quando isso aconteceu, ele sentiu que a sua relação com a cultura quilombola foi rompida, porque deixou de frequentar os eventos e festas que remetessem às suas raízes. “Eu diria que minha relação com a arte se manteve assim por muito tempo,  nessas articulações, nesses tipos de acordos e restrições de consumo e identidade. Mas nem sempre foi assim”, diz. 

Logo, o fazer artístico fez com que ele pudesse driblar o distanciamento imposto. Na volta para casa, ele conseguiu analisar que, de fato, essa relação com a arte nasceu de uma memória ligada ao quintal de casa, das idas aos terreiros, nas cores, nos sons e festas de paredão de reggae e tambores de crioula. “Tudo isso era o que me atravessava e me atravessa até hoje”, conta. 

Entre Rios e Mocambos (2020), Joelington Rios

A partir dessa percepção, Rios começou a consolidar um processo criativo que é munido por diversas etapas até chegar nas capturas fotográficas. Para ele, fotografia é pesquisa e não se trata apenas de coletar dados, mas também de frequentar a casa de sua parteira diariamente e ouvir o que ela tem a dizer. É na qualidade de suas relações que ele encontra inspiração e o empurrão necessário para materializar seus sonhos: “sinto que eu me interesso geralmente por aquilo que está disposto em nossa frente, então para saber mais eu sempre vou até aquilo também”, explica. 

Em seu extenso portfólio, é possível se deparar com obras que repercutiram não só no Brasil, mas no mundo todo. Destaca-se, por exemplo, “O que sustenta do Rio”, uma série de fotomontagens em preto e branco que busca questionar a deambulação pela cidade, retratando pessoas, em sua maioria negras, servindo de base de sustentação à figura do Cristo Redentor, cartão postal da Cidade Maravilhosa.

O que sustenta o rio, 2019, de Joelington Rios

Outra série é “Um jardim para minhas avós”, em que, também por meio de fotomontagens, Joelington sobrepõe as imagens de suas avós com flores e plantas, uma forma de reconfigurar as memórias e a presença de mulheres e avós no seu imaginário íntimo familiar, inclusive no coletivo. “Tive contato com duas avós ao longo da vida, Catarina e Raimunda, uma avó paterna e outra materna, ambas já falecidas. Essas duas avós possuíam vários aspectos em comum, as duas tem origem no continente africano e viveram no mesmo quilombo no nordeste brasileiro, na floresta amazônica, um grande jardim tropical e místico. Elas possuíam fortes relações com os saberes e poder das plantas, elas tinham nos quintais de suas casas jardins no quintal, onde plantavam ervas medicinais e algumas variedades flores e plantas de poder, usadas para remédios e indo além disso”, descreve no texto de apresentação da série.

Tais trabalhos representam uma nova forma de visualizar o povo quilombola – muitas vezes relacionados à marginalidade -, como produtores de conhecimento e sensibilidade. Estas obras fazem parte de acervos dos centros culturais, como o Museu de Arte do Rio – MAR, o Museu da História e da Cultura Afro-brasileira – MUCAB, e Instituto Inclusartiz, e das coleções pessoais de Frances Reynolds e Luiz Mussnich, dois dos mais importantes colecionadores de arte da atualidade. 

Outra manifestação vista na vida (e obra) de Joelington são as viagens que faz, ainda que os sonhos e recordações continuem sendo norteadores essenciais nas histórias contatadas por ele através dos cliques. Muitos artistas, pressionados pelo mercado das galerias de arte contemporâneas e pela cultura que centraliza as relações de trabalho, tendem a migrar para São Paulo. Entretanto, foi a cidade do Rio de Janeiro que o fotógrafo escolheu para viver, apesar de dividir a agenda com a metrópole paulistana algumas vezes por ano. 

Um jardim para minha avó, Joelington Rios

“Comecei a trabalhar recentemente entre o Rio [de Janeiro], Maranhão – e agora São Paulo – e entre idas e vindas, percebo que amo voltar para o Rio. Estar no Rio me possibilita viver muitas confluências e traçar estratégias de forma muito fresca e ampliada, além de ser um celeiro para minhas criações e possibilidades de ver outros seres e mundos e as redes de afetos, amores e carinho. Apesar de tudo isso, adoro ir embora do Rio para casa no Maranhão. Não consigo ficar muito tempo aqui, então estou sempre voltando para lá e cá, tenho aceitado gostar disso, desses fluxos”. 

Grande parte do seu trabalho é o de desenvolvimento e ampliação de repertório, de modo que visualizar muitas imagens, pesquisar artistas, estéticas, linhas de pensamentos e manifestações artísticas são imprescindíveis para que tudo aquilo produzido por ele tenha um lugar de permanência na história da arte fotográfica contemporânea. O resultado desses processos abrange trabalhos publicados em livros de arte contemporânea, como Religion and Contemporary Art, editado por Ronald R. Bernier e Rachel Hostetter Smith, e Rio XXI: Vertentes Contemporâneas, publicado em 2019 pela organização Paulo Herkenhoff.

Além dessa pesquisa imagética e de memória, muito da forma de Joelington se envolver com a arte também vem da música e do apreço pela moda, seguindo uma tendência perceptível vista em artistas como o brasileiro Samuel de Sabóia, que estampa capas de revista e editoriais mundo afora. 

Joelington Rios nasceu no território mais regueiro do mundo fora da Jamaica, então muito da sensualidade, leveza e da dinâmica de suas realizações estão atreladas a esse levante que o som traz. Ao mesmo tempo, ele tem se debruçado em abraçar seu lado que ama moda e o impacto do zeitgeist na produção de roupas. Recentemente, ele protagonizou a campanha da primeira coleção do Ateliê Opus, marca brasileira fundada pelo casal de criativos Breno Samel e Teo breassane-Sabadin. 

Atualmente, Joelington está divulgando a obra “Salmoura”, uma instalação e performance que representa, por meio de fotografias, a relação do artista com as figuras do mosquiteiro e do sal, sempre presentes em sua vida no Maranhão. Os elementos são vistos por ele como uma espécie de entidade protetora, de guarda e vigia – e não apenas uma proteção contra muriçocas – e que o acompanham em sua vida no Rio de Janeiro. 

Salmoura, de Joelington Rios

“A instalação faz parte de uma pesquisa que iniciei entre 2019 e 2020, quando voltei pela primeira vez da cidade [do Rio de Janeiro] para o quilombo. Chamada ‘Entre Rios e Mocambos’, esse estudo é uma confabulação em busca de imaginários do ‘entre’. Essa mesma pesquisa inaugurou minha transição entre a fotografia e outras linguagens, como escultura, a instaladas e o vídeo arte”. 

Nesse sentido, Joelington Rios define arte como “aqui que já é por si só”, provocação que traz o sentido técnico, isto é, de colocar a mão na massa para fazer algo nascer. “Arte é o fazer, a arte do fazer”, conclui. 

João Vitor Araújo

João Vitor Araújo é paulistano, jornalista e assessor de comunicação voltado ao terceiro setor. Além disso, é estudante de direção criativa, styling e fotografa retratos masculinos. Ao longo de sua carreira, colaborou com veículos de moda e comportamento, escrevendo sobre tendências e as diversas nuances que envolvem o comportamento humano, como sexo, cultura e relacionamentos.

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