Marcha da Cultura Hip Hop em celebração ao Cinquentenário mundial da Cultura Hip Hop. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Dossiê propõe registro do Hip-Hop como patrimônio cultural do Brasil 

Mariah Brandt*

A Construção Nacional do Hip-Hop entregou ao Iphan um dossiê que pede o registro do Hip-Hop como patrimônio cultural imaterial do Brasil. Denominado de Inventário Participativo, o documento ouviu cerca de 700 integrantes da cultura espalhados pelos 26 estados da federação e Distrito Federal.

A equipe responsável pelo documento inclui museólogo, comunicadora, B. Boy, DJ e pesquisadores que lutam ativamente pelo segmento amplamente difundido no Brasil e que unindo dança, música, artes cênicas, plásticas, urbanas, esporte, moda e principalmente manifesto social exalta a potência criativa nas periferias, onde historicamente o trabalho do Estado se faz ausente.

O documento também  analisa  de que maneira o Hip-Hop está presente, ativo e potente do Norte ao Sul do país. Nesses 50 anos, o Hip-Hop brasileiro foi adquirindo características próprias, como a influência da capoeira nos passos do breaking. Outro ponto apontado pelo inventário é a diversidade geográfica. “Cada região do Brasil possui suas próprias características, estilos e ritmos de rap, estéticas de graffiti, padrões de plasticidade em suas danças (breaking, popping, locking, etc.), técnicas no toca discos e modos de vida associados ao movimento”.

Um exemplo é o rap presente nos estados do nordeste, que é influenciado pela embolada, “um estilo musical tradicional da região que mistura canto, poesia e dança”, segundo a Construção nacional, e tem foco na poesia e nas letras. “Essas diferenças regionais no rap brasileiro trazem riqueza e diversidade para a cultura do país, criando um cenário único que não pode ser encontrado em nenhum outro lugar”.

Outro ponto diz respeito à desmistificação das origens do Hip-Hop no Brasil que, segundo o Dossiê, teve, desde sempre, protagonismo popular e de regiões periféricas. “Embora muitos pesquisadores acadêmicos acreditem que o Hip Hop foi introduzido aqui por jovens que retornavam de viagens de estudos nos Estados Unidos, a verdade oral da velha guarda da Cultura Hip Hop brasileira é que a Cultura Hip Hop chegou no país através dos filmes Beat Street, Flash Dance e Buffalo Galls. O rapper cearense Rapadura Xique Chico, por exemplo, afirma que no Ceará, devido à sua localização geográfica, desde os anos 1960 era possível sintonizar rádios caribenhas que difundiam a cultura do sound system”, descreve.

Segundo o dossiê, ao longo dos anos, o Hip-Hop se tornou uma importante ferramenta de luta através da arte. Principalmente para quem acredita nessa cultura que, além da estética urbana, também  integra as linguagens artísticas em gestos de denúncia social para marcadores excluídos da sociedade. 

Além do cinquentenário, o inventário também apresenta como um marcador de tempo o fato de que o Hip-Hop é praticado atualmente por artistas brasileiros com mais de 60 anos,  como Milton Sales e King Brown, de São Paulo, e Gê Powers, do Rio Grande do Sul. “Estudo do IBGE aponta que até 2042 o número de idosos no Brasil deve dobrar, assim, nos próximos 25 anos, a Cultura Hip-Hop brasileira vai saltar de dezenas de idosos em todo o movimento nacional para mais de 1000 idosos no país”, projeta a Construção Nacional.

Há atualmente um esforço em torno da criação de uma frente parlamentar mista – composta por deputados federais e senadores do país, para buscar a implementação de políticas públicas em todas as esferas do Governo Federal, legislativas e judiciárias em favor da cultura Hip-Hop. Além do registro junto ao Iphan, existem outras pautas prioritárias em torno deste objetivo, o ano do Cinquentenário do Hip-Hop é comemorado mundialmente e por aqui estão previstas atividades com celebrações, oficinas, festivais, entre outras ações. 

O Iphan está avaliando o pedido de registro, que será analisado pela Câmara Setorial do Patrimônio Imaterial do órgão. Caso seja considerado pertinente, a próxima fase é um processo extenso de pesquisa sobre o bem cultural com abrangência nacional. Os resultados desta pesquisa vão servir como base para justificar o registro formal do Hip-Hop como um entre os mais de 50 bens culturais imateriais do Brasil.

Caso o registro seja confirmado, o Brasil será o primeiro país  a reconhecer a cultura Hip-Hop como patrimônio imaterial , o que coloca a arte brasileira feita nas periferias em um espaço de protagonismo mundial. Um dos objetivos da Construção Nacional é apresentar a ideia também à Unesco, “colocando o Hip Hop brasileiro como protagonista da articulação social e mobilização comunitária internacional na busca do título de reconhecimento como patrimônio mundial da humanidade da Cultura Hip Hop”.

*sob a supervisão de Thaís Seganfredo

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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