Foto: Malu Avelar, Ana Paula Mathias, Anna Turra, Bárbara Esmenia e Marta Supernova/divulgação

Um porvir sapatão: Coletivo de artistas propõe uma Sauna Lésbica na 35ª Bienal de São Paulo

Lésbica enquanto afirmação. Sauna Lésbica enquanto questão. Com caráter de instalativo e participativo, a obra reúne o trabalho das artistas Malu Avelar, Ana Paula Mathias, Anna Turra, Bárbara Esmenia e Marta Supernova em uma proposição artística que proporciona encontro e escuta centrados nas diversas lesbianidades. A obra é um dos trabalhos elencados para a 35ª Bienal de São Paulo, que abre ao público em 6 de setembro. 

A ideia inicial surgiu em meio a conversas da artista interdisciplinar e arte-educadora Malu Avelar com amigos que contavam a ela sobre experiências em saunas gays. A artista seguiu reverberando os diálogos até que em 2019, durante a Residência Artística do Valongo – Festival Internacional da Imagem, se juntou a um grupo de artistas que se identificam como sapatonas e realizou a primeira edição da Sauna Lésbica. O trabalho já nasceu colaborativo, e para Malu, não teria como ser diferente: “Não tinha como pensar em uma Sauna Lésbica a partir da minha própria experiência como indivíduo, só daria para pensar como uma proposta coletiva e com ações de comunidade.”

A partir dali, a cada edição, ela convida artistas diferentes para participarem e transformarem a proposta original, já que, como diria Leda Maria Martins – um dos fundamentos dessa Bienal – “repetir é recriar”. Para Malu, isso gera a transmutação da própria obra, que nunca é a mesma, e que para a Bienal de São Paulo assume uma configuração inédita. 

O atual coletivo é formado tanto por artistas que já participaram de outras edições da proposta, como as que integram pela primeira vez. A artista audiovisual Ana Paula Mathias já esteve em duas edições. “A Sauna me fez entender que nós, entre lésbicas, temos muito a trocar.” Ela percebe um amadurecimento do trabalho ao longo do tempo, que foi aprendendo a articular o que acontece dentro – as diferenças e especificidades entre as mulheres participantes, e o que acontece do lado de fora – os públicos, a rua, os imaginários, os imprevistos. 

Vista do Festival Valongo (2019) Foto: Marina Lima

No tempo de convívio com as artistas do coletivo, Ana sente as reverberações em sua vida pessoal, no sentido de um fortalecimento para se posicionar, cada vez mais, a partir da própria identidade. “A gente fala muito de imaginário, mas também tem a parte da realidade, do que a gente tem que lidar e do que temos conquistado na sociedade como lésbicas.” Assim como outros trabalhos na Bienal, não se estabelece fronteira entre arte e produção de conhecimento. A obra é, então, também um espaço de pesquisa – no sentido de produzir perguntas, problemas, nem sempre com respostas ou soluções.

Convite para imaginação 

Para as artistas, a Sauna é um convite, no sentido de diretamente acionar a imaginação. O coletivo parece, antes de tudo, interessado em se aproximar das imagens que acionamos quando pensamos em corpos e experiências dissidentes. A obra é um encontro coletivo, com uma comunidade, mas também uma porta de acesso ao íntimo de cada uma que entra em contato com o trabalho. As lesbianidades são vistas e debatidas pelas artistas em suas múltiplas existências – em forma de pergunta. 

O próprio sentido do título ‘Sauna Lésbica’ foi tema de debate para elas. A poeta Bárbara Esmenia, explica que discutiram as razões pelas quais a ideia de ‘Sauna’, enquanto um lugar de cura, cuidado, relaxamento, tornava-se imediatamente sexualizada, ao lado da palavra ‘Lésbica’. 

“É uma disputa de um imaginário, que tem a ver com o erótico – e não com o pornográfico. Ao mesmo tempo, é um desejo de quebra de uma expectativa de um senso comum”, explica Bárbara. Ela vai além: “Se a gente diz ‘ Casa Lésbica’, ‘Carro Lésbico’ por que as pessoas já levam para um lugar pornográfico? Estamos disputando essa palavra com outras significâncias.” 

A proposição também coincide com o trabalho da artista de pensar programações educativas. “O interesse é de produzir para a comunidade sapatã, mas também de expandir o diálogo. Como a gente cava um debate que diz respeito a um todo, acessando diferentes camadas da sociedade e pensando na construção de políticas públicas e de direitos?”

Foto: divulgação

A Sauna: uma infinita pergunta

Os encontros e conversas entre as artistas não foram pautados no ‘como executar’ o trabalho, porque partiram de uma construção conjunta desde o início. “Elaborar juntas é o cerne da proposta, porque as escolhas estéticas vem como resposta às provocações que a existência de uma Sauna Lésbica pode gerar”, comenta a artista visual e sonora Marta Supernova. “A obra tem um caráter de instigar curiosidade e instiga questões que vêm da inexistência de algo.” 

Diante da Sauna, cabe a nós imaginarmos. É um simultâneo, estar, e também não estar, que dialoga fortemente com a proposta curatorial da 35ª Bienal de São Paulo, assinada por Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel. “É uma obra que está no lugar do imaginar, do cogitar, do intuir. Você se esbarra com você [mesma] nessa cogitação”, sugere Marta. Nas palavras da artista, a obra acolhe imaginários, não só expõe das proponentes. “É uma proposição de um porvir, de uma coisa a ser construída, de um lugar de acolhimento de dissonâncias e das várias possibilidades de pensamentos e corpos que estão se aproximando e se afastando desse tema.” 

Para ela, trabalhar a imaginação não significa a negação dos pesos que também estão presentes. “Existe um peso e uma dimensão complexa do que estamos tratando, porque senão seria banal. O peso está dado, mas a partir dele a gente imagina. Ele, assim como qualquer outra experiência ou emoção que eclode na comunidade lésbica, gera novas cogitações, problemas e necessidades de soluções.”

Malu acredita que a Sauna dialoga com as Coreografias do Impossível, a partir de uma perspectiva interior. “Quando a gente pensa em coreografia, pensa em deslocamento, em movimento. Me perguntei qual seria a coreografia que a Sauna estaria fazendo nesse espaço, e me deparei com um movimento íntimo profundo.” 

Para a lighting designer e arquiteta Anna Turra, “a Sauna foi sempre uma infinita pergunta, um contínuo questionamento”. Responsável pela iluminação da obra, ela diz que, embora seja considerada uma ‘instalação’, é uma obra de difícil descrição, ou categoria. Talvez você termine esse texto ainda se perguntando “Afinal, o que é a Sauna Lésbica?”. Siga assim. 

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Repórter do Nonada, é também artista visual. Tem especial interesse na escuta e escrita de processos artísticos, da cultura popular e da defesa dos diretos humanos.
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