Crise climática. Ebulição global. Ondas de calor e enchentes que desabrigam famílias inteiras. Estados que decretam calamidade pública após eventos climáticos extremos. Essa é a situação em que o planeta se encontra: de frente para um ponto de não retorno frente às mudanças climáticas que assolam o mundo.
A literatura produzida por escritoras e escritores contemporâneos no Brasil dialoga com essas temáticas e catalisa debates e formas de agir para o bem comum, “mesmo que o papel dela não seja ativista, mas de arte”, argumenta a doutora em literatura, pesquisadora e escritora Natalia Borges Polesso, autora de A Extinção das Abelhas (2021). “O papel é estabelecer diálogos para construir uma visão do mundo diferente”, reitera a escritora.
“Preservar o meio ambiente e lutar por justiça climática”, de acordo com Natalia, “é um papel de cidadão, de todas as pessoas. Quando isso se torna uma questão de literatura, ela vai servir a uma reflexão, primeiramente, da pessoa que escreveu. E acho que ela serve para dialogar com as pessoas. Então, se isso foi uma questão para alguém que resolveu pensar coisas, desenvolver, e isso provocou algum questionamento ou respondeu alguma questão dessas pessoas, ela já cumpre o seu papel”.
A crise climática, portanto, entra como um disparador de gatilhos para essa escrita. No entanto, de acordo com Natalia, não é só isso que traz o meio ambiente para a narrativa. “Eu acho que a crise climática pode ser um disparador, mas isso está mais relacionado com processos de entendimento do mundo. Porque a pauta não precisa ser necessariamente uma questão expressamente ambiental, para falar de ecologia”, explica.
O Nonada Jornalismo selecionou livros que estabelecem pontes de diálogo com uma nova construção de um mundo em comum, seja por meio de distopias em que humanos não se salvam, seja por meio de histórias em que respeitar a natureza é a chave para lidar com os conflitos.
Veja abaixo:
O deus das avencas (2021), de Daniel Galera
Três contos com o mundo em colapso, com desastres ambientais e tentativas de construir novos rumos. Em “O deus das avencas”, um casal se fecha em casa à espera do nascimento do primeiro filho, e mergulha em incerteza crescente, tanto pelo destino deles quanto pelos rumos do país. Em “Tóquio”, um homem solitário é obrigado a enfrentar o passado em um mundo que atravessou um desastre ambiental e tecnológico. E, por fim, em “Bugônia”, uma comunidade pós-apocalíptica em simbiose com a natureza, que, pressionada pelas ameaças externas de um planeta devastado, precisa reinventar formas de agir no mundo.
Ecologia (2022), da Joana Bértholo
Um algoritmo controla a linguagem, fronteira da liberdade individual, coordenado por megacorporações que são mais poderosas que os Estados. O uso das palavras, então, passa a ser tarifado por meio de tecnologia. Por meio das vozes, dos silêncios de resistência e dos ecos das personagens, o mundo distópico se apresenta. O que acontece quando só dizemos aquilo pelo que podemos pagar?
A cura da Terra (2015), de Eliane Potiguara
Moína é uma menina muito curiosa, de origem indígena, e que adora se aconchegar nos braços da avó para ouvir histórias. Ela quer entender o sentido de sua vida, as suas transformações. Mas uma história em especial revelará à menina o sofrimento pelo qual seu povo passou, as descobertas e a sabedoria de seus ancestrais e também como conseguiram a cura de um de seus bens mais preciosos: a terra.
Cidades afundam em dias normais (2020), de Aline Valek
Cidades não reaparecem do fundo de lagos todos os dias. Uma professora de História obstinada em preservar memórias. A jornada artística de um grafiteiro. Um padre náufrago. Um argentino tentando entender um idioma cheio de ruídos e feridas. Uma jovem escrevendo o fim do mundo enquanto ele acontecia. Em cada história, a tragédia do povo alto-oestino apresenta-se como um espelho que reflete as tragédias que se infiltram em nosso cotidiano, nos buracos abertos pelo abandono e pela violência. As fotografias de Kênia, como se fossem pinturas encontradas em uma caverna, parecem exigir a participação do nosso olhar para buscar as respostas. As galerias nos provocam com um lembrete: se uma cidade inteira pode afundar, talvez a memória seja o único lugar onde podemos permanecer.
Ficções amazônicas (2022), Aparecida Villaça
Contos que englobam viagens no tempo, vida após a morte, respeito à vida e à natureza. O conhecimento ancestral dos povos originários é presente em todo o livro. As histórias são alicerçadas por povos e culturas indígenas e não indígenas, que se enredam nas tramas visíveis e invisíveis, sociais e políticas, humanas.
Erva brava (2021), da Paulliny Tort
Os doze contos do livro tem como espaço Buriti Pequeno, cidade fictícia incrustada no coração de Goiás. Além da temática do meio ambiente, em que a natureza se revolta contra a destruição causada por ação humana, os contos orbitam em torno de relações patriarcais, a monocultura de soja e o poder do agronegócio. As festas populares, as culturas indígenas e as populações negras também marcam presença nas histórias.
A Morte e o Meteoro (2019), de Joca Reiners Terron
Joca Terron ambienta uma encruzilhada ética no pior dos cenários brasileiros: a destruição da Amazônia. Construindo uma realidade na qual astronautas chineses estão no caminho para colonizar Marte enquanto na América diversas etnias de povos originários estão extintas, o escritor centra a história em um povo fictício – os Kaajapukugi -, cujo território foi aniquilado. Assim, os 50 remanescentes da aldeia passam a ser os últimos indígenas brasileiros existentes, e o mundo se mobiliza para salvá-los, conseguindo asilo político para eles em uma aldeia do México.