A cultura como um objetivo independente e autônomo no quadro de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) para além da Agenda 2030. Essa é a assertiva inédita defendida pelos Ministros e Autoridades da Cultura de 160 países na carta final do Mondiacult 2025, a maior conferência voltada a políticas culturais, que nesta edição ocorreu em Barcelona, na Espanha.
O Ministério da Cultura do Brasil enviou uma deleção para o evento e participou com protagonismo em várias atividades oficiais e paralelas, incluindo o Grupo de Amigos da Ação Climática Baseada na Cultura, composto por ministros que se reúnem desde a COP28, nos Emirados Árabes. O grupo voltará este ano na COP30, em Belém (PA). A presença do Brasil no evento marca a volta da diplomacia na área da cultura, uma vez que o governo Bolsonaro não havia participado ativamente do Mondiacult 2022.
No documento de resultados divulgado nesta quarta (01), os Ministros da Cultura reafirmaram a cultura como um bem público global na última conferência, realizada em 2022, defenderam a cultura como um ODS único e independente por si só, além de traçarem um panorama com áreas prioritárias para a atuação das práticas e das políticas culturais.
“A cultura contribui para o pleno exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, para a construção da paz, para o crescimento econômico e inclusivo, para a resiliência climática, para o bem-estar e para o desenvolvimento sustentável”, diz a carta. O documento ainda afirma que a cultura é um bem público global de valor intrínseco, cujo poder transformador deve ser totalmente mobilizado para enfrentar os desafios atuais e moldar sociedades mais justas, equitativas, pacíficas, interculturais, inclusivas e sustentáveis.
Dentre as nove áreas consideradas prioritárias para as práticas e políticas culturais em todos os níveis relatadas na carta e suas respectivas especificações, vale destacar as áreas de Direitos Culturais como Direitos Humanos; Cultura, Patrimônio e Ação Climática; Cultura, Patrimônio e Situações de Crise; e Cultura e Inteligência Artificial (IA).
Remuneração justa e adequada, proteção social aos artistas, integração entre cultura e educação, proteção à liberdade artística, incentivo à participação de minorias no setor cultural, incluindo povos indígenas e promover o uso responsável da Inteligência Artificial foram algumas das ações aprovadas.
Em comparação à carta de 2022, o Mondiacult 2025 reconhece de forma mais incisiva a participação da cultura no debate sobre a crise climática. O documento propõe “integrar aspectos culturais em discussões sobre estratégias de adaptação e mitigação climática, para enfrentar os impactos das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade nos setores culturais e criativos, indústrias e patrimônio, e para ajudar a moldar soluções climáticas inovadoras e equitativas, reconhecendo o mandato de organizações, estruturas e mecanismos relevantes, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), [responsável pela COP]”.
Confira a seguir os principais pontos da carta:
1) Direitos Culturais como Direitos Humanos: Reforça a necessidade de promover, preservar e salvaguardar a diversidade cultural e linguística e as expressões culturais, com especial reconhecimento às culturas e línguas dos Povos Indígenas, das populações afrodescendentes, de comunidades locais, minorias e grupos em situação de vulnerabilidade. A proteção, promoção e salvaguarda da liberdade artística e da liberdade de expressão é outro fator ressaltado.
Nesta área, o documento ainda especifica o estímulo ao diálogo, à cooperação e às ações bilaterais e multilaterais construtivas e eficazes para o retorno e a restituição aos países de origem de bens culturais, incluindo aqueles de valor espiritual, ancestral, histórico e cultural, conforme apropriado. A garantia da participação significativa dos grupos envolvidos nos países de origem, incluindo Povos Indígenas, afrodescendentes e comunidades locais, nos esforços relacionados à proteção, retorno e restituição de bens culturais, inclusive por meio de maior colaboração com museus também é destacada.
2) Cultura, Patrimônio e Ação Climática: Por meio do reconhecimento, da valorização e da salvaguarda do conhecimento, das ciências, das práticas e dos meios de subsistência dos povos indígenas, comunidades locais e tradicionais e afrodescendentes, como parte das soluções climáticas, em colaboração com os grupos interessados. A integração de aspectos culturais nas discussões sobre estratégias de adaptação e mitigação climática, para enfrentar os impactos das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade nos setores, indústrias e patrimônio cultural e criativo, e para ajudar a moldar soluções climáticas inovadoras e equitativas, reconhecendo o mandato de organizações, estruturas e mecanismos relevantes, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CQNUMC) é outra especificidade desta área.
Ainda com relação a Cultura, Patrimônio e Ação Climática, a carta também menciona o desenvolvimento de soluções para salvaguardar o patrimônio natural e cultural – tangível e intangível – e proteger a diversidade das expressões culturais dos impactos adversos das mudanças climáticas, da desertificação, da perda de biodiversidade e dos desastres, considerando as disparidades de impactos e capacidades dentro e entre os países.
3) Cultura, Patrimônio e Situações de Crise: Ao integrar disposições relacionadas à cultura e ao patrimônio cultural na preparação para desastres, na gestão de crises, bem como nos processos de reconstrução e recuperação pós-crise. Proteger artistas, trabalhadores culturais e instituições em situações de conflito, desastre ou deslocamento forçado, fornecendo mecanismos de apoio que salvaguardem sua segurança e garantam a continuidade das expressões culturais.
Apoiar o desenvolvimento de conhecimento e dados sobre cultura em situações de crise, envolvendo instituições e redes acadêmicas e de pesquisa.
4) Cultura e Inteligência Artificial (IA): Através do uso da IA para apoiar a salvaguarda e a disseminação do patrimônio cultural e ampliar o acesso à cultura. Esta área também se destaca na promoção do uso responsável, do desenvolvimento e da governança de sistemas de IA baseados em direitos humanos, confiáveis, éticos, transparentes, seguros, sustentáveis e inclusivos e também combatendo preconceitos, incluindo aqueles que afetam a igualdade de gênero.
Outra especificidade que o documento pontua é a garantia do reconhecimento e da proteção adequada dos artistas, criadores, produtores, comunidades e profissionais
da cultura, no contexto da IA, salvaguardando também a diversidade cultural e os direitos de propriedade intelectual, incluindo direitos autorais e direitos conexos. Ainda, apoiar uma abordagem da IA na cultura que fortaleça a agência humana por meio da educação, pesquisa e inovação, que seja transparente e proteja o direito humano de participar da vida cultural, incluindo povos indígenas, comunidades locais, afrodescendentes, pessoas com deficiência, minorias e grupos vulneráveis.