Como o Mercado das Indústrias Criativas impulsiona negócios culturais no Brasil

Realizado pelo Ministério da Cultura, o MICBR reuniu, em Fortaleza, mais de 430 empreendedores culturais de todo Brasil e 185 compradores
Foto: Victor Vec/Ministério da Cultura

Fortaleza (CE) – As artistas do hip-Hop Lara Santos e Thábata Lorena saíram do Distrito Federal e desembarcaram no Mercado das Indústrias Criativas do Brasil (MICBR) + Ibero-América com uma missão: estabelecer novas parcerias para o coletivo que dirigem, o Dona Imperatriz, iniciativa que até hoje já impulsionou a carreira de 13 mulheres na cena da cultura urbana. Desde 2022, elas trabalham para fomentar a produção intelectual e artística de mulheres pretas, periféricas, em especial da cultura hip-hop. 

O coletivo foi um dos selecionados por meio de um edital lançado em maio para representar o Distrito Federal no MICBR, encontro bianual organizado pelo Ministério da Cultura (MinC) que reúne empreendedores culturais e centenas de compradores nacionais e internacionais. 

A edição deste ano aconteceu em Fortaleza, em uma programação contemplou 3.677 rodadas de negócios, 35% a mais que a última edição de Belém, além de atividades formativas, painéis de debate, apresentações artísticas, showcases e uma feira de artesanato com 100 expositores. Segundo dados preliminares do MinC revelados ao Nonada, a expectativa média da Rodada de Negócios é que movimente cerca de R$94 milhões.

Lara Santos e Thábata Lorena (Foto: Anna Ortega/Nonada)

As rodadas de negócios aconteceram dentro de um amplo pavilhão montado nas imediações do Centro Dragão do Mar, equipamento cultural em Fortaleza. Dividido por cores e bandeiras sinalizadoras, cada parte do espaço agrupou um dos 14 segmentos culturais com participação no evento. Diferentemente de outros mercados de negócio comuns ao campo da cultura, ali as diferentes categorias da cultura se encontravam no mesmo lugar.

No local, 185 mesas redondas ocupavam o espaço, justapostas uma ao lado da outra. Os compradores mantinham-se sentados com a placa da instituição ou projeto que representavam, enquanto os agentes culturais movimentavam-se pelo ambiente de acordo com um cronograma estabelecido, para apresentar seu portfólio, projetos e trajetória. O chamado pitch, em inglês, é uma defesa do próprio trabalho com objetivo de angariar oportunidades. 

Durante três dias, Lara e Thábata apresentaram o coletivo Dona Imperatriz para dez pessoas do Brasil e do exterior. Além do segmento do hip-hop, elas circularam pela área da Música, das Áreas Técnicas, do Teatro e do Museu e Patrimônio. Para as duas, a experiência é inédita e, além de abrir portas para oportunidades, também confirma o trabalho que já vêm realizando enquanto coletivo. “É uma oportunidade ótima para construir relacionamentos, sejam eles comerciais ou não. O principal objetivo é a aproximação de pessoas com propósito em comum. É um movimento muito afirmativo”, analisa a performer e designer Lara.

“A Rodada de Negócios me trouxe a sensação de que o que para gente é um desafio muito grande, para o comprador pode ser uma solução”, explica Thábata. Para ela, estar no evento representou também um diálogo para além do próprio território.“ Foi uma confirmação de que estamos no caminho certo. Quando sentamos com o comprador, ele utiliza métodos que confirmam a nossa trajetória. Foi um momento de pensar modelos de negociação que não excluem, mas que ampliam além das redes sociais.”

Para além das rodadas de negócio, o evento foi um espaço de troca e debate para as participantes. “Além de fortalecer a identidade de mulheres pretas, buscamos também ampliar essa visão de hip-hop, então estar aqui, trocando ideias com pessoas do teatro, é uma forma de disrupção também.” O Coletivo trabalha na visão de que a rua, e as artes produzidas nela, podem ocupar os espaços institucionalizados. 

A rodada de negócios para a dupla também significou uma afirmação da própria identidade enquanto mulheres de negócio. “É importante para nós ver que os espaços institucionalizados podem ser, realmente, criativos. Antes de vir, tínhamos muitas perguntas sobre que roupas iríamos usar, qual era o nosso discurso. É muito afirmativo estarmos aqui, de igual com todo mundo, e ver que o perfil do grande vendedor pode ter a nossa cara, o nosso cabelo, sentado do lado de lá da mesa. Não é porque a gente não usa blazer, que a gente não faz negócio.”, diz a dupla. 

Amanda Dias, empreendedora do segmento da moda, está à frente da empresa de biojoias Mandinga. Em São Paulo, a artista visual e designer criou a marca há 8 anos com propósito de produzir joias sustentáveis que dialogam com as cosmovisões das tradições afro-diaspóricas.

Amanda Dias (Foto: Anna Ortega/Nonada)

“É a minha primeira rodada e já consegui fechar dois negócios em São Paulo”, conta. “Eu vim buscando expandir a Mandinga, porque quero ir além do ambiente da internet, e também aumentar o meu conhecimento de internacionalização na cultura, de moda e sustentabilidade”, conta Amanda, que participou de 5 encontros com vendedores durante o MicBR. 

Ela enxerga o trabalho para além da dimensão comercial, pois, como lembra, a indústria da moda é uma das mais poluidoras do mundo, atrás apenas da petrolífera. As biojoias são ferramenta de atuação sobre a emergência climática através da cultura. “A moda é uma expressão cultural. Cada região tem a sua linguagem, a sua característica. Viajar para o Ceará, conhecer a arte das rendeiras, é muito rico porque eu trabalho em São Paulo, que é muito escasso para sementes”, conta. “Fazer biojoias é uma das soluções climáticas para a indústria da moda, porque envolve pensar no design contemporâneo, no uso das sementes, no reuso de têxtil. É de grande impacto.”

A empreendedora Natasha Constantino, de Aquidauana, no Mato Grosso Sul, atua no setor da moda, e conta que já fechou parceria com instituições do Ceará durante a Roda de Negócios. O trabalho de Natasha mescla artesanato e design de moda, com foco na ancestralidade dos tecidos de matriz gráfica africana e da palha característica do artesanato indígena. “Para mim é uma satisfação, como uma mulher travesti, ocupar espaços maravilhosos de negócios”, conta. “Fiz várias conexões e tive oportunidade de levar a minha marca de moda africana para fora do meu estado.”

No segmento da música, o produtor musical e artista multimídia Vagné apresentou seus projetos de arte-educação para  compradores do Uruguai, da Espanha, do Marrocos, das Ilhas Canárias e do Chile. Nascido em Salvador, ele trabalha há mais de 20 anos na cena independente, tendo fundado o selo Muziek Mutante, uma plataforma de música experimental de artistas afro-indígenas contemporâneos, e criado o Festival Periferias Afroexperimentais.

Na rodada, ele buscou apresentar o coletivo que integra, o Juventude Ativista de Cajazeiras (JACA), trabalho educativo voltado à juventude negra e periférica do bairro de mesmo nome em Salvador, um dos maiores bairros com maior população negra da América Latina. “Eu espero levar meus projetos e oficinas de música, percussão, criação para outras periferias no Brasil.” 

Vagné utiliza materiais eletrônicos descartados para criação de instrumentos musicais e obras de arte. “Eu vim para o MICBR para apresentar o Controlador Mid, um instrumento que pode ser usado em palcos, escolas, estúdios, por músicas iniciantes ou profissionais, DJs e produtores”, conta. “Há mais de 4 anos pesquiso esse controlador. Fiz o design, a estrutura eletrônica, os conceitos. Além de ser um instrumento, é uma ferramenta pedagógica para ensinar eletrônica básica.” 

O Brasil como potência cultural 

A pesquisadora e gestora cultural Cinthya García Leyva viajou do México para o Brasil como uma das compradoras do setor de Memória e Patrimônio do MICBR. Na rodada de negócios, Cynthia representou a Casa del Lago UNAM, espaço cultural localizado no centro da Cidade do México, que há 60 anos trabalha com experimentação em arte contemporânea. “Foi mais emocionante do que eu pensava que seria. Há muitos pontos de contato entre nossos países, sobre a importância da cultura e das políticas culturais”, comenta Cinthya. 

Após três dias conhecendo o trabalho dos agentes culturais, ela se impressionou com a profundidade dos trabalhos culturais que valorizam a memória e a ancestralidade do país. “Aprendi muito com os projetos que conheci, em especial sobre temas de sustentabilidade, patrimônio cultural e acessibilidade. Muitos dos projetos tratam de uma revisão da história para podermos pensar no presente. Essa dupla temporalidade me chamou muita atenção.”

Cinthya Levya (Foto: Anna Ortega/Nonada)

“Percebo que aqui esses temas estão sendo tratados de maneira muito mais aberta do que em outros países”, analisa a pesquisadora. “Acredito que temos muito a aprender com as políticas culturais do Brasil. Atuo no setor dos museus e pude constatar muitos projetos que atuam nos espaços públicos, trazendo força a partir da margem para instituições culturais.”

As conexões entre Brasil e Ibero-América são fundamentais para a cultura, acredita Noela Salas, de Santiago, no Chile. A trajetória profissional de Noela explica um pouco dessa perspectiva: ela atuou como subsecretária das Culturas e das Artes do governo do Chile entre 2022 e 2024 e trabalha há mais de 20 anos de forma independente em projetos artísticos, com enfoque musical, em plataformas como La Makinita, espaço cultural em Santiago. “Tenho atuado na circulação de conteúdos musicais e culturais na América Latina”, conta. 

“Estar aqui é mais do fazer negócios. É, principalmente, trocar ideias, porque em regiões como a nossa, latino-americana, precisamos debater o cenário de precarização na área cultural. Esses são encontros em que a região se encontra, os países se encontram, e podemos olhar para o desafio de melhorar o setor e fazer uma releitura do que significa ‘economia criativa.”

“Penso que espaços como o MICBR são lugares onde podemos colocar em prática as práticas associativas, colaborativas, de um intercâmbio econômico em torno da economia criativa, de forma saudável com um trabalho cultural justo, como orienta a OIT”, analisa Noela. 

Para ela, os três dias de negócios renderam conexões com artistas brasileiros de todas as regiões. “Percebi que os artistas, produtores e gestores culturais não trouxeram propostas apenas para vender, mas um desejo de oferecer um novo cenário possível para suas comunidades. Muitos projetos que conheci tratavam de formação artística, vinculação com as comunidades e a promoção do patrimônio cultural — o que é uma grande jóia desse país tão grande e diverso que é o Brasil. Isso é muito interessante para os intercâmbios internacionais.” 

Rodadas de negócios do MiCBR (Foto: Victor Vec/MinC)

A ponte entre artistas brasileiros e os países da América Latina é também o que Macoco (Horacio Acosta), idealizador do movimento cultural Jazz a la Calle procurou fazer durante o evento. Desde 2006, o diretor desenvolve um projeto que leva arte-educação a população de Mercedes, cidade de 40 mil habitantes no oeste do Uruguai. O jazz como ferramenta educacional é o foco do projeto, um movimento cultural que se desdobra em escola, festival e atividades culturais durante todo ano. 

Sentado em uma mesa no segmento da Música, Macoco encontrou artistas de todo Brasil, que segundo ele, já devem entrar na programação do próximo ano do projeto. “Não sei ainda o que vou fazer com tantas informações que tive aqui. Volto ao Uruguai com o bolso cheio de ideias”, conta. “Encontrei muitas pessoas interessantes e músicos extraordinários aqui, com muita formação e qualidade, capazes de tocar em qualquer parte do mundo”, analisa o gestor que agora pretende fazer parcerias com artistas do norte e nordeste do Brasil. 

Tempo de debates para os setores

A programação do MICBR + Ibero-América contemplou 188 atividades formativas, entre elas painéis de mercado, palestras e mentorias, que abordaram temas relacionados à economia criativa contemporânea, como narrativa, convergência midiática, clima e cultura, Inteligência Artificial, entre outros.

O Nonada acompanhou o painel intitulado “Além dos Editais: novos caminhos para o Fomento à Cultura” que debateu estratégias de fomento para além dos editais. Os gestores Marcelo Bones, diretor teatral, Léo Lessa, diretor executivo da Funarte, e Raúl Neftalí Castillo Rosales, ministro da cultura de El Salvador, discutiram o tema, considerado uma problemática para agentes culturais de todo Brasil. Há mais de 30 anos no setor das artes cênicas, Marcelo Bones defendeu a necessidade de se pensar políticas que não se restrinjam aos editais. 

“Estamos chegando no colapso dos editais. Reconhecer a importância de algo não nos impede de questionar esse modelo e sua capacidade, porque ele deixou de ser meio e passou a ser fim”, problematizou Bones. Segundo ele, os principais pontos seriam rever a lógica da competitividade que se estabelece a partir dos editais e o fato de essa ser uma das únicas formas de subsistência para agentes culturais. “Todos nós vamos repetindo coletivamente uma máquina que se retroalimenta. Não se trata de acabar com os editais, mas retomá-los como instrumentos.”

Em outro painel, chamado “Dados que movem a cultura: observatórios, pesquisas, políticas e inteligência de mercado”, o gerente executivo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Luiz Barbosa, destacou a importância das pesquisas com enfoque econômico no setor cultural. Segundo ele, essas produções exercem um papel fundamental na conscientização sobre a cultura para além dos “convertidos”, ou seja, de quem já acredita na importância dela. 

MiCBR 2025 (Foto: Filipe Araújo/MinC)

“Existem três formas de pesquisa em cultura: estrutural, de desenvolvimento e conjuntural”. Além disso, o professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas destacou que a dimensão econômica da cultura vai muito além dos agentes culturais. “Eu considero que o setor da cultura está sempre pronto para produção econômica. É diferente de outros setores.”

“A FGV tem trabalhado os estudos econômicos na área da cultura, justamente para ajudar nesse processo de conscientização da econômica e social. A cultura tem uma capilaridade muito grande e um potencial econômico elevado. Ao demonstrar essa potencialidade e impacto, mostrando que a cultura não é apenas uma atividade lúdica, você acaba ajudando a convencer os gestores públicos e setor privado sobre a importância de estar envolvido com a cultura.”

Nos painéis de mercado, a mesa “Galerias e artistas emergentes: caminhos para a representação” se destacou por promover reflexões sobre o novo setor que integram o MICBR: as artes visuais. Os galeristas Beth da Mata, de Pernambuco, Rodrigo Mitre, de Minas Gerais e Ana Varella, de São Paulo, discutiram características do mercado e deram dicas a jovens artistas. A conversa foi mediada pela artista Rafaela Kenedy, que forçou a importância dos artistas se enxergarem como trabalhadores. 

“Existe um entendimento de que a arte seria um estado de espírito, mas ser artista é a nossa profissão. Quando eu compreendi isso, entendi o respeito que desejo ter nessas relações e também como eu posso me preparar para o mercado”, refletiu Rafaela, artista manauara que utiliza a fotografia para reescrever histórias apagadas pela colonização.

Rodrigo Mitre, galerista da Mitre Galeria, participou do debate e também das rodadas de negócio como comprador. Na discussão, ele reforçou a importância das políticas públicas afirmativas, como as cotas, para a transformação do mercado das artes. “Hoje, mais de 70% dos artistas da nossa galeria foram beneficiários das políticas de cotas. Isso é muito significativo e, como diz Paulo Nazareth, não é uma onda.”

Culturas do sul global se encontram

Em um dos corredores da área externa do Dragão do Mar, artesãos e mestres da cultura popular exibiam seus trabalhos na Feira de Economia Criativa. As artesãs Lúcia Raimundo, rendeira da cidade de Itapipoca, e Maria Inácio, bordadeira da cidade de Paraipaba, encerram os dias de evento com a alegria de quem viu seu trabalho chegar a pessoas de todo mundo. “Para nós, é um privilégio chegar onde estamos. Não esperávamos conhecer tantas pessoas de outros estados”, conta Maria Inácio. 

Em outra banca, Mestre Cícero, da cidade de Guaramiranga, tecia com cipó objetos diversos, desde cestos, bolsas e brincos, até uma balança inteiramente feita de palha. A técnica aprendeu com o pai, o falecido Mestre Pedro Balaieiro. Entre vendas, ele confeccionava alianças de Santo Antônio, uma missão que começou no ano passado, enquanto fazia um terço de palhas pela recuperação do Papa Francisco. 

Mestre Francorli, referência na Xilogravura e Tesouro Vivo do Ceará (Foto: Anna Ortega/Nonada)

Próximo dali, quem caminhava pela feira poderia encontrar pessoalmente um Tesouro Vivo do Ceará, o Mestre Francorli, de Juazeiro do Norte. Referência na arte da Xilogravura, ele atua nas artes populares há mais de 50 anos, desde que era um menino de 12 anos. As obras gravadas em azulejos mostram desde santos católicos, Orixás, até cenas comuns às histórias e narrativas do sertão nordestino. O Mestre dividia a banca com outros artistas da cultura popular, em coletivo promovido pela Associação dos Artesãos de Juazeiro do Norte, fundada em 1985, com a missão de proteger legados como os dele. 

Artistas e artesãos dos países da Ibero-América também compuseram a Feira da Economia Criativa. Ao lado de seu filho Sebastián, a artista Zeneida Briceño exibiu os Payasos de Kalley, figuras mascaradas e coloridas conectadas à ancestralidade Chorotega, povo indígena da Costa Rica. Ela integrou a delegação do país até o MICBR, participando das Rodadas de Negócios e da feira. Saiu do evento com convites para exposições em Pernambuco e no México. 

Os Payasos são objetos de forte significado cultural pois, o próprio nome tem origem em uma língua indígena em vias de extinção no país. As obras figuram animais da cultura indígena Chorotega e são confeccionadas com materiais reciclados e sustentáveis, como papel machê, tecidos reaproveitados, garrafas plásticas e madeiras descartadas. 

“Na nossa cultura, os rituais funerários estão relacionados aos animais. Os cachorros são entendidos como guias da alma dos que se foram até o mundo dos mortos. Já os touros representam a fertilidade e a vida”, explica. “Estou muito feliz de estar no Brasil, porque nunca havia saído do país. É a oportunidade de trazer um pouco de nossa cultura para fora das nossas fronteiras.”

No MICBR + Ibero-América, uma artesã da Costa Rica, dividiu o espaço com um Mestre da Cultura de Juazeiro do Norte. Um artista do circo, ocupou a mesma cadeira de uma empreendedora da moda. Um gestor de museu conheceu projetos de coletivos do hip-hop. A dissolução de fronteiras, entre segmentos artísticos, nacionalidades e regiões, foi a marca do maior mercado público da economia criativa. 

A origem do formato 

A política do Mercado das Indústria Criativas tem como referência um modelo semelhante adotado pela Argentina em 2011, o MICA (Mercado das Indústrias Criativas da Argentina (MICA). Em 2013, depois da segunda edição, a Argentina procurou o Brasil e outros países da América do Sul para propor um evento que reunisse todos os países com o mesmo fim: visibilizar e oportunizar aos agentes culturais latinos oportunidades no setor. 

Em 2014, essa coalização deu origem ao MICSUL (Mercado das Indústria Culturais). A primeira edição aconteceu em Mar del Plata, na Argentina. A segunda, em Bogotá, na Colômbia, e a terceira em São Paulo. Em 2026, o Paraguai receberá o encontro. 

Em 2018, mesmo ano da edição do MICSUL no Brasil, surge o MICBR, o Mercado específico do Brasil. Para Andrea Guimarães, diretora de Desenvolvimento da Economia Criativa e servidora do Ministério da Cultura desde 2010, o diferencial da versão brasileira é o fato de ser um mercado público, intersetorial e formativo. Cada agente cultural selecionado pelo edital de participação recebeu uma bolsa de apoio financeiro, avaliada de acordo com a região, além de uma jornada de capacitação para apresentação dos trabalhos na rodada de negócios. 

“Um mercado público permite que pessoas que não teriam acesso a um mercado pago, venham participar”, explica. “Além disso, é um mercado que permite a inter segmentação. O profissional pode ser do campo editorial e vender os direitos de uma obra para uma série de audiovisual, por exemplo.”

Quando o MICBR surgiu, havia apenas seis segmentos culturais previstos na rodada de negócios (música, editorial, desenho e artes cênicas). Com o tempo, os segmentos aumentaram e ficaram mais específicos. Artes Cênicas, por exemplo, foi desdobrada em teatro, circo e dança. O Design passou a ter setores próprios, como a Moda. Na edição deste ano, a novidade foi a inclusão do segmento de Artes Visuais, até então fora da política. Esse também foi o primeiro ano em que houve pelo menos um representante de cada estado do Brasil.

“Essa política tem um grande diferencial que é a formação. Nosso objetivo é profissionalizar os trabalhadores e empreendedores da cultura. Queremos que eles e elas tenham experiência de trabalhar em mercados, de fazer negócios, de saber apresentar seus serviços”, explica Andrea. 

Patrícia Albernaz, Gerente de Projetos na Secretaria de Economia Criativa do MinC, explica que, na seleção, houve um equilíbrio entre as regiões do país e os segmentos culturais. Além dos empreendedores culturais selecionados por edital, houve uma segunda seleção para participantes interessados em participar por conta própria do evento.

Cada um dos 14 segmentos da cultura contou com a atuação de um consultor especializado, profissional com expertise e trajetória significativa na área, que acompanhou os agentes culturais e os vendedores desde o momento da inscrição até a rodada de negócios. Eles garantiram, através de um processo de cruzamento de dados, que os encontros nas rodadas de negociações fossem compatíveis para os dois lados.

O Mercado também contou com oficiais de ligações, profissionais vinculados à Universidade Federal do Ceará (UFC), responsáveis pela tradução simultânea para compradores estrangeiros e agentes culturais brasileiros. “Nosso objetivo é que o MICBR não acabe aqui. Depois que termina, fazemos uma pesquisa durante um ano para entender o resultado, o retorno de investimento, os negócios fechados, acompanhando esses empreendedores. Nós temos vários casos de edições anteriores que relatam a transformação nos empreendimentos depois de participar do MICBR”, explica Patrícia. 

“Nós não medimos o impacto só em negócios fechados, mas em parcerias celebradas, redes formadas. Às vezes não é um produto vendido, mas uma co-produção estabelecida. São múltiplos formatos de negociação. O evento inteiro é uma possibilidade de formação de rede.”

*O Nonada viajou a Fortaleza a convite do Ministério da Cultura

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