Quarta mais que nobre: a alegria e a raça da Imperadores do Samba

Passista da Imperadores do Samba (Foto: Gisele Endres/Nonada)
Passista da Imperadores do Samba (Foto: Gisele Endres/Nonada)

Fotos Gisele Endres

“Nunca fui numa quadra de escola de samba!”, disse com ansiedade para Gisele, nossa fotógrafa. Por volta das 21h15, chegamos na quadra da Imperadores do Samba. Era a Quarta Nobre, um ensaio do desfile de carnaval, e tinha como convidados as escolas Bambas da Orgia e União da Vila do IAPI. Toda vez que olhava a quadra lotada de gente, mais eu tinha a impressão de que aquela seria uma grande noite.

Tanto a quadra quanto o camarote já estavam lotados às 22h. Havia famílias, casais, grupos de amigos. Pessoas de todas as idades e de todas as cores, com predominância de negros.

De início, um susto: faltou energia no meio da apresentação da banda de abertura Zorra Total. Após aproximadamente 20 minutos sem luz e com muita expectativa, a energia volta e a banda volta a tocar, com ritmo de samba, alguns clássicos da música popular brasileira, como Tim Maia, Cláudia Leitte, entre outros. Pouco tempo depois, era hora de um momento esperado: o ensaio da primeira escola de samba.

Bambas da Orgia

Bambas da Orgia foi uma das escolas convidadas da noite (Foto: Gisele Endres/Nonada)
Bambas da Orgia foi uma das escolas convidadas da noite (Foto: Gisele Endres/Nonada)

Pouco depois do show do Grupo Zorra Total, a escola mais antiga de Porto Alegre e principal campeã gaúcha coloriu a arena da quadra de azul e branco. A bateria – formada por umas cinco mulheres e o restante por homens — entoou as primeiras batucadas e já achei impactante, forte, alegre. Falando em alegria, o enredo da Bambas deste ano é sobre o sorriso: Tô rindo a toa/Na avenida quando a águia ecoa/O rei mandou sambar/Feliz quem tem o Bambas para amar.

O interessante é que o público, independente de sua escola do coração, cantava as músicas das três escolas, o que me faz pensar que a rivalidade no carnaval de Porto Alegre é apenas um mero detalhe.

O momento mais incrível foi quando entraram os passistas. Porta-estandarte, comissão de frente, mestre-sala e porta-bandeira, rainha de bateria e passistas destaque sambaram na nossa frente com uma garra e um entusiasmo que só ao vivo é possível sentir. Suas fantasias cheias de pedras, decotes e brilhos também são mais especiais de perto do que pela televisão. É tudo muito rápido, bonito e grandioso, tanto pela apresentação da escola quanto pela força de vontade dos seus componentes. Foram tocados o samba-enredo do ano e os de anos anteriores.

O ensaio da Bambas da Orgia durou cerca de uma hora. O ensaio da União da Vila do IAPI começou meia hora depois, por problemas no som. Na verdade, o som falhou em diversos momentos da noite e foi o ponto fraco do evento.

União da Vila do IAPI

Quadra lotada na apresentação da IAPI (Gisele Endres/Nonada)
Quadra lotada na apresentação da IAPI (Gisele Endres/Nonada)

A única tricolor da noite — de cores azul, vermelho e branco – fez um ensaio um pouco diferente da escola anterior. A União da Vila do IAPI procurou interagir com a plateia e tocou não só antigos sambas-enredo mas também sucessos do funk, do samba, do axé e de outros ritmos da música brasileira.

Na apresentação da IAPI, os passistas foram entrando na arena gradativamente, para cada um se destacar em seu momento — De qualquer forma, já se destacariam pelas roupas mais curtas e brilhosas que a Bambas. A bateria também me surpreendeu pelas esporádicas coreografias ensaiadas, dando um toque divertido à apresentação.

Houve um momento em que abriram as grades da arena para quem quisesse dançar junto com os passistas. O espaço encheu de gente; muita gente quis participar. A partir daí, os intérpretes (dois homens e uma mulher – isso também me chamou a atenção) conduziram a folia com músicas dançantes e animadas da música popular brasileira. Não é à toa que a escola é conhecida como “a simpatia do carnaval”.

A União da Vila do IAPI tem apenas 35 anos de história. Ela surgiu na zona norte da cidade a partir de um bloco de rua, o Bloco do Bolinha. O tema enredo da escola este ano é sobre os óculos e a visão da vida que a gente tem.

A anfitriã

Imperadores do Samba (Foto: Gisele Endres/Nonada)
Imperadores do Samba (Foto: Gisele Endres/Nonada)

A escola de samba Imperadores do Samba recém completou 57 anos de idade. Originária do Areal da Baronesa, em Porto Alegre, a escola é segunda maior campeã do grupo especial e a mais lembrada pelos gaúchos segundo o Top of Mind (que significa “mais popular”) da revista Amanhã – “Ela é conhecida como a escola do povo”, disse o diretor de carnaval Érico Leotti.

O tema da Imperadores deste ano é um tanto inusitado e interessante: “Vida vai, vida vem, qual é o segredo que a vida tem?”. Érico nos disse que, nos últimos anos, a escola tem aderido aos enredos lúdicos. “A Imperadores teve vários momentos, e ela já teve um período em que fazia enredos de contestação, de atualidades; a escola também já fez enredos históricos e de homenagens. Mas na história mais recente da escola, enredos lúdicos, como o tema de 2015 ‘A magia dos opostos, ponto de equilíbrio do universo’”. O tema enredo de 2016 questiona a origem da vida e os segredos do tempo; fala também sobre o descobrimento do fogo, da escrita e das construções milenares.

Cada escola tem sua rainha, e Jéssica é a rainha da Imperadores. Ela nos contou que frequenta a Imperadores desde criança e, por isso, foi mais fácil se tornar parte da realeza: “Eu entrei com o propósito familiar – meu pai saía na bateria e minha mãe é ritmista. Então, eu iniciei com eles e tive a graça de ser convidada pra ser a rainha da escola”. Junto com o Rei Momo, Daniano, ela esteve nesse papel durante todo o evento.

De cores vermelho e branco, a escola anfitriã da Quarta Nobre entrou em cena já tarde da noite, à 1:30h. Mas, apesar da demora, o entusiasmo não ficou para trás. O público fez um coro muito mais forte para a Imperadores do que para as escolas anteriores (afinal, aquela era a casa deles). As mulheres, que nem na Bambas, ficavam à frente da bateria — o que fiquei feliz de ver. A média de idade dos componentes era mais baixa que nas primeiras escolas – haviam passistas adolescentes e uma porta-estandarte mirim. A grande maioria dos componentes era negra, assim como na Bambas e na IAPI.

Como em fim de festa, fica tudo liberado: as grades são retiradas, e não há mais divisão entre artista e público. Todos comemoravam o carnaval como se não houvesse cansaço. Até a maior dor na coluna sumia com aquela alegria coletiva contagiante. Como disse Jéssica, a rainha da escola, “a Imperadores já é nossa religião”. Acho que o carnaval cansa, mas cura.

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Editora, nordestina, nômade e entusiasta de produções autorais. Gosta de escrever sobre música e qualquer coisa que seja cultura.
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